segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Reflexão do dia – Luiz Carlos Mendonça de Barros

“É preciso seriamente considerar os desafios que se colocam para frente e perceber que nosso "software" econômico atual, desenvolvido no governo FHC e continuado por Lula, está ultrapassado.”


(Luiz Carlos Mendonça de Barros, hoje, em artigo no Valor Econômico)

Fábio Wanderley Reis:: Uma excursão pré-histórica

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Enquanto contemplamos a movimentação ainda incerta para as eleições do próximo ano e a notável e confusa vacilação do Estado brasileiro com respeito à extradição de Caesare Battisti, convido o leitor a um alargamento especial da perspectiva de tempo no exame de temas de grande relevância potencial para questões contemporâneas. Tivemos há pouco o prêmio Nobel de economia concedido a Elinor Ostrom, representante de uma corrente empenhada em trazer ao tratamento de temas de economia e política uma visão interdisciplinar ambiciosa, que inclui a biologia evolucionária e tem um de seus pontos de apoio na ideia de que a evolução fez de nós "a espécie cooperativa", em que a disposição à reciprocidade e à colaboração contrabalançaria o ânimo competitivo. Um livro recentíssimo do linguista Derek Bickerton, "A Língua de Adão" ("Adam´s Tongue", 2009), intelectualmente ousado e saborosamente polêmico, pesquisa a origem da linguagem humana na remota pré-história da espécie. Ele a encontra no nicho construído a partir da comunicação necessária ao recrutamento de números suficientes para que fosse possível disputar com êxito às feras e abutres a proteína disponível nas carcassas dos animais de grande porte: nossos ancestrais se teriam tornado carniceiros atrevidos (dedicados a "aggressive scavenging" ou "power scavenging"), depois de terem sido os últimos dos carniceiros, resignados a retirar o tutano das ossadas que sobravam da voracidade dos demais.

O desenvolvimento da linguagem surge como decisivo na visão da construção de nosso nicho singular, com o que a ideia dessa construção envolve de participação ativa da espécie (e das espécies em geral) na evolução, em vez da mera acomodação ao determinismo das condições ambientais. Na "coevolução genético-cultural" de que outros têm falado, a articulação de ida e volta entre genes e cultura permite o desenvolvimento da inteligência. E com esse desenvolvimento, entre muitas outras coisas, a passagem para a fabricação de armas e a transição de meros carniceiros a caçadores, e eventualmente, cerca de dez milênios atrás, a revolução neolítica e o surgimento da agricultura sedentária, das cidades e do governo.

A propósito dessa última virada, a antropologia e a sociologia há muito se ocupam de algo que adquire certa feição paradoxal e que Bickerton retoma sob um ângulo peculiar num epílogo de tom pessimista. Trata-se de que, enquanto as condições entrevistas nas brumas anteriores ao período neolítico indicam a perambulação livre de comunidades igualitárias, a ocorrência da agricultura sedentária e do governo centralizado, associados com concentração de recursos e formas rígidas de estratificação social geral, traz o poder. E o recrutamento, por exemplo, que surge cinematograficamente em Bickerton como a convocação de hordas dispersas para a briga com hienas e ferozes dentes de sabre, aparece na sociologia do trabalho dedicada a sociedades "camponesas" de agricultura sedentária (e que o governo centralizado permite considerar politicamente "desenvolvidas") como distinguido por características "familiais" ou "custodiais", em que traços de rigidez e desigualdade ou dominação se fazem presentes.

Naturalmente, é claro o sentido em que a expansão do âmbito ou alcance da colaboração, que o governo unificado de comunidades amplas permite, representa um avanço do ponto de vista de objetivos eventualmente identificáveis como próprios da comunidade como tal, em correspondência com a atenuação que ela realiza da disposição à competição e ao conflito internos. Mas as vicissitudes dos Estados organizados no período histórico, dos grandes impérios burocráticos agrários (ou excepcionalmente mesmo da democracia de Atenas com seu "camponês-cidadão", de que fala Ellen M. Wood) até as sociedades industriais e pós-industriais dos nossos dias, podem ser vistas como a expressão da luta pelo equilíbrio entre o valor da igualdade perdida e o da solidariedade politicamente expandida.

