quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Na corda bamba

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O lançamento do projeto de exploração do petróleo do pré-sal foi uma boa amostra do que será a campanha eleitoral para a sucessão de Lula no ano que vem. Presentes os dois presuntivos candidatos mais fortes — a ministra Dilma Rousseff e o governador de São Paulo, José Serra, pelo PSDB —, esteve também presente o espírito verde da senadora Marina Silva na ação de ativistas do Greenpeace, que não deixaram o governo fazer sua festa particular sem lembrar que petróleo e poluição andam juntos e que, afoito para se mostrar dono de um tesouro incalculável, o governo esqueceu-se de que estava comemorando um modelo de desenvolvimento do século passado, sem ter uma palavra sequer sobre a economia do futuro.

O economista Sérgio Besserman, ecologista de primeira, ressaltou bem a discrepância entre o que aponta o futuro e a comemoração do presente: o governo deveria dedicar boa parte dos recursos que vierem do pré-sal para preparar o salto tecnológico para um modelo de desenvolvimento sustentável, baseado em uma matriz energética limpa e renovável, de baixa emissão de carbono, o que não combina com a cultura do petróleo.

Um mundo que já é presente, e deve ser reafirmado na reunião de Copenhague, no fim do ano, que vai definir as novas metas de redução de emissão de gás carbônico na atmosfera.

A própria senadora Marina Silva, que na véspera havia se filiado ao PV e começado sua caminhada rumo à candidatura à Presidência, já identificara a ministra Dilma com “uma visão tradicional e antiga de desenvolvimento”.

O mesmo governo que endeusara os biocombustíveis em geral, e o etanol em particular, como o futuro da energia sustentável, embutindo em seus delírios de grandeza uma crítica velada à cultura do petróleo, hoje volta ao passado para tentar se beneficiar do pré-sal.

O discurso de tom ufanista do presidente Lula e as medidas estatizantes para a exploração do petróleo do pré-sal mostram bem qual a direção e o tom que a campanha eleitoral governista pode vir a assumir, muito semelhante, aliás, à que derrotou o candidato tucano Geraldo Alckmin no segundo turno de 2006.

Naquela ocasião, Alckmin não teve capacidade nem presença de espírito para rebater as acusações de que os tucanos teriam entregue o patrimônio nacional a grupos estrangeiros com as privatizações.

O governo Lula acabara de aprovar no Congresso, com o apoio do PSDB, um projeto que permitia a exploração de terras da Floresta Amazônica em regime de concessão, nos mesmos moldes em que haviam sido privatizadas as telecomunicações, entre outros serviços públicos, e a exploração de petróleo.

Hoje, a situação é semelhante.

No mesmo discurso em que o presidente Lula exaltou como “absolutamente necessária e justificada” a mudança no marco regulatório, com a adoção do modelo de partilha de produção em lugar da concessão, foi anunciado que o antigo regime, instituído em 1997, que acabou com o monopólio da Petrobras na exploração do petróleo, continuará a prevalecer nas áreas já licitadas e em outras fora do pré-sal.

O regime permitiu que as presumíveis imensas reservas de petróleo do pré-sal fossem descobertas foi instaurado, segundo Lula numa época em que “o mundo vivia um contexto em que os adoradores do mercado estavam em alta e tudo que se referisse à presença do Estado na economia estava em baixa”.

Hoje, quando “o papel do Estado como regulador e fiscalizador voltou a ser muito valorizado”, ele anuncia medidas que reforçam a tendência estatizante de seu governo, mas não abre mão das concessões para a exploração do petróleo, que tanto deram certo.

Esse embate falsamente ideológico deverá surgir na campanha eleitoral, embora várias privatizações estejam em curso no mesmo governo petista, como a de estradas federais. E também, novamente, na Amazônia, com a Medida Provisória 458, que permite a exploração de terras por particulares e empresas.

A senadora Marina Silva considera que essa decisão vai beneficiar grileiros e grandes proprietários de terras na Amazônia. E a classificou de a pior medida entre tantas tomadas no governo Lula contra o meio ambiente, como a concessão de incentivos à indústria automobilística e a frigoríficos na Amazônia sem a exigência de contrapartida.

O certo é que, durante a campanha presidencial, haverá bastante espaço para a discussão de um projeto de país, mas a tentativa de Lula de jogar a disputa para o campo plebiscitário sobre o seu governo pode levar a um falso embate ideológico, pois até o momento só existem candidatos de esquerda na sucessão presidencial, e certamente será difícil para Dilma tentar jogar Serra ou Marina para sua direita.

O viés estatizante que emergiu da solenidade do pré-sal, se predominar na campanha, vai dificultar uma outra tática que já se esboçava no governo, a de explorar o que seria “o risco Serra” na economia, a fama do governador de São Paulo de ser intervencionista e centralizador, não dando espaço para um Banco Central autônomo, por exemplo.

Dilma assumiria, nesse cenário, o papel conservador, dando garantias ao mercado de que nada mudaria na política econômica atual.

Está sendo cogitada até mesmo a hipótese de ter como seu vice o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, um dos principais alvos de Serra, como maneira de reforçar seu compromisso com a continuidade.

O problema é que um governo esquizofrênico como o de Lula se sustenta pela própria figura carismática do líder operário. Já a ministra Dilma Rousseff não tem história nem parece ter habilidade política para se sustentar nessa corda bamba

O caso do caseiro assombrado

José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Nunca antes na história deste país, diria o presidente Luiz Inácio, um episódio provou com tanta clareza a distância imensa e crescente do País oficial para o Brasil real quanto a rejeição pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da abertura de processo contra o deputado Antônio Palocci (PT-SP). Talvez importe menos o resultado em si do que a expectativa criada em torno do caso, como se a sessão do órgão máximo do Poder Judiciário pudesse determinar por si só o futuro político do protagonista e - mais do que isso - seus efeitos sobre o cenário institucional republicano. A começar pelos meios de comunicação, que transformaram o julgamento numa espécie de turfe de resultado antecipado - e ninguém pediu desculpas ao distinto público por ter a previsão de nove a zero virado uma disputa apertada de cinco a quatro -, tudo foi tratado como um espetáculo. E não um evento de gala, mas uma espécie de encenação da Paixão de Palocci num circo mambembe que nem lona tinha.

Salvos pelo gongo de um voto só, os profetas que anteciparam a goleada que não foi empate por um triz se esqueceram de uma velha lição de nossos ancestrais, que não se atreviam a adivinhar o sexo de bebês (antes do advento da ultrassonografia), resultados das urnas e sentenças judiciais. E, com a mesma presteza com que foi preparada a consciência cívica nacional para a derrota previamente anunciada da verdade do cidadão honesto, porém pobre, do Brasil da área de serviço para a versão do ilustre, mas suspeito, dignitário do País dos ofícios e salões, agora se vendem as profundas repercussões do ato sobre o destino do cidadão que não será investigado e dos demais, impotentes para deter a avalanche dessas tradições.

