sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Lula comanda

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O presidente Lula está preparando uma armadilha para a oposição, que tem tudo para dar certo, ao anunciar que enviará ao Congresso ainda este ano uma espécie de "consolidação das leis sociais", para institucionalizar os avanços alcançados nos programas como o Bolsa Família e a política de aumentos reais para o salário mínimo. Na entrevista que deu ao jornal "Valor", o presidente ainda se deu ao direito de deixar no ar uma ironia ameaçadora: disse que não pedirá urgência na discussão dessa legislação pois "é ótimo que dê debate no ano eleitoral".

A oposição pode ficar na difícil situação de tornar permanente a decisão de dar aumentos reais ao salário mínimo sem que sua relação com o déficit da Previdência seja alterada. Ou de transformar o Bolsa Família num programa eterno, sem que as condicionalidades sejam observadas com o devido rigor.

Quem quiser colocar limites a esses gastos, ou promover programas de inclusão social para reduzir os beneficiados pelos programas assistencialistas, será tachado de antipovo, com as consequências eleitorais previsíveis.

Ao responder a uma pergunta sobre a sustentabilidade dos gastos do governo, que vêm aumentando mais do que o crescimento do PIB, o presidente Lula faz uma pergunta cuja resposta todo mundo sabe: "Você acha que o Estado brasileiro paga bem?" (aos funcionários públicos).

Ou então faz um raciocínio que é correto no conceito, mas fora da realidade: "A gente não deveria ficar preocupado em saber quanto o Estado gasta. Deveria ficar preocupado em saber se o Estado está cumprindo com suas obrigações de bem tratar a população".

São respostas que têm um claro apelo eleitoral, mas que estão longe de corresponder à preocupação com o equilíbrio das contas públicas e o controle da inflação, que o presidente Lula também defende como conquistas da sociedade brasileira nos últimos anos que não podem ser revogadas.

O fato é que até o momento o presidente tem razão em sentir-se imune às críticas que apontam uma verdadeira bomba-relógio de longo prazo nos gastos do governo, pois a inflação está sob controle e a economia dá sinais de que está retomando o crescimento, depois de um semestre de recessão.

Os governistas comemoram os números, que indicam que o país será menos afetado do que a maioria dos demais, inclusive Europa e Estados Unidos, pela crise econômica internacional.

Numa mudança de posição muito própria de quem está permanentemente fazendo política, alegam que a comparação com o mundo nos mostra em vantagem, pois se podemos ter um PIB apenas levemente negativo, ou até mesmo um pequeno crescimento da economia ainda este ano, a maioria dos países do chamado Primeiro Mundo terá um crescimento econômico fortemente negativo.

Anteriormente, quando o Brasil crescia abaixo da média mundial, o governo alegava que não se devia comparar o país com outros, mas com sua própria performance em anos anteriores.

A possibilidade de que a crise brasileira não seja tão forte está sendo reconhecida internacionalmente, e uma recente reportagem do jornal "Le Monde", por exemplo, diz que "ao prever com ironia um ano atrás que "o tsunami" da crise provocaria em seu país uma simples "marola", o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, acertou: a recessão só duraria um semestre".

Esse reconhecimento está sendo comemorado como se os críticos do governo devessem pedir desculpas pelo que teria sido um erro de avaliação, quando na verdade a performance da economia brasileira será, sob qualquer ângulo, muito ruim.

E, se comparada com a performance dos BRICs ( Brasil, Russia, Índia e China), continuaremos na rabeira, talvez superando apenas a Rússia, e sendo superados largamente por China e Índia.

O jornal francês dá crédito ao comentário do presidente Lula de que a crise foi superada "graças aos mais pobres". Na entrevista ao "Valor", Lula foi mais longe, ao acrescentar o papel do governo como fundamental na superação da crise, no que está absolutamente correto.

O que está errado é o papel permanente do Estado forte que o presidente Lula vê como imprescindível para o crescimento do país.

Na entrevista, ele dá diversos exemplos de como vê o papel do Estado: diz textualmente que, se dependesse da Petrobras, não haveria uma refinaria em Pernambuco porque a demanda já está atendida.

Mas houve uma decisão política, para provocar o desenvolvimento do Estado, mesmo sem justificativa econômica, e cumprir um acordo com a PDVSA de Chávez, e Lula diz que esse é o papel do governante.

Mas não é apenas em uma empresa como a Petrobras, em que o governo tem o controle, que Lula vê necessidade de intervir. Ele dá o exemplo da Vale, uma empresa privada, que ele vem pressionando publicamente, criticando a decisão de reduzir os investimentos devido à crise internacional, e também para que compre navios feitos no Brasil, em vez da China.

Esse papel ativista do governo será um dos temas mais importantes da futura campanha eleitoral, e a oposição já está tendo dificuldades de lidar com o tema. Recentemente Lula disse que prefere ser chamado de "estatizante" do que de "entreguista" no debate sobre o petróleo do pré-sal.

E a oposição ficou paralisada, aceitando a mudança do sistema de concessão para o de partilha na exploração das jazidas do pré-sal ainda não licitadas.

O presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra, anunciou que era "estatizante". O provável candidato tucano à sucessão de Lula, o governador José Serra, acatou o novo modelo apresentado pelo governo e somente ontem o PSDB apresentou uma proposta no Congresso em que mistura os dois sistemas.

Lula está no comando das ações até o momento.

Honra ao mérito

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Confirmada a indicação do advogado-geral da União, José Antônio Toffoli, para o Supremo Tribunal Federal, o pior que a oposição pode fazer é transformar a decisão do presidente Luiz Inácio da Silva em objeto de disputa político-eleitoral.