O epílogo mencionado de Bickerton retoma o problema geral em perspectiva evolutiva. Partindo do paralelismo entre a forma de subsistência que teria dado origem à linguagem entre nós e a das formigas e seu sistema de comunicação (o aproveitamento de carcassas de grande porte relativo), Bickerton observa que chegamos a construir cidades-formigueiro - e a produzir automatismos potencialmente antidemocráticos em que um processo evolutivo que continua a desdobrar-se viria selecionando há milênios contra os membros mais independentes e individualistas e em favor da convergência e solidariedade. Quando acabarmos de entender as eventuais mudanças genéticas resultantes, o mal pode estar feito: "Não são necessárias muitas gerações para transformar um lobo em cão".

Fantasias, talvez, de um linguista meio lunático. E contemplar o futuro em nossa ação de hoje já se mostra difícil mesmo quanto aos temas ambientalistas que remetem a um futuro mais próximo. De todo modo, eliminar o "lobo do homem" no homem tem sido o tema central da reflexão da filosofia política não só desde Hobbes, e a dialética entre solidariedade e estímulos à competição e ao conflito é complicada: não se pode apostar sem mais que a questão da ética na política tenda a resolver-se com a vitória de um liberalismo esclarecido sobre a pressão ao conformismo, sobretudo nesta época de terroristas dispostos ao suicídio em nome da fé compartilhada, que confunde até os Estados de maior tradição liberal. Resta, quando nada, insistir em que não cabe reduzir a ética, como em certo "republicanismo", à convergência e à adesão convencional a normas. E afirmar, ao contrário, a superioridade de condições que assegurem a reflexão e o distanciamento crítico, mesmo se capazes de mobilizar o ingrediente cooperativo do nosso legado evolutivo para garantir que as normas próprias e autônomas sejam também responsáveis.

Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

Ricardo Noblat:: Quem planta colhe

DEU EM O GLOBO

"Os monarquistas estão em festa. O Supremo Tribunal Federal recriou o Poder Moderador”.
(Hugo a-go-go, no seu twitter)

O governo Lula tem nas mãos dois pepinos de bom tamanho - e um terceiro de passagem. Os dois dos quais não se livrará tão cedo: Manoel Zelaya, presidente deposto de Honduras, há 60 dias hospedado na embaixada do Brasil em Tegucigalpa, e Cesare Battisti, condenado na Itália por quatro assassinatos, recolhido a uma penitenciária de Brasília.

O terceiro pepino é de longe o mais ilustre e também o mais polêmico - Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã, famoso por ter negado o holocausto de seis milhões de judeus durante a 2ª. Guerra Mundial. Se dependesse dele, Israel já teria sido varrido do mapa. Detestado pela comunidade internacional, tratado como um pária, Ahmadinejad ficará 24 horas entre nós. Isola!

Aproxime-se para lá!

Lula foi o único presidente de país importante que se apressou em considerar legítima a recente reeleição de Ahmadinejad. O momento em que procedeu assim coincidiu com a denúncia de que a reeleição fora fraudulenta. Milhares de pessoas saíram às ruas de Teerã em sinal de protesto. Foram reprimidas duramente pelas forças de segurança do regime fundamentalista dos aiatolás.

Ahmadinejad é grato a Lula. O Brasil será o primeiro país ocidental a recepcioná-lo depois de sua nova posse. A visita foi planejada para deixar a impressão de que Ahmadinejad não é tão feio como parece. Ele se reunirá com senadores e deputados no Congresso, visitará uma universidade de Brasília, dará uma entrevista coletiva e repetirá que o programa nuclear iraniano tem fins pacíficos - assim como o nosso.