Josef Goebbels, o maquinista da locomotiva de propaganda do 3º Reich nacional-socialista, cunhou a sentença segundo a qual, de tão insistentemente repetida, uma mentira pode se consagrar como se fosse um cânon. Antes que os discípulos secretos do mago da comunicação do regime de Hitler no Brasil consigam produzir mais uma evidência da superioridade da mentira oficial sobre o fato real, talvez seja muito conveniente submeter todas essas falsas e insistentes premissas à luz das verdades que sempre foram obviedades que ululam.

Diz-se agora, por exemplo, que graças à decisão suprema da Justiça o deputado Palocci está definitivamente liberado para tentar os voos altaneiros que o conduziriam ao Palácio dos Bandeirantes ou até, se algum impedimento se interpuser no caminho trilhado do chefe Lula para Dilma, ao Planalto. Trata-se de uma falsa constatação. Se um dos ministros do Supremo resolvesse desafiar a lei consensual vigente no Brasil (e lembrada por Marco Aurélio Mello) de que "a corda sempre estoura no lado do mais fraco" e, assim, o ex-czar da bem-sucedida economia da administração federal petista pudesse ser processado, como pretendia a Procuradoria-Geral da República, não haveria impedimento para sua candidatura.

Como impedimento para o mesmo fim também não haveria se o nobre parlamentar nem sequer houvesse sido julgado pela colenda Corte.

O julgamento de uma semana atrás pode ter produzido um enorme alívio na vida do maior confidente do presidente da República, deste próprio e dos petistas em geral, que têm encontrado notórias dificuldades para indicar concorrentes à altura para enfrentar os tucanos José Serra na sucessão presidencial e Geraldo Alckmin na estadual paulista. Mas atribuir à decisão do Supremo o condão de ter transformado um candidato com poucas probabilidades de vitória numa eleição majoritária em favorito a subir ao pódio é um palpite que não pode virar prognóstico.

A decisão dos cinco contra quatro se assemelha à de um árbitro de futebol que, ao vir a bola bater na mão do zagueiro dentro da área, usa o arbítrio da interpretação para não marcar o pênalti, partindo do pressuposto, muitas vezes equivocado, de que a interceptação não fora intencional. Num caso como no outro, pode-se discutir e polemizar, mas, por definição das regras, pênalti que não for marcado não pode ser convertido nem decisão de tribunal, alterada. Será inócuo discutir quem estava certo no caso, porque este escriba se penitencia pelo fato de não compreender o idioma particular no qual os supremos magistrados redigem e proferem seus votos. Isso coloca este escrevinhador na mesma condição do caseiro Francenildo Costa, que, após ouvir o voto de Marco Aurélio Mello, que o conduzia ao panteão dos heróis nacionais, imaginou que pudesse estar sendo xingado pelo ministro. O caseiro fala a verdade com o idioma da copa e da cozinha. Seus adversários criaram um dialeto próprio para falseá-la fingindo ser os guardiães dela.

Os ministros do STF que livraram o pescoço de Palocci da espada de Dâmocles não tiveram zelo idêntico ao do líder da bancada do PT no Senado, Aloizio Mercadante Oliva, que condenou a ex-secretária da Receita Lina Vieira por não ter denunciado a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao ouvir sua insinuação para dar velocidade à fiscalização das empresas do clã Sarney. Ninguém se lembrou de cobrar de Palocci seu dever de cobrar do subordinado Jorge Mattoso, então presidente da Caixa Econômica Federal, a ominosa quebra do sigilo do pobre coitado que não perdeu só o emprego, mas até a profissão.

Mas o povo, que não entende o latim do advogado do deputado, o também político José Roberto Batochio, talvez não seja tão benévolo com o candidato Palocci como o foi o STF. No tribunal da urna, pode ser que o caseiro assombrado ao ser forçado a assumir de público a humilhante condição de bastardo assombre a miríade de ambições de seu carrasco. Por que essa decisão judicial tornaria um deputado eleito no rabo da lista favorito para a Presidência ou o governo paulista?

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

Duelos de coluna

Roberto DaMatta
DEU EM O GLOBO


A conclusão do caso do caseiro contra o ministro abre a questão. No Brasil, quando o fraco duela com o forte, ficamos sempre e invariavelmente com o superior? Ou seremos, um dia, capazes de agir movidos pelo princípio da igualdade para sermos mais intensos com quem manda, cobrando deles mais responsabilidades, justamente porque deveriam ter mais consciência do que diz respeito aos papéis que ocupam, do que os fracos, os pobres e os oprimidos? Estou convencido que o discurso pelo povo e pelo batido “amor” aos pobres é uma fachada. Falamos em pobres para esconder o nosso viés aristocrático e a nossa crença inabalável de que somos realmente superiores.

Cada partido tem os pobres que merecem.

Eis um qualificativo santificado para classificar um conjunto de cidadãos brasileiros como subordinados e inferiores. Numa pesquisa realizada faz algum tempo, encontrei algo contundente.

O mundo foi, é e será sempre constituído de ricos e pobres. A pobreza, dizem os informantes que se classificam como pobres, não é um defeito ou um erro, como argumentam as teorias modernas da desigualdade, mas faz parte da vida. É bíblica e natural.

Aqui, o pobre surge acoplado ao rico: um não pode ser balizado sem o outro.

Posteriormente, essa pesquisa foi confirmada quantitativamente com a colaboração de Carlos Alberto Almeida, do Instituto Análise.

Ela revela o eixo hierárquico dentro dos ideais de igualdade que, com o advento da República, transitaram do campo religioso (todos são relativamente iguais perante Deus, a Virgem e os santos) para o campo cívico-político que declarava uma igualdade de raiz perante a lei neste mundo. Ora, essa é a questão. No “outro mundo”, todos pagam, mas lá não há Supremo Tribunal Federal, governo, polícia, partidos políticos, ambições pessoais e mendacidade, exceto na cabeça dos crentes. E os brasileiros são crentes escarrados.

Todos acreditam não somente numa justiça divina, pela qual os f.d.p deste mundo pagam pelo que fazem com os inferiores, MAS somente depois da morte, quando o que se demanda num regime democrático e liberal é — eis o duelo de coluna — uma justiça igualitária aqui e agora. Um sistema menos condescendente com quem está no poder e mais igualitário com quem vai aos tribunais exigir compensação moral pelo aviltamento sofrido, como foi o caso do caseiro cujos direitos constitucionais foram violados pela cúpula governamental.