Bem como o pior que os aliados de Lula podem fazer é torná-lo uma vítima do "preconceito" partidário dos políticos adversários.

A escolha é prerrogativa do presidente da República, que pode fazê-la mediante os critérios que lhe parecerem mais corretos. Mas é função do Senado aprovar a indicação mediante sabatina na qual se busca cotejar a capacidade do escolhido com o posto pretendido.

Em tese, há um teste. Na prática, porém, o que quase sempre há é um ato meramente formal em que os parlamentares aproveitam para manifestar sua reverência ao indicado. Cobrindo-o de elogios. Nem sempre adequados, é verdade.

Algumas vezes o espetáculo é patético. Como quando da indicação da primeira mulher a ocupar uma vaga no Supremo: no lugar de questionar-lhe os conhecimentos, os senadores em sua maioria preferiram elogiar-lhe a beleza, numa (até involuntária, mas machista) celebração da forma em detrimento do conteúdo. Consistente, comprovou-se depois.

O hoje presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, a despeito do reconhecido preparo, sofreu uma pesada campanha contrária por parte do PT, então na oposição, baseada num único argumento: o fato de Fernando Henrique Cardoso ter indicado o advogado-geral da União de seu governo.

A escolha de José Antônio Toffoli enfrenta essa e outras contestações: é garoto para o posto (41 anos), não dispõe de currículo à altura - foi reprovado duas vezes para concursos de juiz estadual, não fez mestrado nem doutorado -, tem ligações mais que estreitas com o PT, para o qual funcionou como advogado em três eleições presidenciais.

Muito bem. Mas, confirmada a indicação, não é de nada disso, e sim do mérito e da consciência profissional do indicado que o Senado terá de tratar. Com rigor, mas com imparcial honestidade.

Condenar Toffoli a um mau juízo por sua proximidade com o PT é tão equivocado quanto aprová-lo pelo mesmo motivo e ainda com a justificativa de que se Fernando Henrique indicou o advogado-geral da União à sua época, Lula também pode indicar.

Lamentavelmente, os primeiros acordes dessa sinfonia indicam que a discussão caminha exatamente para esse campo em que se travam outras disputas, subtraindo-se sempre a importância do mérito da questão.

Se há uma acusação, procura-se outra equivalente para neutralizar a ação do adversário. Se há uma atitude nesse ou naquele sentido, a comparação entre os dois governos é inevitável.

Um ministro do Supremo, francamente, não poderia ser analisado sob essa ótica. Ou melhor, não deveria. Na atual conjuntura, não só pode como provavelmente acontecerá assim.

Uns armados para defendê-lo dos "ataques" da oposição - prejudicando as tentativas de questionamento rigoroso como conviria à ocasião - e outros preparados para a desqualificação baseada em razões que poderão se revelar menores se o Senado criar a oportunidade e o sabatinado se mostrar, ou não, à altura de integrar o Supremo Tribunal Federal.

Ou ainda pior: todos apenas reverentes. Parte por submissão, parte por falsa isenção.

Abstenção

Três dias antes de confirmada a indicação de José Antônio Toffoli, a aposta no STF em relação ao julgamento do italiano Cesare Battisti era a de que o novo ministro, mesmo se assumir a tempo, tomaria a iniciativa de não votar.

Para evitar constrangimento na estreia.

Ingratidão

Ao contrário do que imagina o presidente Luiz Inácio da Silva, a ausência de candidaturas "de direita" na eleição presidencial de 2010 não encerra em si uma qualidade democrática.

Apenas quer dizer que uma parcela da população não terá seu pensamento representado na disputa de poder, o que seria perfeitamente normal em qualquer parte e mais ainda em país do tamanho e com a diversidade do Brasil.

É verdade que o presidente não explica o que entende por "trogloditas de direita" que, segundo ele, baixavam o nível de outras campanhas.

Por partes, começando pela última eleição, a municipal. O episódio de nível mais baixo foi patrocinado pelo PT na campanha de Marta Suplicy em São Paulo, na forma de provocações de caráter homofóbico ao adversário, Gilberto Kassab.

Atitude não necessariamente de "direita", mas típica de "trogloditas".

Quanto aos candidatos em eleições anteriores que poderiam ser enquadrados no grupo de, pelo critério de Lula, párias políticos, todos são - ou foram em algum momento - seus aliados nesses anos de governo.

Fato natural que só envereda pelo terreno da incongruência pela vocação do presidente à vanglória à deriva.

Fichas na mesa

Eliane Cantanhêde
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - O jogo, os bingos, os caça-níqueis, como qualquer criancinha sabe, são hábitos diretamente ligados ao que há de pior e resvalam na criminalidade: lavagem de dinheiro, desvios de toda ordem, indução ao vício, corrosão dos bolsos de gente humilde.

Pode-se até contrapor argumentos positivos a esses tão negativos: há quem diga que bingos estimulam o turismo, geram emprego e podem ser instrumentos de desenvolvimento de determinadas regiões vocacionadas para receber gente e oferecer prazer.

Ok. Colocados os dois lados, o que incomoda no projeto aprovado ontem na Câmara é que, como bem apontou o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), ele parece feito sob encomenda para um só interesse: o dos donos.

Os instrumentos de segurança contra a lavagem de dinheiro parecem frágeis, só para constar. A proximidade das escolas, de apenas 500 metros, é arriscada. O popular caça-níquel, principal responsável pela incidência do vício, pode ocupar 50% das vagas.