Com o apoio dos Estados Unidos, Honduras realizará eleições gerais no próximo domingo. Se os hondurenhos não seguirem a ordem de Zelaya para ficar em casa, se atentados terroristas não causarem grandes danos e se observadores internacionais derem testemunho da limpeza do processo eleitoral, a posição do governo brasileiro se tornará insustentável a longo prazo. Em tempo: duas bombas explodiram, ontem, de madrugada na capital.

O ministro Celso Amorim, das Relações Exteriores, antecipou que o Brasil desconhecerá os resultados das eleições hondurenhas porque Zelaya não foi reconduzido ao seu cargo. Zelaya a Roberto Micheletti, presidente de fato de Honduras, assinaram um acordo sob o patrocínio do governo americano que prevê o exame pelo Congresso da restituição do poder a Zelaya e a aceitação dos resultados das eleições.

O acordo não fixou uma data para que o Congresso decida o destino de Zelaya. Isso deverá ocorrer depois de proclamado os resultados das eleições e conhecido o futuro presidente, que tomará posse no final de janeiro. O acordo não obriga o Congresso a reempossar Zelaya.

O Brasil em nada contribuiu para resolver a crise hondurenha. Se ela acabar sem a volta de Zelaya ao poder, só nos restará um hóspede incômodo.

Sempre se poderá dizer que Zelaya foi um pepino jogado no colo de Lula pelo presidente Hugo Chávez, da Venezuela. Battisti, não. Foi um pepino que o PT jogou no colo de Lula. E que ele acolheu satisfeito. A psicanálise talvez ajude a explicar o comportamento do PT e de Lula. O PT perdeu sua identidade como partido de esquerda. Ela lhe faz falta às vésperas de eleições. De sua parte, Lula deve reconhecer que maltratou demais o PT.

O governo jogou pesado e à sombra para arrancar do Supremo Tribunal Federal (STF) a bizarra sentença produzida na semana passada. Battisti cometeu crimes comuns na Itália e não políticos como entende o governo brasileiro. Seu refúgio é ilegal. Ele deve, portanto, ser extraditado. Mas caberá a Lula a última palavra. Ora, para que serve um tribunal que terceiriza seu julgamento? Foi a maior patacoada da história do STF.

Battisti só poderá ficar no Brasil na condição de asilado político. O governo terá de dizer que ele correrá perigo se for extraditado. Na Itália, um país democrático, isso soará como uma afronta. E será, de fato, uma grave afronta.

José Serra:: Visita indesejável

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O mesmo país que tentou oferecer segurança e consolo a vítimas do Holocausto estende honras a quem banaliza o mal absoluto?

É DESCONFORTÁVEL recebermos no Brasil o chefe de um regime ditatorial e repressivo. Afinal, temos um passado recente de luta contra a ditadura e firmamos na Constituição de 1988 os ideais de democracia e direitos humanos. Uma coisa são relações diplomáticas com ditaduras, outra é hospedar em casa os seus chefes.

O presidente Ahmadinejad, do Irã, acaba de ser reconduzido ao poder por eleições notoriamente fraudulentas. A fraude foi tão ostensiva que dura até hoje no país a onda de revolta desencadeada. Passados vários meses, os participantes de protestos pacíficos são brutalizados por bandos fascistas que não hesitam em assassinar manifestantes indefesos, como a jovem estudante que se tornou símbolo mundial da resistência iraniana. Presos, torturados, sexualmente violentados nas prisões, os opositores são condenados, alguns à morte, em julgamentos monstros que lembram os processos estalinistas de Moscou.

Como reagiríamos se apenas um décimo disso estivesse ocorrendo no Paraguai ou, digamos, em Honduras, onde nos mostramos tão indignados ao condenar a destituição de um presidente? Enquanto em Tegucigalpa nos negamos a aceitar o mínimo contacto com o governo de fato, tem sentido receber de braços abertos o homem cujo ministro da Defesa é procurado pela Interpol devido ao atentado ao centro comunitário judaico em Buenos Aires, que causou em 1994 a morte de 85 pessoas?