Continuamos do lado das hierarquias que com a sinceridade das crenças inabaláveis, porque jamais foram discutidas e politizadas, decidem sempre pelo lado de quem está no “poder”, “manda”, pode e deve mentir ou “controla”; porque pode “dar”, “tirar” ou “perseguir” — esses traços característicos dos mais fortes (dos que “estão em cima” ou “por cima”) — contra os mais fracos. Ou, eis um outro lado do duelo, começamos a mudar essa equação?

Longe das disputas, os fracos são “pobres” e “oprimidos”, mas, quando eles se individualizam e clamam por direitos, passam de cordeiros a ingratos que perderam a sua consciência de lugar porque pretenderam — como o caseiro Francenildo Costa contra o todopoderoso ministro Antonio Palocci — disputar com o “superior” como um igual. Eis um caso de revoltar o estômago: um conluio de ministros (inclusive com o da Justiça que, sem conflito de interesses, atuou como advogado de Palocci), um poderoso diretor de um dos maiores bancos do país, a Caixa Econômica Federal, toda uma súcia de subordinados que fazem tudo pelos chefes, contra um caseiro que tinha uma conta bancária impossível para quem acabava de fazer o mensalão e não podia imaginar que alguém pudesse falar a verdade ou não ter um plano B. Eis o Partido dos Trabalhadores jogando tudo contra um trabalhador, eis a prova de que quem está por cima tudo pode no Brasil.

Num sistema aristocratizado, a igualdade é afronta, renúncia do mundo ou subversão. Como é que este merdinha ousa colocar-se contra mim? Eu, que tenho biografia e sou membro do partido que mais tem feito pelos pobres e pelos que, no plano de nossa modernidade retrógrada, os representam: os trabalhadores em geral, pois num sistema (desenhado pela escravidão) todo trabalhador é, por definição, pobre e desamparado.

Todos precisam de pai ou caudilho.

O remédio não prevê a igualdade, mas defensores que irrevogavelmente, como diria o senador Mercadante, os representem de modo absoluto.

Eis o duelo. Quando o pobre “entra” na Justiça e troca a resignação religiosa, base do messianismo de Canudos (e de outros movimentos sociais), e que situava a salvação fora deste mundo (como, aliás, eu menciono em “Carnavais, malandros e heróis”), ele desafia essa justiça divina, trocando-a pelos códigos legais deste mundo. E demandam reparos concretos baseados numa justiça humana: conflituosa, reveladora e falível.

Estamos na base do 5 a 4 para os superiores. Para o Brasil do século XXI onde todos são progressistas, honestos e de esquerda, é — valha-me Deus! — um baita avanço!

Roberto DaMatta é antropólogo.

Marcha da insensatez

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - É real a possibilidade de o Senado aprovar hoje a chamada reforma eleitoral. O texto voltará para a Câmara e será rapidamente analisado pelos deputados. Vai valer já nas eleições de 2010.

Ruim ou inócuo quase do começo ao fim, o aspecto mais nocivo do projeto são as limitações ao livre uso da internet durante o período eleitoral do ano que vem. Num misto de ignorância e má-fé, os congressistas decidiram equiparar a web à TV e ao rádio.

Para quem não chegou hoje de Alfa Centauro, a anomalia é conhecida durante anos eleitorais. O apresentador de telejornal ou de um noticiário em rádio, num momento, começa a recitar os nomes e agendas de todos candidatos, um a um. Entram todos. O político nanico sem a menor relevância, o escroque, o "boca de aluguel" a serviço de alguém. Não importa.

Os programas jornalísticos em TV e rádio estão obrigados, por força da lei, a dar espaço a esse trem fantasma que só existe por causa dessa exigência.

Agora, com a nova lei prestes a ser aprovada, a internet terá de se submeter a uma tutela idêntica. Portais, sites e blogs não poderão atrever-se a fazer entrevistas com os principais candidatos. Mesmo sendo empresas privadas, e não concessões públicas, terão de ceder espaço equânime a todos.

Debates em vídeo na internet também seguirão a mesma regra.

Todos os candidatos terão de ser convidados. Se um não aceitar, nada feito. Se todos aceitarem, assiste-se a um encontro inútil. Os gênios por trás desse monstrengo são Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e Marco Maciel (DEM-PE). Mas Aloizio Mercadante (PT-SP) também esteve ontem na reunião na qual tramou-se a aurora boreal do atraso.

De todas as estripulias na política neste ano, essa é a pior. Condenará o país para sempre a ter uma internet manietada em anos eleitorais.

A ética dos senadores

Cláudio Gonçalves Couto
DEU NO VALOR ECONÔMICO


O arquivamento de todas as representações contra senadores da República pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado Federal, que tanto incômodo causou na opinião pública e nos cidadãos em geral, é um fato muito revelador sobre o sentido preciso da noção de "ética". Embora no debate público acerca do comportamento dos políticos seja comum fazer referência à ética como sendo algo que pouco importa a nossos representantes eleitos - não só no Senado, mas em todas as casas legislativas e também nos Executivos -, o fato é que talvez a ética de que falemos não seja a mesma que é levada em consideração pelos políticos profissionais em geral. Logo, o comportamento dos políticos não expressaria exatamente um "desapreço à ética", mas o respeito a "uma ética" em particular.

Ora, ética é um conjunto de normas que determina qual é a conduta certa ou errada para um determinado grupo de pessoas. A questão, portanto, é saber de qual o grupo de gente se trata. Ao afirmar-se que os políticos profissionais não levam em consideração "princípios éticos" em seu comportamento e no julgamento de seus pares, o que se leva em consideração são normas éticas de abrangência maior, que seriam válidas para a sociedade brasileira como um todo ou, ainda, para sociedades democráticas e republicanas em geral. Entretanto, é perfeitamente possível admitir que a classe política aja de acordo com princípios éticos que lhe são peculiares, mas que contrastam com aqueles de que partilhados pelos demais membros da sociedade circundante. E nisto os políticos não estariam sozinhos.

Categorias profissionais específicas, por exemplo, dispõem de normas que de alguma forma regulam as relações entre os membros da corporação. Em alguns casos essa normatividade ética alcança considerável institucionalização, não apenas dando a origem a "códigos de ética", mas contando também com uma organização profissional que confere efetividade às normas prescritas. Quando isto acontece as normas éticas ganham o estatuto de normas legais (ao menos para o grupo profissional em questão) cuja preservação requer que se apliquem sanções aos eventuais transgressores. Assim, os médicos, por exemplo, dispõem do Código de Ética Médica; os advogados, do Código de Ética e Disciplina da OAB; os administradores dispõem do Código de Ética Profissional do Administrador, e assim por diante. Muitas das normas válidas para os membros dessas profissões são peculiares a elas, não sendo aplicáveis à conduta de indivíduos situados forma do âmbito da corporação.