E a chamada contrapartida social? Bem, diz o projeto que uma parte do bolo arrecadado vai para saúde e educação, mas, soma daqui, diminui dali, Cardozo chegou à conclusão de que é um pedacinho de nada, algo em torno de 5%. Porque, por exemplo, exclui a arrecadação com bebida, comida e shows, que têm uma participação importante no total da bolada.

Até em linhas meio perdidas aparecem "cacos" pró-donos. Quer ver? 80% da receita das máquinas irá para os ganhadores, que deverão descontar o IR do prêmio. Resultado: na prática, o dono paga 61% e fica com 40% limpinhos para ele.

Os legisladores devem legislar para o bem comum, para a maioria, mas o projeto aprovado ontem na comissão, ao contrário, parece ter um outro endereço, ou um outro interesse, bastante diverso. Olho nele! Ou melhor: olho neles!

Sem cartas ao povo brasileiro

Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


Não cabem numa letra as mudanças no presidente que um dia quis desmontar na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) e hoje quer emplacar a CLS (Consolidação das Leis Sociais).

Luiz Inácio Lula da Silva iniciava seu mandato quando chegou a sugerir a abolição da multa de 40% sobre o Fundo de Garantia sobre o Tempo de Serviço (FGTS) e o parcelamento do 13º salário como medidas para incentivar a geração de emprego. Era o mesmo presidente que se fazia veemente na defesa de altos superávits como saída para o país buscar credibilidade. E dava asas às tentativas de aproximação com o PSDB.

Lula ainda não tinha falado da CLS, durante entrevista publicada ontem no Valor, quando um assessor atravessou a sala do Centro Cultural Banco do Brasil onde a Presidência está instalada durante a reforma do Palácio do Planalto. Observado pelos outros sete que assistem à entrevista, entrega um papelzinho amarelo ao presidente, sentado na ponta de imensa mesa oval, tendo ao fundo um mapa-mundi presenteado pela Embrapa. Lia-se em caneta vermelha: "242 mil empregos/agosto".

O recado resumia o presidente que se viu naquela quarta-feira. A economia turbinada lhe permitiria a defesa despudorada da dos gastos estatais - "A gente não deveria ficar preocupado em saber quanto o Estado gasta, mas se o Estado está cumprindo suas funções de tratar bem a população".

O funcionalismo público que Lula I enfrentou no seu primeiro governo com a reforma da Previdência, não receberia uma única ressalva de Lula II, que fez a mais radical política de valorização salarial dos últimos tempos.

Ao defender o papel da trinca Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e BNDES na crise, foi perguntado se não teme que essas instituições, excessivamente fortes, não terminem como os bancos estaduais que, na década de 1990, acabaram sendo socorridos pelo Tesouro.

É aparteado pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins - "Não foram só os bancos públicos que quebraram. Os privados também" - antes de responder que o problema não foi o instrumento banco público, mas a irresponsabilidade política dos governantes. Usa, nesse momento, uma das raras metáforas populares da entrevista: a da criança jogada fora com a água suja do balde.

Não passou, em nenhum dos 82 minutos da entrevista, a impressão de que sua candidata à sucessão ficará acuada pelo discurso da eficiência gerencial da oposição. O Estado é ele: "Quem sustentou essa crise foi o governo e o povo pobre".

Nesse momento, baixa o Lula pragmático, o mesmo que, no sindicalismo nos anos 1970, tantas brigas arrumou com os comunistas - "Não sou nada por princípio. Entre meu princípio e o bom serviço prestado à população, fico com a população".

Não assumiu ali o discurso oposição-privatista, recusando-se a aceitar que este venha a ser o mote da campanha - "Vamos deixar a candidata construir". Aquele papelzinho amarelo parecia resumir as impressões presidenciais: não é a situação que vai precisar entrar batendo.

Mas Lula não se segura por muito tempo. Questionado sobre a falta de carisma da ministra Dilma Rousseff, prefere considerar a qualidade, ou a falta dela, no ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e no governador José Serra. Sem responder como pretende carregar o palanque da tecnocracia, apela, pela segunda vez , a Jânio Quadros - "Tinha muito carisma, mas não durou seis meses".

Um assessor tira o cinzeiro onde repousa a góia da cigarrilha que Lula acendeu do meio para o fim da entrevista. O presidente pega o cinzeiro de volta. Vai ter risco Serra? Lula ri. Diz que nunca antes ouvira a expressão.

Novamente compenetrado, diz que foi vítima desse discurso em todas as campanhas de que participou, mas prefere se deter na de 1994, quando a lei eleitoral proibiu cenas externas, a falar da de 1992 quando a campanha do candidato José Serra usou o jingle "O que eu conquistei/Não vou jogar pra cima/Com todo respeito/Eu não vou ser outra Argentina".

É tão generoso que até Heloísa Helena entra no rol de candidatos contra os quais ele espera que o discurso do risco nunca mais seja usado. Nunca mais na história desse país uma campanha presidencial vai precisar lançar mão de uma carta ao povo brasileiro.

Os folhetos distribuídos aos jornalistas pelo secretário de imprensa, Nelson Breve, traziam os números mais recentes da redução de pobreza e desigualdade no governo. A um ano e quatro meses de deixar o governo, e doze meses depois do início da crise que abalou o mundo, Lula está nos cascos. O cansaço revelado ao início da conversa dá lugar a uma fala sem pausa para respirar. Dois dias antes, Lula saíra de Brasília às 7 da manhã e voltaria 26 horas depois de visitar Roraima e enfrentar um dos raros protestos deste segundo mandato.