A acusação nesse caso não provém dos americanos ou israelenses. Foi por iniciativa do governo argentino que o nome foi incluído na lista dos terroristas buscados pela Justiça. Se Brasília tem dúvidas, por que não pergunta à nossa amiga, a presidente Cristina Kirchner?

Democracia e direitos humanos são indivisíveis e devem ser defendidos em qualquer parte do mundo. É incoerente proceder como se esses valores perdessem importância na razão direta do afastamento geográfico. Tampouco é admissível honrar os que deram a vida para combater a ditadura no Brasil, na Argentina, no Chile e confratenizar-se com os que torturam e condenam à morte os opositores no Irã. Com que autoridade festejaremos em março de 2010 os 25 anos do fim da ditadura e do início da Nova República?

O extremismo e o gosto de provocação em Ahmadinejad o converteram no mais tristemente célebre negador do Holocausto, o diabólico extermínio de milhões de seres humanos, crianças, mulheres, velhos, apenas por serem judeus. Outros milhares foram massacrados por serem ciganos, homossexuais e pessoas com deficiência. O Brasil se orgulha de ter recebido muitos dos sobreviventes desse crime abominável, que não pode ser esquecido nem perdoado, quanto menos negado. O mesmo país que tentou oferecer um pouco de segurança e consolo a vítimas como Stefan Zweig e Anatol Rosenfeld agora estende honras a alguém que usa seu cargo para banalizar o mal absoluto?

As contradições não param por aí. O Brasil aceitou o Tratado de Não Proliferação Nuclear e, juntamente com a Argentina, firmou com a Agência Internacional de Energia Atômica um acordo de salvaguardas que abre nossas instalações nucleares ao escrutínio da ONU.

Consolidou com isso suas credenciais de aspirante responsável ao Conselho de Segurança e expoente no mundo de uma cultura de paz ininterrupta há quase 140 anos com todos os vizinhos. Por que depreciar esse patrimônio para abraçar o chefe de um governo contra o qual o Conselho de Segurança cansou de aprovar resoluções não acatadas, exortando-o a deter suas atividades de proliferação?

Enfim, trata-se da indesejável visita de um símbolo da negação de tudo o que explica a projeção do Brasil no mundo. Essa projeção provém não das ameaças de bombas ou da coação econômica, que não praticamos, mas do exemplo de pacifismo e moderação, dos valores de democracia, direitos humanos e tolerância encarnados em nossa Constituição como a mais autêntica expressão da maneira de ser do povo brasileiro.

José Serra, 67, economista, é o governador de São Paulo. Foi senador pelo PSDB-SP (1995-2002) e ministro do Planejamento e da Saúde (governo Fernando Henrique Cardoso) e prefeito de São Paulo (2005-2006).

Protestos contra Ahmadinejad e pelo fim da violência contra a mulher em praias do Rio

DEU EM O DIA /RJ

Rio - A orla carioca reafirmou neste domingo sua vocação de palco de manifestações variadas nos fins de semana. Num período, cerca de 2 mil pessoas participaram, na Praia de Ipanema, do protesto contra a visita do presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, que chega nesta segunda ao Brasil. Em outro, na Praia de Copacabana, o manifesto foi pelo fim da violência contra as mulheres.

O movimento em defesa das mulheres, coordenado pela organização não governamental Agende (Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento) contou com a participação da ministra especial de Políticas para as Mulheres, Nilcéia Freire, e do presidente da BR Distribuidora, José Lima de Andrade Neto.

A ministra falou sobre o número telefônico 180 para denúncias de abusos contra meninas, adolescentes e mulheres adultas em todo o país. Segundo ela, 16 unidades móveis vão percorrer 150 postos de combustível com a bandeira BR (Petrobras), orientando seus funcionários sobre a questão.

"Os operadores dos postos estarão conscientes de que podem ajudar com informações, passadas, principalmente, aos caminhoneiros sobre a exploração sexual infantil", disse Nilcéia Freire, lembrando que este é o quarto ano seguido em que a BR Distribuidora participa da ação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.