Note-se também que nos três exemplos mencionados o órgão corporativo da profissão (Conselho Federal de Medicina, Ordem dos Advogados do Brasil ou Conselho Federal de Administração - e seus congêneres nos Estados) é o responsável por fazer cumprir as normas éticas, que realmente ganham um estatuto similar ao da lei. Mas há também profissões com um grau de institucionalização corporativa menor, de modo que os princípios éticos, embora existam e lhes sejam peculiares, não têm por detrás de si um aparato organizacional capaz de compelir à obediência e assegurar o "enforcement" da lei - para usar o termo de língua inglesa que deixa tão clara a necessidade do uso de algum tipo de força para fazer valer normas de direito.

Até mesmo organizações ilegais dispõem de códigos de ética, formais ou informais, que regulam a conduta de seus membros. Em novembro de 2007, quando foi preso na Itália o chefe mafioso Salvatore Lo Piccolo, a polícia descobriu entre seus documentos um decálogo de "Direitos e Deveres" de todo membro da "cosa nostra". Esse código de ética deveria ser seguido pelos "amigos", sob pena de terem os transgressores a "carne queimada". A ética mafiosa previa, entre outras coisas, "não se olhar as esposas de nossos amigos", "não frequentar tavernas e rodas de bebida", "não se mancomunar com tiras", "ser respeitoso com a esposa", "não se apropriar do dinheiro dos outros [amigos] e das outras famílias", além da interdição à entrada na "cosa nostra" de "quem tiver um comportamento péssimo e não tiver valores morais". Como se nota, são normas de conduta que fazem todo o sentido para o bom funcionamento da organização e para o bom entendimento entre seus membros. Algumas dela seriam respeitáveis até mesmo em organizações legais. Contudo, aquelas que proíbem aproximações com policiais são reveladoras da natureza dos negócios da máfia.

O Senado Federal também dispõe de um Código de Ética e Decoro Parlamentar, aprovado pela Resolução nº 20, de 1993, que também instituiu o Conselho de Ética. Dentre as normas previstas nesse código está "exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular". É difícil dizer que o uso abusivo das passagens aéreas, a nomeação de parentes e agregados, o tráfico de influência e outras práticas correlatas estejam em acordo com esse dispositivo. Também o arquivamento sumário de representações contra colegas ("amigos"?) parece não estar de acordo com espírito geral do código. Isto talvez se deva ao fato de que o referido diploma legal está em desacordo com a "ética efetiva" que regula as relações entre a maioria dos senadores. Esse documento, na verdade, disciplina uma série de práticas que têm correspondência com os valores éticos mais amplos de que partilha a sociedade brasileira (assim como outras sociedades democráticas e republicanas), mas que foram positivados pelos senadores numa norma jurídica apenas "pro forma". Noutros termos, existem dois "Códigos de Ética" no Senado: o oficial, público, e o efetivo, secreto. Para que se dê vigência ao segundo, é preciso fazer letra morta do primeiro.

Não há exatamente um problema no fato da máfia siciliana dispor de uma ética distinta do resto da sociedade. Organização criminosa que é, tem na luta dos italianos contra sua existência um ataque à conservação dessa mesma ética. Mas é problemático que os senadores brasileiros partilhem de uma ética contrária àquela do resto da sociedade, pois a eliminação desse código moral paralelo não poderia passar por uma eliminação do Senado, instituição fundamental à democracia brasileira e à nossa forma federativa de organização do Estado. Mais problemático ainda é o fato de que aqueles que se pautam por uma ética avessa àquela que vige na sociedade são seus próprios representantes.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da PUC-SP e da FGV-SP.

Vaias azedam relação entre Cabral e Lindberg

Luiz Ernesto Magalhães e Maiá Menezes
DEU EM O GLOBO

Em encontro com Lula, governador vira alvo de manifestação e culpa prefeito petista; presidente critica protesto

A julgar pelas reações ao encontro de ontem em torno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governador Sérgio Cabral (PMDB) e o prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), dividiram pela última vez o mesmo palanque. Numa cerimônia, no Maracanãzinho — administrado pelo governo do estado —, Cabral foi vaiado pelo menos cinco vezes e responsabilizou o desafeto, em clima de guerra pré-eleitoral. Os dois, da base de Lula, são pré-candidatos à sucessão estadual em 2010.

— Não vou mais a nenhum evento do Lula em que o Cabral esteja. Toda vez que ele é vaiado, coloca a culpa em mim. Foi assim em Cabo Frio, Nova Iguaçu e hoje. Não tenho nada a ver com essa vaia — disse o prefeito, recém-operado da garganta.

Incomodado com as vaias, Lula reclamou, na introdução do discurso, para cerca de 3 mil pessoas, sem citar Lindberg: — Não é justo, não é politicamente correto a gente vir para um ato público em que as pessoas mais pobres estão tendo uma pequena oportunidade de receberem o seu diploma e companheiros, com divergências políticas, virem vaiar alguém. E vaiar faz parte da manifestação democrática. Mas é uma coisa depreciativa num ato como esse — disse Lula, que entregou 1.954 diplomas do programa de qualificação profissional para beneficiados pelo Bolsa Família.

Lula, que disse preferir estar entre o povo do que entre “os mais famosos artistas do mundo”, afirmou que seu sucessor terá de ter “sentimento”.

— Vocês representam a cara de milhões de brasileiros, que estão vendo denúncia de corrupção todo dia. Ano que vem tem eleição, e é hora de o povo brasileiro levantar a cabeça e dizer: agora a gente tem que colocar gente lá que pelo menos tenha sentimento.

Gabriel de Paiva As vaias mais fortes no evento de ontem partiram de setores onde estavam integrantes com bandeiras da UNE, liderados pelo diretor Rodrigo Mondego, filiado ao PT: — Soubemos que tinha esse evento e viemos da Uerj, onde estávamos ouvindo as demandas dos estudantes, para prestigiar.

A situação do Rio está crítica em relação à educação.

O protesto ganhou eco entre os 931 formandos de Nova Iguaçu, que estavam na parte de baixo do ginásio. Cada diplomado levou dois convidados, levados por ônibus pagos por dez prefeituras da Região Metropolitana.

“Que papelão, hem?”, diz Cabral a Lindberg Irritado, Cabral, que já fora vaiado há duas semanas em evento com Lula e Lindberg em Nova Iguaçu, desistiu de discursar.