Deixa de targiversar. As tentativas de aproximação entre o PT e o PSDB não deram certo porque os dois partidos são adversários. E mais o presidente não diz. Ao longo de seu governo, Waldomiro Diniz, Maurício Marinho e Lina Vieira saíram do anonimato para dar luz à briga intestina entre os dois partidos. É uma disputa, diz Lula, que exclui a direita. Pelo menos da cabeça de chapa.

É aí que entra a "Consolidação das Leis Sociais" como uma tentativa de se transformar o nunca-na-história-desse-país em lei. A contar pelos 18 meses que um dos projetos a ser consolidado, o da política de reajuste do salário mínimo, tramita no Congresso, não há evidências de que venha a ser aprovada até o final desse governo.

A consolidação em lei dos projetos sociais em curso tira de Lula a condição de seu fiador que alimentou, durante muito tempo, a tese do terceiro mandato. A aprovação de uma lei dessas, por outro lado, confere uma marca a seu governo que a oposição não terá, naturalmente, interesse em referendar. Esse debate, como espera o presidente, pode invadir a campanha eleitoral. Depois da argentinização de 2002 e dos aloprados de 2006, não deixa de ser uma boa notícia.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

Um mergulho no futuro

Fernando Gabeira
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


RIO DE JANEIRO - O grande tema do pré-sal tem sido o modelo exploratório. Partilha ou concessão? Quando alguém levanta outro problema é, imediatamente, suspeito. O meio ambiente é considerado pretexto, pois no fundo, o que se quer discutir é o dilema partilha ou concessão.

A luta ambiental no Brasil e no mundo tem uma história. Em 2003 apresentei o projeto de avaliação ambiental estratégica. É um tema caro ao Banco Mundial e já foi objeto de uma convenção em Kiev. Este instrumento é adequado para o pré-sal. A avaliação estratégica não se confunde com licença ambiental. Trabalha com mais variáveis, é feita com antecedência, dá mais segurança a investidores. E prossegue no tempo, acompanhando a exploração.

Embora autoridades ambientais aceitem esta tese, o projeto ainda não foi considerado no Brasil. Ele poderia contribuir para essas crises sobre licenciamento. A Inglaterra já foi tão longe que até produziu um manual sobre os passos da avaliação estratégica. Há muita coisa acumulada. A sigla em inglês é SEA, daí muitas traduções no Google confundirem com mar.

São automáticas. O essencial é compreender que é um processo adotado no mundo. Se vamos explorar petróleo nessas condições abissais, seria bom para o produto, para quem investe e bom para a vida no mar.

É indiscutível o direito brasileiro de explorar sua camada de pré-sal. O direito sobre 800 km de extensão por 200 de largura não significa que o oceano deixe de ser um bem planetário.

As pessoas que acham que a preocupação ambiental é algo contra o governo estão equivocadas. É apenas uma forma de ver o futuro um pouco mais adiante que o texto oficial.

Quem se dispõe a produzir petróleo daqui a 20 anos não pode imaginar que a situação lá será a mesma de hoje. Poder, pode. Mas vai se dar mal.

Hino ao racismo

Nelson Motta
DEU EM O GLOBO


A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei do deputado Vicentinho (PT-SP) oficializando o "Hino à negritude", do professor Eduardo de Oliveira. O projeto original previa sua execução obrigatória em todas as solenidades dirigidas à raça negra, mas a exigência caiu na Comissão de Educação: o que os alunos não negros fariam em tais solenidades?

Grandes compositores como Geraldo Pereira, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Cartola, Assis Valente, Silas de Oliveira, Baden Powell, Nei Lopes, Gilberto Gil, Jorge Benjor, e até não negros como Vinicius de Morais, Chico Buarque e Caetano Veloso, já homenagearam magistralmente os afro-brasileiros e sua contribuição à nossa cultura, na língua viva do samba e de suas vertentes. Era grande a expectativa por um hino oficial à negritude. Mas quase não acreditei no que ouvi.

É uma marcha escolar-militar, banal e tradicional. Sem fazer juízo de valor, nada nela lembra nem remotamente as novas linguagens que a música negra deu ao mundo, com o samba, o jazz, o rock, o soul, o rap?

Apesar da vasta produção de nossos compositores, o deputado Vicentinho argumenta que "não temos ainda símbolos que enalteçam e registrem este sentimento de fraternidade entre as diversas etnias que compõem a base da população brasileira". Fraternidade? O hino ignora as nossas outras etnias. Como o próprio nome diz, só exalta as qualidades do homem "belo e forte na tez cor de ébano/só lutando se sente feliz/brasileiro de escol/luta de sol a sol/para o bem de nosso país". Pardos, índios e imigrantes foram excluídos.

Ao lado de tudo que nossos grandes compositores já cantaram, com tanto talento e originalidade, exaltando os negros brasileiros, o "Hino à negritude" se parece mais com os velhos hinos "brancos" e ufanistas. E o que seria homenagem soa como uma paródia do estilo do opressor:

"Ergue a tocha no alto da glória/ quem, herói, nos combates, se fez/pois que as páginas da História/são galardões aos negros de altivez."

Os negros não precisam de cotas na música brasileira. Nem o Brasil, de racismo. Que tal tentar um "Hino ao pobre"?

Nelson Motta é jornalista.