Andrade Neto contou que o sistema Petrobras está engajado na campanha da violência contra mulheres. "Esta é uma luta que transcende a brasilidade, é uma questão internacional, que diz respeito às mulheres e ao respeito pelas pessoas em geral", observou. A manifestação na Praia de Copacabana fez parte da campanha "16 Dias de Ativismo", iniciada dia 20.

A outra manifestação, na Praia de Ipanema, reuniu representantes judeus, islâmicos, umbandistas, candomblecistas, evangélicos, católicos, ciganos, ativistas dos movimentos negro e gay, contra a visita do presidente iraniano.

"Nossa intenção é manifestar oposição a tudo o que o presidente do Irã significa", declarou Michel Gherman, do Hillel Rio, representando a comunidade judaica na manifestação. "O que nós queremos é que o presidente Lula levante essas questões diretamente a ele, inclusive porque o Brasil é um país tolerante sob todos os aspectos."

Porta-voz da Comissão Contra a Intolerância Religiosa, Ivanir dos Santos lembrou a passeata de setembro, em Copacabana, pela liberdade religiosa e disse que "negar o holocausto é como negar a escravidão".

"Precisamos estar atentos a todas as declarações e atos discriminatórios para nos posicionarmos sempre do lado da tolerância, na defesa das liberdades, a começar pela religiosa. No Irã, muitas minorias religiosas sofrem perseguição", afirmou referindo-se a comentário de Ahmadinejad, feito durante a semana, em que o presidente iraniano questionou que tenha havido, no passado, o Holocausto.

Envolvidos no mensalão voltam à cena no PT

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Depois de quatro anos afastado, Dirceu integra a chapa de Dutra, indicado como favorito a vencer eleições internas

Leonencio Nossa e Clarissa Oliveira

Em tom de conciliação, a ministra Dilma Rousseff disse ontem que é "normal" a volta de antigos dirigentes do PT envolvidos no caso do mensalão ao comando do partido. Após votar na eleição interna da legenda, ela observou que até o momento não há uma conclusão dos julgamentos no Supremo Tribunal Federal. "Acho normal que essas pessoas exerçam seus direitos políticos", afirmou. Ontem, petistas de todo o País escolheram um candidato a presidente e uma chapa para a direção partidária. O resultado sairá dentro de dois ou três dias.

Em entrevista na sede do partido, em Brasília, a candidata petista à sucessão de Lula avaliou que o PT está agindo corretamente ao aceitar a presença dos citados na crise que derrubou a cúpula do partido e o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Sobre a possibilidade de a oposição aproveitar o retorno dos citados nas denúncias ao comando do partido, ela disse que não se pode cassar direitos que não foram cassados.

Empenhada em buscar adesões para sua campanha à Presidência, Dilma chegou a defender a posição dos partidos aliados no processo de escolha de candidatos aos governos estaduais. Questionada se os interesses regionais deveriam ser sacrificados por um projeto nacional, ela respondeu: "Sempre acho que a gente não pode ser fundamentalista. Tem essa ótica nacional que se sobrepõe, mas há que se levar em conta as realidades locais, porque os interesses locais são legítimos".

Mais comedida que Lula, a ministra observou que o PT ainda não lançou sua candidatura. Ela disse que a partir do congresso nacional do partido, em fevereiro, haverá maior definição das linhas de campanha e das alianças. Mas antes disso poderá definir quando deixará o governo para ajudar na campanha presidencial do partido.

Em São Paulo, o ex-ministro José Dirceu negou a existência do esquema de compra de votos de parlamentares e descreveu o episódio como "caixa 2" para financiar campanhas eleitorais. Quatro anos depois da maior crise política do governo Lula, Dirceu rechaçou a tese de que seu provável retorno à direção petista signifique que o partido tenha enterrado o assunto. Mas reclamou da diferença no tratamento dado ao senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), também acusado de usar recursos não contabilizados ao disputar o governo Minas, em 1998.