Se dirigiu a Lindberg, ainda no palanque, e disse: “Que papelão, hem?”. O prefeito, que saiu antes das outras autoridades, pela porta errada, revelou outra parte da conversa: — O governador apontou para mim na frente de todos no palco e disse: eles vão ficar roucos como você. Foi a maior saia justa. Parte vaiou e outra não aplaudiu. A culpa é do governo dele, que não devia ficar inventando culpados para esconder sua falta de popularidade.

Em desagravo a Cabral, a executiva estadual do PT tentou acalmá-lo, dizendo que essa não é uma prática do partido. PT e PMDB são aliados. O governador reagiu, dizem testemunhas:

— Eu nunca fui vaiado na vida.

Só em evento com Lindberg.

Não entendo isso. Eu não sou mal educado com ninguém.

O presidente municipal do PMDB, Jorge Picciani, usou o episódio como munição contra as pretensões do petista.

— Essa já é uma questão patológica.

Lindberg precisa de tratamento, porque tem muito ciúmes da relação do presidente com o governador

Serra diz que tucano não faz ''loucura'' para se eleger

Silvia Amorim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Governador critica ações eleitoreiras e cita fura-fila, da campanha de Pitta

Em uma só tacada, o governador de São Paulo e provável candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra, diferenciou seu partido dos demais e deixou no ar uma crítica indireta às legendas. Serra disse que o tucanato pode ter "defeitos", mas não faz "loucura" para ganhar eleição. Sem apontar nomes, ele afirmou que o País está cheio de exemplos de ações eleitoreiras.

"No Brasil se faz muita coisa, nós não fazemos. Os tucanos podem ter defeitos, mas vocês nunca vão ver fazendo loucura na véspera de uma campanha para poder ganhar a eleição e deixando o problema para depois", discursou em cerimônia de inauguração de uma escola técnica na periferia da capital paulista.

Do palco, o governador citou o fura-fila, projeto lançado na campanha de Celso Pitta, então afilhado político do prefeito Paulo Maluf (PP), mas não concluído durante sua gestão.

"O tal do fura-fila foi ideia de um publicitário e não servia para nada. Gastou-se uma fortuna. Nós tivemos de concluir. Mudamos o projeto e vamos transformá-lo em metrô elétrico até aqui", disse Serra.

Pouco antes, o alvo de críticas do governador também por "ações eleitoreiras" havia sido a gestão de Marta Suplicy (PT)na Prefeitura de São Paulo. "Eu me lembro até hoje. Quando tomamos posse só tinha a placa. Nós fizemos. O prefeito Kassab concluiu e inaugurou", alfinetou. Serra referiu-se à construção de um Centro Educacional Unificado (CEU) em Cidade Tiradentes, local da entrega ontem da escola técnica estadual.

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Em entrevista, o governador evitou polemizar sobre o assunto. Indagado se a "loucura" mencionada em discurso tinha exemplos mais atuais, ele não respondeu. "Não vou comentar. Tudo que eu tinha para falar já falei no discurso."

Anteontem o governo federal fez um evento para anunciar o marco regulatório para exploração do pré-sal sob críticas de uso eleitoreiro da medida. O governador reclamou da falta de publicidade pela imprensa de suas ações de governo. Até 2010, ele promete 33 novas escolas técnicas na capital. Quando assumiu eram 14.

Ao fim da solenidade, Serra - acompanhado de Kassab e do secretário do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin - foi tomar café numa padaria a cerca de 20 metros da escola inaugurada. No caminho, o clima lembrou o de campanha eleitoral. Serra caminhou por alguns minutos, tirou fotos e distribuiu cumprimentos.

A internet deve ter propaganda eleitoral paga?

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

SIM
Hélio Silveira*

Está em tramitação no Congresso Nacional um conjunto de medidas para alterar a legislação partidária e eleitoral, já com vistas às eleições de 2010. Do conjunto de boas novidades aprovadas pela Câmara dos Deputados, temos especialmente a modernização das regras atinentes à realização de campanha eleitoral na rede mundial de computadores, a internet.

A internet, por sua inserção no cotidiano das pessoas e sua importância cada vez maior para o compartilhamento de informação e opinião, tornou-se um meio imprescindível para a realização do debate político e da propaganda eleitoral.

Se a Câmara amplia o uso da internet para as campanhas eleitorais, o Senado inova através de uma emenda autorizando a inserção de propaganda paga em portais de notícias e provedores, utilizando-se, de uma forma aproximada, os limites já estabelecidos na Lei 9.504/97 para a propaganda em jornais e revistas impressos. Respeitadas vozes já se manifestam contrariamente à emenda do Senado, mas fica a pergunta: por que não?

É preciso ter claro que a realização da propaganda eleitoral tem sofrido forte restrição nas últimas alterações legislativas e também por resoluções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). É bem verdade que as justificativas utilizadas para restringir a propaganda são sempre por causas justas, como o barateamento das campanhas e a busca pela isonomia entre os candidatos.

Todavia, é preciso considerar que as eleições são o grande ápice da vida democrática do País. É um momento de intenso debate acerca do futuro, dos programas que serão priorizados para os próximos anos. É o momento em que os governantes e candidatos captam os anseios e as repulsas da população.

Se a propaganda eleitoral perde as ruas, pelos motivos acima explanados, é natural que ela busque outros meios para sua realização. Ora, nesse sentido, é bem-vinda toda iniciativa que vise a dar maior liberdade à propaganda eleitoral. E, se a internet é um instrumento de enorme importância para difusão de comunicação e opinião e se os portais de órgãos de imprensa e de provedores são as principais formas de acesso à rede, qual a razão de impedir a inserção de propaganda paga em tais páginas?

É preciso considerar que a emenda do Senado prevê limitações ao uso dessa espécie de publicidade eleitoral na internet, estabelecendo o tamanho da inserção e a quantidade de veiculação pelos candidatos, o que reforça a convicção do acerto da emenda apresentada pela Casa ao projeto de alterações das regras eleitorais.

* Advogado especializado em legislação eleitoral

NÃO
Silvio Salata*

Penso que a vedação quanto à divulgação de propaganda eleitoral paga na rede mundial de computadores (internet), proposta pela Câmara Federal, na redação final do projeto de lei que dispõe sobre a reforma política e eleitoral, caso revertida sua permissibilidade no Senado Federal, certamente trará conseqüências negativas no âmbito do processo eleitoral.

A atual lei das eleições (Lei nº 9.504/97) tem como objetivo principal assegurar a igualdade de condições entre todos os candidatos na disputa do certame, conjugada com os dispositivos legais sobre as proibições da utilização indevida dos veículos de comunicação social e prática do abuso do poder econômico, geram mecanismos para garantia da lisura do pleito, neste tópico principalmente no que tange à divulgação irregular ou ilícita de propaganda a favor ou contra candidato.