Apoio do PSDB a Zito surpreende Gabeira

Ana Paula Grabois, do Rio
DEU NO VALOR ECONÔMICO

A aproximação do deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) com os tucanos sofreu um retrocesso nesta semana. O deputado pretendia candidatar-se ao governo do Estado do Rio em coligação com PSDB , DEM e PPS. Foi, no entanto, surpreendido pela defesa feita pelo PSDB do Rio para lançar a candidatura de José Camilo Zito, prefeito tucano de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.

Hoje, o presidente de honra do PSDB do Rio, o ex-governador Marcello Alencar, promove reunião do seu partido com representantes do PPS, DEM e PV, incluindo Gabeira, para tratar do assunto. O deputado do PV entende a posição tucana, mas avalia até desistir de concorrer ao governo do Estado. "Não sei se serei candidato com essa possibilidade da candidatura própria do PSDB", disse Gabeira, que pode tentar uma das duas vagas ao Senado. O deputado tinha alinhavado apoio do PSDB junto ao governador de São Paulo, José Serra, possível candidato a presidente da legenda, e ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

A mudança dos tucanos no Rio foi motivada pela eventual candidatura à Presidência da senadora Marina Silva, que trocou o PT pelo PV. A solução anunciada por Gabeira para acomodar as candidaturas presidenciais do PSDB e de Marina era ele ter os dois palanques no Estado.

O deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) vê dificuldades no arranjo proposto. "É possível uma candidatura trabalhar com dois palanques presidenciais; mas, na prática, é difícil", afirmou. O deputado vê o prefeito de Duque de Caxias como um nome eleitoralmente muito forte. "É uma liderança marcante, é o único no partido com densidade política e eleitoral", disse. A decisão ainda depende da aceitação da direção nacional do PSDB.

O presidente nacional do PSDB, Sérgio Guerra, evitou emitir opinião sobre a possível candidatura de Zito e disse que vai encontrar-se com o PSDB do Rio após a reunião de hoje. "Conversei há cerca de dez dias com o Zito, que me disse que talvez sairia como candidato. A eleição no Rio é importante para o PSDB pois é um grande colégio eleitoral", disse Guerra.

Dono de eleitorado popular, Zito está no terceiro mandato como prefeito e foi campeão de votos na eleição para deputado estadual em 2006. Foi Zito quem disse ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que ele precisava de "cheiro do povo" durante campanha eleitoral. Zito tem um passado polêmico e já foi acusado pela Justiça de envolvimento com grupos de extermínio da Baixada, mas foi inocentado.

O prefeito de Duque de Caxias se diz animado com a proposta tucana e reclama da carência de "novos líderes" no Estado do Rio. "As lideranças populares desapareceram", disse Zito, que teria que renunciar ao cargo de prefeito para sair candidato. Zito vê ainda vantagens na sua candidatura e na de Gabeira, uma vez que o deputado do PV teria boa votação na capital, especialmente na classe média, enquanto Zito poderia ganhar o voto do eleitorado popular da Baixada e do subúrbio carioca.

Na disputa estadual, o atual governador Sérgio Cabral (PMDB) tentará a reeleição. Lindberg Farias (PT), prefeito de Nova Iguaçu, também pretende candidatar-se, contrariando os interesses de Cabral, aliado do presidente Lula. Já o ex-governador Anthony Garotinho, que migrou do PMDB para o PR recentemente, anunciou que deve sair como candidato.

Câmara rejeita moralização eleitoral

Isabel Braga e Maria Lima
DEU EM O GLOBO

A Câmara encerrou a votação da reforma eleitoral com recuos no que se refere à moralização. Derrubou pontos que poderiam impedir candidaturas dos chamados "fichas-sujas” e reprimir o uso da máquina pública - como a participação de candidatos em obras nos quatro meses antes da eleição. Também caiu a proibição de criar ou ampliar programas sociais em ano eleitoral.

Moralização, talvez na próxima

Câmara exclui de reforma medidas que impediriam uso da máquina pública nas eleições

Se avançou no fim da censura ao uso da internet durante a campanha eleitoral, a reforma concluída anteontem à noite pela Câmara deixou de lado medidas que poderiam reprimir o uso da máquina pública e restringir a participação de candidatos que respondem a processos, os fichas-sujas. O texto que será enviado à sanção presidencial na próxima semana deixa sem controle ainda as doações feitas diretamente aos partidos, ocultando a relação direta entre candidatos e doadores.

A Câmara derrubou regras votadas pelo Senado que tentavam coibir o uso da máquina, como a proibição da participação de candidatos em inaugurações de obras, nos quatro meses que antecedem a eleição. Pelo texto final, os candidatos não poderão participar de inaugurações três meses antes do pleito. Caiu também na Câmara a proibição de criar ou ampliar programas sociais em ano eleitoral. A única restrição mantida é a de que, em ano eleitoral, programas sociais não podem ser executados por entidade nominalmente vinculada a candidato ou mantida por ele.

O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), criticou a rejeição de emendas feitas pelos senadores, como a que exigia que políticos comprovassem reputação ilibada e idoneidade moral ao registrar a candidatura:

- O PSDB acha que a Câmara tratou de modo ligeiro a questão da lei eleitoral, sem considerar o interesse da sociedade. Acho que a gente teria um bom debate a realizar (sobre os fichas-sujas), fazer algo para evitar que gente inabilitada moral e eticamente seja candidato. O Congresso tem que estar preparado para esse debate, a sociedade está. Não podemos fazer isso apenas nos momentos de crise.