Ontem, Dirceu e outros petistas se esforçaram para negar que a sigla tenha esquecido o mensalão. Mas o clima era o de que o episódio ficou no passado.

"O PT deve ser o primeiro a querer esclarecer o que foi que aconteceu de caixa 2, não de mensalão. Fomos acusados de corrupção e de formação de quadrilha. Mas o senador Eduardo Azeredo não é acusado de corrupção nem de formação de quadrilha. Então, ganhou um caráter político a questão que acabou levando o nome de mensalão", afirmou Dirceu.

Pela primeira vez desde 2005, ele integra a chapa da corrente antes conhecida como o Campo Majoritário do PT, hoje chamada Construindo um Novo Brasil. O grupo lançou como candidato à presidência do PT o ex-senador José Eduardo Dutra (SE). Se vencer, como é esperado, Dirceu tende a recuperar assento no Diretório Nacional petista. Meses atrás, ele disse que não aceitaria entrar na chapa, mas voltou atrás após o que descreveu como "um apelo unânime" de seu grupo.

Concorrem também à presidência da legenda os deputados José Eduardo Martins Cardozo (Mensagem ao Partido), Geraldo Magela (Movimento PT) e Iriny Lopes (Articulação de Esquerda) e os militantes Markus Sokol (O Trabalho) e Serge Goulart (Esquerda Marxista).

PMDB segue dividido sobre disputa em 2010

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Marli Lima, de Curitiba

A reunião feita pelo PMDB no Paraná, no sábado, lançou mais dúvidas sobre a definição do partido para 2010. Representantes de 15 diretórios regionais, descontentes com o acordo feito com o PT, assinaram uma moção na qual dizem que "o PMDB deve ter candidato próprio à Presidência da República e que esse nome é do governador do Paraná, Roberto Requião".

Mas, mesmo os que estiveram em Curitiba mostraram dúvidas sobre qual o melhor caminho. "O PMDB tem possibilidade de se unir numa bandeira de crescimento e, se possível, ter candidato próprio. Senão, acredito que a melhor alternativa seria à candidatura do Serra, do PSDB", disse o ex-governador de São Paulo Orestes Quércia.

"Eu pessoalmente tenho preferência pelo PT. Mas tenho preferência maior ainda pela candidatura própria", disse Requião.

O nome do governador do Paraná foi defendido com entusiasmo pelo senador gaúcho Pedro Simon e pelo ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger.

"Não é uma candidatura anti-Lula, é uma candidatura do PMDB que pode, e tenho convicção de que vai para o segundo turno. Talvez seja a salvação do Lula para não perder para o Serra", comentou Simon ao chegar ao encontro, pouco antes de propor o nome do governador do Paraná para a disputa.

Para explicar a fala, o senador acrescentou que "Requião ganha fácil do Serra" no segundo turno das eleições, deixando claro não acreditar na possibilidade de sucesso nas urnas da candidatura da ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff.
Questionado se a movimentação em torno da candidatura própria não seria apenas para atrapalhar o acordo com o PT, sem compromisso futuro, Simon respondeu: "isso é uma praga".

É a terceira vez que Requião é cogitado para a eleição presidencial, mas o PMDB não tenta o cargo desde 1994. No sábado, o governador paranaense disse ser amigo tanto de Serra quanto de Lula e de Dilma e voltou a criticar a atual política econômica, por ser "contra o capital vadio, o capital financeiro, que manda no Banco Central".

Após aceitar o desafio de percorrer o país em defesa de seu nome, o governador enviou recado aos dissidentes do partido. "Que mandem um aviso à direção nacional do PMDB, que aqui se consolidou uma pré-candidatura", disse. "Aqui estão os que deveriam estar. Os que não estiveram se arrependerão amargamente, porque aqui renasce o MDB de guerra", completou Requião.

Se, no plano nacional há dúvidas sobre os próximos passos e se o PMDB vai levar a pré-candidatura adiante, o mesmo acontece no Paraná. Na quinta-feira, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), esteve em Curitiba e, depois de assinar parcerias com o prefeito da capital, o também tucano Beto Richa, teve encontro com Requião.