O modelo adotado na legislação em vigência sobre as proibições da divulgação da propaganda eleitoral paga nas emissoras de rádio e televisão, limitada somente no horário gratuito reservado aos partidos políticos e seus candidatos, serve de paradigma de sustentação quanto à impossibilidade de vinculação de publicidade paga na internet, tendo em vista a proximidade e identidade entre os referidos meios de comunicação social que atingem grande faixa do contingente de eleitores em nosso País.

Quanto à eventual aprovação pelo Senado da permissão para veiculação de propaganda paga na internet, deverá ser acrescido um fator de fundamental importância que trará grandes dificuldades no controle e fiscalização da propaganda irregular, sobretudo de modo coibir a ruptura do princípio constitucional da isonomia entre os candidatos, alimentando a prática do abuso do poder econômico. Servirá de exemplo a propaganda editada em site através de provedor instalado no exterior, demonstrando, assim, que restará prejudicada a imediata eficácia na prestação da tutela jurisdicional em favor do candidato atingido pela propaganda ilícita ou contra o concorrente beneficiário de tratamento privilegiado, mantida as demais normas elencadas no art. 45, da lei geral das eleições.

Em conclusão, nos breves apontamentos trazidos, resta evidente o obstáculo de inovar no atual regime jurídico sobre a autorização legislativa de divulgação pelos candidatos, partidos políticos ou coligações de propaganda eleitoral paga na internet.

* Advogado especializado em direito político, eleitoral e partidário. Presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral da OAB/SP

Web terá anúncio de presidenciáveis

Eugênia Lopes, Brasília
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Acordo para votar reforma estabelece, ainda, veto a criação ou aumento de programas sociais em ano eleitoral

A propaganda paga na internet será restrita aos candidatos à Presidência e limitada aos portais de notícias. Acordo entre líderes governistas e de oposição estabeleceu ainda que programas sociais de governo não poderão ser criados nem ampliados em ano eleitoral.

No texto inicialmente proposto, a publicidade paga poderia ser feita por qualquer dos candidatos nas eleições de 2010. "São mais de 20 mil candidatos e não há uma forma igualitária e isonômica de tratar todos eles no acesso à internet paga", observou o líder do PT no Senado, Aloizio Mercadante(SP).

A proposta faz parte da reforma eleitoral que deverá ser votada hoje pela manhã, em sessão conjunta, nas Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Ciência e Tecnologia (CCT) e, à tarde, no plenário do Senado. Os relatores da reforma são Eduardo Azeredo (PSDB-MG) e Marco Maciel (DEM-PE).

Pela proposta, os candidatos à Presidência terão direito de pôr propaganda paga na internet nos três meses de campanha eleitoral. Ao todo, serão 12 inserções (são 12 semanas de campanha). O tamanho da publicidade é limitado a um oitavo da tela do computador. A reforma também proíbe pinturas em muros, fixação de cartazes, placas, inscrições e outdoors de campanha. Fica permitido uso de faixas (tipo banners) e cartazes não-colantes, limitados ao tamanho de quatro metros quadrados.

Mercadante concordou com a inclusão na reforma de artigo que proíbe a propaganda institucional ou eleitoral de inauguração ou lançamento de pedra fundamental de obras públicas, nos seis meses que antecedem as eleições. Essa proibição atinge em cheio a campanha presidencial da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que conduz o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "Na política social não pode haver ampliação de programas em ano de eleições. É uma forma de evitar que políticas sociais tenham um objetivo político e eleitoral", disse Mercadante, que participou de reunião para tentar chegar a um consenso sobre a reforma eleitoral.

CASSAÇÃO

Um dos pontos sobre os quais não há consenso para a votação de hoje é o do prazo para a cassação de mandato de governadores que cometeram crimes eleitorais. A proposta dos senadores dá o prazo de um ano para que a Justiça Eleitoral analise e decida a cassação ou o cancelamento de registro de candidatos às eleições majoritárias.

A reforma eleitoral que deverá ser aprovada hoje pelo Senado altera ainda a proposta da Câmara e acaba com o voto em trânsito para presidente da República e o voto impresso. "É inviável economicamente, além de se ter um risco muito grande de fraude com o voto em trânsito", justificou Mercadante, com o aval dos relatores. O texto do Senado mantém a proposta da Câmara e permite as chamadas "doações ocultas" - as que são feitas aos partidos e repassadas aos candidatos evitando, dessa forma, que o beneficiado fique "carimbado" pela contribuição de determinada empresa.

Gabeira e Franklin: de companheiros no sequestro do embaixador a desafetos

Há 40 anos
Bernardo Mello Franco
DEU EM O GLOBO ONLINE

BRASÍLIA - Os dois protagonistas mais conhecidos do sequestro do embaixador americano romperam relações e viraram desafetos por causa da disputa de versões sobre o episódio. São eles o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) e o ministro Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social da Presidência. Há 40 anos, ambos compartilhavam o sonho da revolução e militavam juntos na Dissidência Universitária da Guanabara. Hoje, estão em lados opostos na política e discordam frontalmente ao relembrar o feito histórico: enquanto Franklin o enaltece, Gabeira diz que preferia não ter participado dele.

A discórdia nasceu em 1979, quando Gabeira lançou o livro "O que é isso, companheiro?". Para Franklin, o deputado usurpou seu papel de idealizador da ação e autor do manifesto que exigiu a libertação de 15 presos políticos em troca da vida do diplomata. O ministro também julga que o ex-colega desrespeitou a memória de dois participantes do rapto: Virgílio Gomes da Silva, o Jonas, e Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, ambos mortos nos porões do regime.

Gabeira diz que não teve intenção de menosprezar o papel do ministro e frisa que a autoria do manifesto está registrada na segunda edição do livro, lançada junto com o filme homônimo em 1996. Também aproveita para criticar quem, para ele, ainda não conseguiu formular uma visão crítica do período. Em entrevistas ao GLOBO, na última quarta-feira, os dois trocaram farpas ao relembrar os dias do sequestro. Gabeira falou mais abertamente no rompimento, que atribui ao ministro:

- Ele não fala comigo, ficou meu inimigo. Por muito tempo, atribuiu-se a mim o manifesto. Mas o autor é ele, como registrei na segunda edição do livro. Será que vou ter que passar o resto da vida repetindo isso?

Franklin tentou desconversar sobre a briga, mas aproveitou para alfinetar o deputado.