O corregedor-geral da Câmara, Antonio Carlos Magalhães Neto (DEM-BA), rebateu:

- Tínhamos dois caminhos: transformar a discussão numa feira livre, e a Câmara aprovar uma colcha de retalhos, ou aprovar uma coisa enxuta, mas com avanços. Sou a favor de que a discussão (dos ficha-sujas) seja pautada. É preciso criar um filtro, mas não pode ser algo de acordo com a cabeça de um juiz eleitoral. Tem que ser algo concreto, não só o fato de alguém responder a processo na Justiça.

Decisão é criticada por senadores

Ao comentar a votação, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), ressaltou aspectos positivos e reconheceu falhas:

- Até hoje, o Congresso não conseguiu se acertar em relação a isso. Ainda acho que o atual sistema não é o ideal. Para que isso (impedir a participação de fichas-sujas na eleição) fosse possível, seriam necessários critérios objetivos para aferir a conduta de um candidato. Mas o Congresso cumpriu seu papel. Foi um avanço extraordinário, acolhemos a liberdade na internet, uma decisão extremamente democrática.

A decisão da Câmara de desconsiderar a maioria das 67 emendas do Senado irritou senadores. No Twitter, o líder do PT, Aloizio Mercadante (SP), condenou a exclusão de emendas que, segundo ele, impediriam o uso da máquina nas eleições. Outros senadores também se manifestaram.

- Foi uma decisão lamentável a Câmara jogar fora os avanços que conseguimos no Senado. O texto que aprovamos tinha algumas coisas excelentes, como a barreira para os fichas-sujas, a proibição do uso eleitoreiro de programas sociais na véspera da eleição e outros - afirmou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

A reforma torna mais explícita a possibilidade de, em ano eleitoral, os partidos poderem repassar aos candidatos recursos recebidos de pessoas físicas ou jurídicas. Isso evita que determinado candidato seja identificado por receber dinheiro de empreiteira ou banco, por exemplo. E permite que o partido assuma as dívidas de campanha de candidatos majoritários.

Estes pontos, segundo estudo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), abrem brechas à lei e vão dificultar a fiscalização dos gastos das campanhas. De acordo com o estudo, os partidos poderão receber nos anos em que não há eleição doações que são vedadas aos candidatos, e só repassá-las no ano eleitoral.

Redes de ONGs e intelectuais brasileiros vão insistir na realização de uma reforma política profunda. As entidades elaboraram uma plataforma de propostas, protocoladas em 2008 no Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e no Congresso, mas nada foi aprovado. Segundo avaliaram, as mudanças significam um "acordão" que deixou "as raposas tomando conta do galinheiro".

- As mudanças aprovadas são pífias e em seu próprio favor, já que 50% do Legislativo têm ficha suja. E só ao Legislativo interessam as doações ocultas. Mas não desistiremos de fazer mudanças reais - afirmou o cientista político Rudá Ricci, da executiva do Fórum Brasileiro do Orçamento, que integra a Inter-Redes com entidades como CNBB, Abong (Associação Brasileira das ONGs) e OAB.

Colaboraram: Soraya Agegge e Adauri Antunes Barbosa

Até aliados resistem a taxar poupança

Cristiane Jungblut e Patrícia Duarte
DEU EM O GLOBO

A decisão do governo de tributar as cadernetas em 22,5% já encontra forte resistência no Congresso. Até a base aliada quer evitar o assunto. A alegação é que a proposta do Orçamento já veio sem a previsão desses recursos para o caixa.

Congresso resiste à mudança na caderneta

Até aliados do governo avaliam que tema deveria ser debatido em 2010

BRASÍLIA. A iniciativa do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de ressuscitar a proposta de taxação da poupança enfrenta resistências no Congresso, inclusive dentro da própria base aliada do governo. Ontem, até mesmo o vice-líder do governo no Congresso, deputado Gilmar Machado (PT-MG), ponderou que o assunto deveria ser deixado para o ano que vem e argumentou que a proposta orçamentária para 2010, já enviada ao Legislativo, não prevê esse tipo de taxação. O PMDB também tem dúvidas se esse é o melhor momento para discutir a taxação de poupança e quer ouvir os argumentos da área econômica.

O DEM e o PSDB já anunciaram que são contra por temer que, no futuro, o governo resolva taxar poupanças abaixo de R$50 mil. Na verdade, parlamentares - inclusive aliados - reclamam que foram surpreendidos com a retomada do assunto.

Gilmar Machado tocou no tema da caderneta no fim da audiência pública realizada na Câmara com o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

- Ponderei com ele (Meirelles) se era fundamental essa mudança nesse momento. Acho que podemos esperar mais para avaliar o desempenho da taxa de juros para mexer na poupança. Talvez fosse melhor deixar para o ano que vem - disse o deputado, deixando claro que essa era sua opinião pessoal.

A avaliação no Congresso é que se trata de ano pré-eleitoral e que a discussão poderia inviabilizar votações necessárias ao governo, como de MPs e do Orçamento para 2010.

O líder do PMDB na Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), quer marcar encontro de Mantega com a bancada do PMDB na próxima semana para debater o tema. E o deputado Raul Jungmann (PPS-PE) criticou a decisão do governo de mexer na poupança:

- Vamos lutar contra isso.

Meirelles reconheceu que o assunto é delicado e que, por isso, não há apenas ganhadores ou perdedores. E afirmou que a última palavra será a dos parlamentares.