O líder do governador na Assembleia Legislativa do Paraná, Luiz Claudio Romanelli, participou do evento organizado pela prefeitura de Curitiba e a presença dele foi interpretada como uma possibilidade de aproximação entre Requião e Richa para o próximo pleito, no qual o governador poderia apoiar a candidatura de Richa ao governo do Paraná e, em troca, seria apoiado na disputa por uma vaga para o Senado.

Requião teria interesse em conquistar um cargo político para manter a imunidade parlamentar e esquivar-se de processos judiciais.

Até agora ele defendeu o nome de seu vice, Orlando Pessuti (PMDB), para o pleito que elegerá seu sucessor e que conta também com as pré-candidaturas dos senadores Osmar Dias (PDT) e Alvaro Dias (PSDB).

Novo tesoureiro preside entidade suspeita

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Sindicalista João Vaccari Neto é presidente da Bancoop, investigada pelo Ministério Público por suposta doação ilegal a campanhas

Homem de confiança de Berzoini, atual presidente do PT, e amigo de Lula, Vaccari cuidará das finanças do partido nas eleições de 2010

Ana Flor

O sindicalista João Vaccari Neto será o tesoureiro do PT na direção que assume em fevereiro, com a tarefa de comandar o caixa do partido nas eleições de 2010. Vaccari é presidente da Bancoop, cooperativa habitacional dos bancários investigada pelo Ministério Público de São Paulo sob suspeita de fazer doações ilegais para campanhas eleitorais do PT.

Ex-dirigente da CUT (Central Única dos Trabalhadores), ele faz hoje parte do Conselho de Administração de Itaipu.

A tesouraria é uma área sensível do PT. Em 2005, o então tesoureiro Delúbio Soares foi um dos pivôs do escândalo do mensalão. Expulso do partido, ele é réu do processo em curso no STF, acusado de corrupção ativa e formação de quadrilha.

O atual tesoureiro, Paulo Ferreira, não pode, pelo estatuto, permanecer no cargo.

Além da investigação criminal em andamento sobre a Bancoop, a gestão de Vaccari na presidência da instituição é questionada em diversas ações cíveis movidas por pessoas que se dizem lesadas ao comprar imóveis da cooperativa.

Vaccari está na Bancoop desde sua fundação e ocupou cargos na direção da entidade. Assumiu a presidência em 2004, com a morte do presidente e outros dirigentes em um mesmo acidente de carro.

Sua gestão na cooperativa tem tentado saldar as dívidas da Bancoop cobrando dos associados o rombo nos cofres da entidade, que é estimado em cerca de R$ 100 milhões. Muitos empreendimentos da Bancoop não foram terminados -alguns nem saíram do papel.

Segundo o Ministério Público, 3.000 pessoas foram prejudicadas -e muitas pagaram por imóveis que não receberam.

Há dezenas de decisões judiciais considerando ilegal a forma como a entidade vem cobrando seus cooperativados.

Segundo um dos advogados dos cooperados, Valter Picazio Júnior, a Bancoop nunca conseguiu explicar o que causou o desfalque na entidade.

Homem de confiança do atual presidente do PT, Ricardo Berzoini (PT-SP) -outro fundador e ex-presidente da Bancoop-, Vaccari é segundo suplente do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) e amigo pessoal do presidente Lula.

Foi secretário-geral da CUT e presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Chegou a ser cotado para presidir a Caixa Econômica Federal.

O promotor José Carlos Blat, responsável pela investigação do Ministério Público de São Paulo, diz que há indícios de que a Bancoop desviou recursos para empresas ligadas a alguns dirigentes, que repassaram os valores para campanhas do PT. O promotor abriu o inquérito criminal em 2007.

Blat chegou a afirmar que a Bancoop é "uma organização criminosa" com objetivos "político-partidários".

Em 2006, Vaccari foi alvo da Polícia Federal por suposto envolvimento na tentativa de compra de dossiê antitucanos.