- Não tenho problema nenhum com o Gabeira. Outro dia o encontrei no aeroporto e fui cumprimentá-lo. Agora, não somos melhores amigos - afirmou, negando que a política tenha incentivado o afastamento. - As opções políticas que ele fez, talvez caminhando para a direita, são irrelevantes para mim.

O ministro disse considerar perda de tempo a discussão sobre quem fez o que na ação. Mas criticou Gabeira duramente ao comentar a forma como o filme, no qual o deputado atuou como consultor de roteiro, retrata os ex-colegas Jonas e Toledo.

- Ele não tinha o direito de fazer achincalhe da memória de pessoas que foram mortas em condições heróicas. Jonas e Toledo são heróis do povo brasileiro. Em qualquer lugar do mundo, seriam tratados assim. Aqui, são achincalhados - afirmou.

Gabeira também negou essa acusação, mas ironizou o tom da crítica, insinuando que o ministro se leva a sério demais:

- O Franklin acha que fui injusto por não ter levado a sério, como deveria, o esforço e o sacrifício dos militantes. Mas eu não levo a sério nem a mim mesmo. Talvez essa seja mais uma divergência entre nós dois.

Outra divergência aparece na avaliação histórica do episódio. Apesar de considerar que a luta armada foi um erro, por ter sido realizada por um pequeno grupo que não conseguiu a adesão dos trabalhadores, Franklin diz que o sequestro abalou a ditadura e atingiu seus objetivos, terminando sem baixas e com a libertação dos 15 presos. Gabeira diz que gostaria de não ter participado da ação, que classifica como violenta e compara ao sequestro da ex-senadora colombiana Ingrid Betancourt. Afirma que hoje se sente mais solidário com o sequestrado do que com os sequestradores.

Em 2010, os ex-companheiros estarão ainda mais distantes. Franklin, cada vez mais forte no governo, tem lugar reservado entre os principais estrategistas da candidatura de Dilma Rousseff ao Palácio do Planalto. Gabeira, que se elegeu pelo PT em 2002 e rompeu com o partido antes do escândalo do mensalão, deve disputar o governo do Rio em aliança com o tucano José Serra.

Depois de 40 anos, o passado parece só ter mantido uma herança em comum entre os dois: por terem sequestrado Charles Burke Elbrick, eles continuam proibidos de pisar em solo americano.

Aliado de Lula, Dornelles pede mais tempo para debate

Cristiane Agostine, de Brasília
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do PP, o senador Francisco Dornelles (RJ) contestou, de forma contundente, a maneira como o governo encaminhou a discussão do pré-sal e pediu mais tempo para o debate: "Não colocar tempo para a discussão não significa que os projetos não serão votados em um prazo curto. O que não pode é determinar o tempo para o debate".

O parlamentar argumentou que apesar de o governo federal discutir o projeto há quase dois anos, desde a descoberta dos poços na camada do pré-sal, o Congresso não teve acesso ao conteúdo dos projetos.

A líder do governo no Congresso, Ideli Salvatti (PT-SC), discordou: "Não dá para alegar desconhecimento. Houve debate durante esses dois anos, com audiências públicas no Congresso." "O que foi divulgado agora é o detalhamento das leis, mas a discussão é antiga", comentou. " Essa crítica sobre a urgência é coisa da oposição. Se não estivessem reclamando sobre isso, estariam criticando uma vírgula do segundo parágrafo", ironizou e líder do governo.

Outro ponto de divergência na base governista é o modelo de partilha. Na análise de Dornelles, a mudança "só se justifica por um viés ideológico". "O governo poderia estabelecer todas as regras à exploração do petróleo do pré-sal com o sistema de concessão. A partilha é para o Estado ter participação maior", disse. Dornelles, entretanto, elogiou o adiamento da discussão sobre a distribuição de royalties e participação especial. "Será que temos que discutir sobre a distribuição dos recursos de um petróleo que só vai jorrar em 2018? O melhor caminho, agora, é discutir como obter investimentos para a exploração", afirmou.

Senadores aliados já negociam a relatoria. "Já coloquei minha candidatura a relatora", disse ontem Ideli Salvatti, que reivindica o comando do debate sobre o marco regulatório, que trata do sistema de partilha.

Rio vê perdas em royalties no projeto de lei que capitaliza Petrobras

Ana Paula Grabois, do Rio
DEU NO VALOR ECONÔMICO

Os governadores dos Estados produtores de petróleo levaram mais um susto. O projeto de lei sobre a capitalização da Petrobras prevê o pagamento de royalties, segundo a Lei do Petróleo, mas nada fala sobre a Participação Especial. "Não estava sabendo, isso é ilegal, estamos surpresos", disse o secretário estadual de Desenvolvimento do Rio, Julio Bueno, um dos principais auxiliares do governador Sérgio Cabral (PMDB) sobre o pré-sal.

A capitalização da estatal consiste na cessão pela União de até 5 bilhões de barris de petróleo em áreas não concedidas do pré-sal. As perdas para Estados e municípios corresponderiam a um montante entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão ao ano, de acordo com projeções do secretário Julio Bueno. Considerando a arrecadação durante 30 anos de operação dos novos campos do pré-sal, a perda poderia chegar de R$ 30 bilhões a R$ 45 bilhões aos Estados e municípios produtores.

Já o secretário estadual de Fazenda, Joaquim Levy, tem outra avaliação sobre a capitalização da Petrobras. Ele não vê problemas relacionados aos efeitos na arrecadação de Estados e municípios. Cita o artigo 49 do projeto de lei apresentado na segunda-feira que dispõe sobre exploração e produção de petróleo sob o regime de partilha. Segundo Levy, o dinheiro que a União vai usar para capitalizar a Petrobras, correspondente aos 5 bilhões de barris, será descontado da parte que lhe caberia em royalties e participações especiais. Nesse sentido, Estados e municípios já seriam compensados.

Levy, contudo, critica o plano de capitalização da Petrobras porque se baseia em produção de campos ainda não descobertos e não licitados. "Foi criado um esqueleto de US$ 350 bilhões para a União", disse o secretário, considerando a cotação do barril em US$ 70.

A Participação Especial incide sobre a receita líquida de grandes áreas produtoras de petróleo e gás e a alíquota varia de 10% a 40% dependendo do volume de produção. Conforme a legislação atual, metade das Participações Especiais vai para a União. Outros 40% ficam com os Estados produtores ou confrontantes e 10% são destinados aos municípios produtores ou confrontantes.

O projeto de lei apresentado na segunda-feira pelo governo mantém as atuais regras para pagamento de royalties e Participações Especiais até que o Congresso aprove nova regulamentação para a partilha entre União, Estados e municípios dos dois direitos indenizatórios da exploração de petróleo.