Após 31 anos, matéria-prima volta a liderar exportações

Raquel Landim
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A pauta de exportações brasileiras sofreu mudança significativa por causa da crise global, informa a repórter Raquel Landim. Pela primeira vez desde 1978, a venda de commodities superou a de manufaturados. Entre janeiro e agosto, as matérias-primas responderam por 42,8% das exportações; já a participação de produtos industrializados foi de 42,5%. A venda de alimentos e minérios, vocação brasileira, garante superávit de US$ 28 bilhões para a balança comercial no acumulado de 12 meses até agosto. A demanda chinesa por matérias-primas explica em parte esse desempenho. O cenário para manufaturados é ruim: a demanda mundial está fraca, os preços caíram e a alta do real afeta a competitividade brasileira. O governo estuda medidas de apoio a exportadores.

Crise muda perfil das exportações

Venda de commodities supera a de manufaturados e governo já estuda medidas de apoio aos exportadores

A crise global provocou uma mudança significativa na pauta de exportação do Brasil. Pela primeira vez desde 1978, as vendas externas de commodities superaram as de manufaturados. De janeiro a agosto, os produtos básicos responderam por 42,8% das exportações, acima dos 42,5% dos manufaturados, conforme a Secretaria de Comércio Exterior. O assunto está preocupando o governo.

O cenário é bastante desfavorável para as exportações de manufaturados. A demanda mundial está fraca. Os preços sofreram forte recuo. E a desvalorização do dólar (R$ 1,80), debilita a competitividade das empresas brasileiras no exterior.

O presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil, Benedicto Fonseca Moreira, e o presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, Humberto Barbatto, alertam que não se deve contar que as commodities serão suficientes para cobrir um déficit comercial dos manufaturados. "Um quilo de notebook dá quatro toneladas de carnes em valor", comparou Barbatto.

O governo estuda medidas de apoio aos exportadores.

O presidente do BNDES, Luciano Coutinho, disse ontem que quer aumentar o volume de recursos para a linha de financiamento de pré-embarque de bens de capital. A linha já ultrapassou R$ 6 bilhões, mas há mais R$ 1 bilhão de pedidos em carteira.

O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, também afirmou que o governo avalia "com seriedade" a competitividade do setor exportador. Ele destacou que o real segue a variação dos produtos básicos, e ressaltou que o Brasil será um grande exportador de petróleo por conta do pré-sal.

Colaboraram Adriana Chiarini e Alberto Komatsu

A volta da inflação em 2010

Luiz Carlos Mendonça de Barros
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Não teremos, como antes, saltos discretos da inflação, mas sim um movimento suave e continuado

O TEMA da coluna de hoje certamente vai reforçar a visão negativa que muitos têm sobre os economistas. Mesmo correndo esse risco, não posso deixar de alertar o leitor da Folha para uma armadilha que pode ocorrer ainda na primeira metade de 2010: a aceleração da inflação como ameaça ao céu de brigadeiro na economia.

Parece coisa de neurótico falar dos riscos da inflação em um mundo que vive uma difícil convalescença recessiva. Na maioria das economias -sejam elas do Primeiro Mundo ou do mundo emergente- temos ainda uma recuperação muito tímida da atividade econômica. Nos casos norte-americano e inglês, os riscos de uma volta a um quadro recessivo -"double dip"- são ainda reais.

Por isso, a maioria dos bancos centrais reafirmou nas últimas semanas que suas políticas de acomodação monetária vão continuar por um tempo ainda longo. Em resposta, os mercados de juros têm operado nos níveis mais baixos dos últimos meses.

Mas o Brasil é uma exceção à regra. Os últimos dados de emprego divulgados são a prova mais recente de uma economia com grande exuberância. Eu e meus colegas da Quest -certamente um dos grupos do mercado financeiro mais otimistas com o futuro- fomos surpreendidos pela geração de empregos formais no mês de agosto passado. Por esse motivo revimos -mais uma vez- nossas projeções para o crescimento no próximo ano. O número de 6% ao ano hoje é realista.
Poderemos viver a partir da primeira metade de 2010 uma dinâmica de crescimento próxima à verificada entre 2007 e outubro de 2008: um consumo vigoroso, sustentado por uma massa salarial que cresce pela adição de emprego e pelo crescimento real dos salários, por uma queda importante nas taxas de juros e pela normalização do mercado de crédito, com redução do "spread" cobrado pelos bancos. Esse movimento estará associado a uma tentativa das instituições privadas de recuperar o espaço perdido para os bancos públicos nos últimos meses.

Não tenho dúvida sobre a volta dos investimentos em 2010, pois as empresas brasileiras não vão correr novamente o risco de perder mercado para as importações. Apenas as exportações não devem repetir no ano que vem o papel de importante fonte de crescimento interno. Parte significativa do mundo exterior ainda estará em período de convalescença e de baixo dinamismo.

Mas em seu lugar teremos o estímulo representado pelos gastos do governo, que estarão em níveis bem superiores aos do período pré-crise de 2008. Não acredito que -depois de ter provado as delícias do aumento dos gastos públicos- o governo Lula voltará à disciplina fiscal anterior. Ainda mais em um ano de acirrada disputa eleitoral. Sou velho demais para acreditar em Papai Noel.

Nesse cenário, vamos voltar a viver tensões inflacionárias a partir, principalmente, do mercado de trabalho. Como esse é no Brasil do real forte o mais importante canal de transmissão da inflação, os riscos parecem reais -e não imaginários. Não teremos, como no passado, saltos discretos nas taxas de inflação -esse tempo ficou realmente para trás-, mas sim um movimento suave e continuado, que pode ter início na primeira metade de 2010. Se isso ocorrer, certamente a reação dos mercados futuros de juros será mais forte do que a vista até agora, mesmo considerando que os preços de hoje já contemplem um aumento importante da taxa Selic ao longo de 2010.

Luiz Carlos Mendonça De Barros, 66, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

Lula abre 20% do BB à participação estrangeira

Patrícia Duarte
DEU EM O GLOBO

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou decreto dando sinal verde para que o Banco do Brasil (BB) eleve para 20% a fatia de capital estrangeiro na instituição. Hoje, o limite é de 12,5%, mas a participação efetiva dos estrangeiros é de 11%. Uma das estratégias do BB para atrair o investidor no exterior é lançar, em até 45 dias, American Depositary Receipts (ADRs), papéis negociados na Bolsa de Nova York, lastreados em ações ON (com direito a voto) do banco. Mais tarde, o banco poderá fazer nova emissão de ações. Se os estrangeiros atingirem o limite de 20%, será possível movimentar R$ 6,8 bilhões em papéis do banco. Há duas semanas, O GLOBO revelou os planos do BB de comprar bancos no exterior, inclusive nos EUA, para crescer.

BB para gringo comprar

Lula autoriza participação maior de investidores estrangeiros no banco, que lançará papéis em NY

OBanco do Brasil (BB) recebeu ontem autorização do governo para aumentar, de 12,5% para 20%, a participação de investidores estrangeiros em seu capital. Hoje, esses acionistas respondem por 11% do total e, se a fatia chegar ao teto, serão movimentados cerca de R$6,8 bilhões (considerando o valor das ações de ontem). O novo teto, na prática, também abre caminho para uma eventual capitalização da instituição financeira no futuro - ou seja, emissão de novas ações para levantar dinheiro no mercado. A estatal também teve o sinal verde para lançar American Depositary Receipts (ADRs), papéis negociados na Bolsa de Nova York, lastreados em ações ordinárias (ON, com direito a voto) do banco.

- O mercado de capitais é muito globalizado e ter um limite pequeno (para estrangeiros) não era bom. A medida vai aumentar a liquidez dos nossos papéis - afirmou o o gerente de relações com investidores do BB, Marco Geovanne Tobias.

Esta foi a segunda vez que o governo ampliou a margem dos investidores de fora. A primeira foi em 2006, quando passou de menos de 7% para 12,5%. Com os avais, concedidos em decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o BB conseguirá cumprir a meta de colocar em circulação no mercado 25% de seu capital - o chamado "free float". A exigência faz parte do processo de entrada no Novo Mercado, segmento da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) onde só são negociadas ações de empresas com práticas de gestão transparente e de proteção ao acionista minoritário. Hoje, apenas 21,7% do capital do banco são negociados na Bolsa e o limite mínimo deve ser atingido até junho de 2011.

Segundo Geovanne, a emissão de ADRs Nível 1, ou seja, com base nas ações que já estão sendo negociadas no país, deverá ser concluída em um prazo de 30 a 45 dias. Qualquer investidor poderá trocar a sua ação do BB por uma ADR e, eventualmente, vendê-la para um investidor de fora. Um banco estrangeiro já foi contratado para concretizar a operação, mas o nome não foi revelado. Neste caso, como será uma espécie de troca, não haverá aumento da parcela de ações do banco em circulação. Geovanne não fez previsões de quantos papéis poderão ser negociados, mas lembrou que o volume de ADRs de outros concorrentes, como Itaú Unibanco, já é duas vezes maior do que o de suas ações no mercado doméstico.

Nova oferta seguirá modelo da anterior

Em um segundo momento, haverá uma terceira oferta pública de ações, com o objetivo de atingir os 25% do capital do banco negociados no mercado. Tobias adiantou que não há uma data marcada para a operação, mas afirmou que ela poderá acontecer também por meio de ADRs. O modelo da oferta de ações deve ser o mesmo das últimas duas realizadas pelo BB, em 2006 e em 2007: foram vendidos papéis que estavam nas mãos do governo e houve rateio entre funcionários do próprio banco, pequenos investidores e investidores estrangeiros que atuam no mercado brasileiro. Se houver emissão de ações - possibilidade que o BB não descarta - o valor arrecadado com a venda entraria diretamente no caixa do banco. O movimento acontece na direção contrária da capitalização da Petrobras, a fim de obter mais recursos para explorar a camada de pré-sal, em que o governo pretende aumentar sua participação na estatal.

O BB pode ter que aumentar capital porque seu índice de Basileia (indicador internacional que mede a solvência dos bancos) em junho estava em 15,3% - para analistas, perto demais do mínimo de 11% exigido pelo Banco Central (BC).

As decisões vão ao encontro da estratégia de internacionalização do BB. No dia 30 de agosto, O GLOBO revelou que o banco pretende comprar instituições financeiras no exterior, inclusive nos EUA. Além disso, planeja abrir agências em cidades como Nova York.

As mudanças foram bem recebidas pelo mercado. As ações do banco subiram 1,20% ontem, dia em que o Ibovespa, principal índice da Bolsa, caiu 0,28%. Para Daniella Marques, sócia da Oren Investimentos, o anúncio foi positivo, pois a oferta de ADRs dá maior visibilidade à empresa e mais liquidez (facilidade de negociação) às ações. Muitos investidores, como grandes fundos americanos, só aplicam em ações cotadas em dólar. O analista Fernando Salazar, da Fator Corretora, divulgou relatório também considerando a operação positiva para a instituição e reiterando a recomendação de "atraente" (compra) para as ações do BB.

A corretora Ativa divulgou análise no mesmo sentido.

Colaborou: Felipe Frisch