Depois da festa, pré-sal abre guerra de partidos e estados

Cristiane Jungblut, Gerson Camarotti e Vivian Oswald
Brasília
DEU EM O GLOBO

Um dia após o lançamento das regras do pré-sal, governadores e partidos, aliados e da oposição, deflagraram uma guerra política. Em protesto contra o regime de urgência dos projetos enviados pelo Executivo, o DEM, PPS e o PSDB obstruíram votações em plenário. Na base governista, PT e PMDB se digladiaram pelas relatorias dos projetos. Novamente, o PMDB levou a melhor e indicou o relator que cuidará do regime de partilha e da divisão da renda do pré-sal. O governador Eduardo Campos (PE) disse que o atual modelo de distribuição, que beneficia RJ, ES e SP, é "da Idade da Pedra" e quer convocar colegas do Nordeste para fechar uma proposta. Sérgio Cabral prometeu mobilizar parlamentares do Rio. Em Vitória, o presidente Lula disse que o governo é uma mãe que precisa "aumentar o cobertor ou colocar todo mundo mais juntinho". Apesar de bancos recomendarem ações da Petrobras, os papéis caíram.

Pré-sal abre guerra no Congresso

Oposição obstrui votação para forçar retirada de pedido de urgência para projeto de lei

O dia seguinte do lançamento do marco regulatório da exploração da camada do présal foi marcado pela eclosão de uma guerra no Congresso Nacional, com batalhas travadas em público e nos bastidores. Ontem, a oposição resolveu abrir fogo aos quatro projetos de lei enviados pelo governo com as novas regras, com DEM, PSDB e PPS obstruindo votações no plenário e nas comissões da Câmara para pressionar pela retirada do pedido de urgência constitucional dos textos. Na base aliada, houve disputa entre PT e PMDB — com este último levando a relatoria do projeto mais importante, que institui o regime de partilha da produção e trata da divisão da renda do pré-sal.

A tramitação em regime de urgência também não agrada aos governadores do PMDB Sérgio Cabral (RJ) e Paulo Hartung (ES). À frente do terceiro estado produtor, São Paulo, coube ao tucano José Serra pedir que o PSDB endossasse a obstrução, encaminhada primeiramente pelo DEM.

Em discurso no plenário do Senado, o presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra, chamou de irresponsável a tentativa de aprovar os projetos em apenas 45 dias em cada Casa: — Um governo responsável, que olhasse para o país, e um presidente que tivesse a responsabilidade devida para o uso de seu mandato chamariam o país para opinar sobre essa matéria.

Em vez disso, um pequeno grupo se reúne por dois meses de portas fechadas.

As decisões são comunicadas na hora e de forma contraditória porque há divisão dentro do governo.

Deputado critica uso eleitoral da proposta

Guerra também criticou a tentativa de o governo fazer uso eleitoral do pré-sal.

— Lula inventa espantalhos e os espanca, antecipando a estratégia eleitoral de sua fraca candidata (a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff), que ele mesmo está enfiando pela goela de seu partido e de seus aliados.

O senador Alvaro Dias (PSDB-PR) chamou o regime de urgência de iniciativa “precipitada, desordenada e desorganizada”: — (O governo) armou o palanque e anunciou o milagre, passando a ideia de que o povo vai se beneficiar com tudo imediatamente. E agora quer empurrar (os projetos) goela abaixo como se o Congresso fosse um carimbador, um homologador.

Para o líder do PPS, Fernando Coruja (SC), há interesses eleitoreiros.

— A urgência constitucional é uma agressão ao Congresso. Onde está a urgência? Vai ter reflexo só em 2022. E o governo quer se apropriar da comercialização do petróleo com a criação da nova empresa. Como não tem PAC, não tem Minha Casa, Minha Vida, arranja outro plano para alavancar a (candidatura) da ministra Dilma Rousseff — complementou o líder do DEM, deputado Ronaldo Caiado (GO).

Por causa da obstrução, não houve votação na Câmara. O presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), pediu que os partidos desistissem da obstrução enquanto eles consultavam os líderes da base aliada sobre a possibilidade de não haver urgência.

Mas o pedido foi em vão. O líder do PT na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (SP), minimizou: — A obstrução é direito da minoria e não é a primeira vez que eles obstruem.

Mas a urgência está mantida.

O clima de enfrentamento dominou também as relações dentro da base aliada. Com medo da alteração dos artigos que tratam da origem e da distribuição da renda do petróleo (42, 45 e 49), o PMDB decidiu fincar o pé para relatar o projeto da partilha da produção. Depois de comunicar pessoalmente a Dilma de que o partido ficaria com essa relatoria, o líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), acertou sua indicação para o cargo de relator com Temer.

Aliados brigam por cargo de relator

Nos bastidores, houve embate entre PT e PMDB. Vaccarezza pediu para Alves ceder a vaga ao deputado Antonio Palocci (PT-SP). Mas a proposta foi rejeitada pelo peemedebista, após pressão de Cabral e Hartung para assumir a relatoria.

A Henrique Alves caberá fazer a sintonia fina entre os desejos dos governadores fluminense e capixaba, das demais unidades da federação e da União. Esta não quer que sua renda na produção seja drasticamente reduzida.

Cabral e Hartung querem garantir o máximo do privilégio atual, e os demais querem ampliar sua fatia na riqueza do petróleo.

— Antecipei para a ministra Dilma que a relatoria seria do PMDB. Imagino que ela vai ficar feliz. Não há motivos para que se tenha dúvida do nosso compromisso. Fiquei com a relatoria para evitar uma disputa entre parlamentares de estados produtores contra os demais. Sei que vou receber pressão de todos os lados — disse Henrique Alves.

Perdida a batalha, Vaccarezza contemporizou: — Para nós, o mais importante é que não haja desfiguração dos projetos.

A urgência constitucional é importante porque impede adendos de outros projetos às propostas e estabelece prioridades.

O PT ficará com a relatoria de dois projetos. A Arlindo Chinaglia (SP) caberá o comando do projeto que institui o Fundo Social, e Palocci — que ainda não aceitou — ficaria com o texto da criação da Petro-Sal. O PMDB deverá ceder a quarta relatoria, do projeto de cessão de barris de petróleo à Petrobras e sua capitalização, para outro partido da base, provavelmente PP ou PR. Não está descartada a inversão desta distribuição, com Palocci assumindo a capitalização e o quarto nome da base, a Petro-Sal.

Atendendo a pedido do governo e da base aliada, a Câmara vai criar quatro comissões para discutir os projetos.

A estratégia é concentrar as relatorias para votar em tempo recorde e impedir alterações substantivas nos textos.