A Folha tentou entrar em contato com Vaccari, que não ligou de volta. Ouvido em outras ocasiões, ele negou irregularidades na cooperativa.

Luiz Carlos Bresser-Pereira:: Nova lógica das alianças internacionais

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nas alianças de hoje, o critério da divisão de interesses são o preço da mão de obra e os investimentos das múltis

A União Europeia , que, na última semana, escolheu seu primeiro presidente, vai assim se transformando em uma federação de Estados-nação. Dessa maneira, o maior projeto de engenharia política da história continua em marcha, mas essa construção política extraordinária ocorre em meio a dúvidas e ansiedades. Principalmente porque alguns de seus membros resistem à transformação da Europa em um Estado-multinação ou país multinacional.

Além de enfrentar essa questão crucial, a União Europeia sente-se pouco à vontade diante da tese repetida por muitos analistas internacionais segundo a qual, com a emergência da China como potência mundial, sua condição de parceiro preferencial dos Estados Unidos teria desaparecido. Esse papel seria agora cumprido pela China, ficando a Europa em posição secundária.

Essa tese, entretanto, é equivocada porque ignora a lógica contemporânea das relações internacionais. Essas relações são sempre complexas e contraditórias, porque os interesses nacionais são intrinsecamente dessa natureza. Nem sempre o que interessa aos ricos interessa aos pobres nas relações de um país com outro. E esse é apenas um dos critérios de classificação de interesses que tornam difícil tornar as relações entre países claras e congruentes.

Nas alianças internacionais de hoje, porém, existe um critério fundamental de divisão de interesses. Esse critério não é mais o da simples segurança nacional, como era na época da diplomacia do equilíbrio de poderes, nem o critério ideológico, como foi o da Guerra Fria, mas o duplo critério do preço da mão de obra e dos investimentos das empresas multinacionais.

Os países ricos contam com mão de obra cara e, por isso, têm interesses diferentes dos países em desenvolvimento, os quais têm mão de obra barata. Contar com mão de obra barata é a vantagem que vem permitindo aos países em desenvolvimento mais competentes fazerem o "catching up". Um processo de alcançamento que, como tudo em economia, tem efeitos positivos e negativos sobre os países gradualmente alcançados. Entre os últimos, o mais grave é o de que, no limite, leva algumas empresas à quebra e, sempre, à diminuição dos salários ou ao desemprego de trabalhadores.

Os países ricos compensam esse alcançamento por meio dos investimentos diretos de suas empresas multinacionais. Essas empresas ocupam os mercados internos dos países de renda média e remetem lucros para suas sedes sem oferecer, em reciprocidade, seus próprios mercados internos. Não os oferecem porque as empresas multinacionais dos países de renda média só agora estão aparecendo. Assim, por meio desse mecanismo, os países ricos logram transferir para si lucros elevados que compensam as perdas originadas de sua mão de obra mais cara -uma compensação, porém, perversa porque ganham os ricos acionistas das multinacionais, perdem os empresários que não se deslocaram para o exterior e todos os trabalhadores nos países ricos.

EUA e União Europeia (assim como o Japão e hoje também a Coreia) sabem dos seus interesses comuns -ou os de suas elites-, como os países de renda média estão voltando a compreender seus próprios interesses. Por essa razão, não há motivo para a União Europeia se preocupar com a perda de sua posição de sócio principal dos EUA. Essa associação, que é inclusive militar, continua forte. Quem tem que se preocupar é a Europa dos trabalhadores e dos empresários locais. E, naturalmente, os países em desenvolvimento.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC.

Rio: eleição deve ser decidida no 2° turno

DEU EM O GLOBO

Luiz Sérgio, do Campo Majoritário, sai na frente, mas vantagem não é grande

Chico Otavio

Apurados apenas 15% dos votos, o presidente regional do PT fluminense, Alberto Cantalice, disse ontem que, “a olho nu”, era possível prever um segundo turno para a escolha de seu sucessor. De acordo com ele, o processo de contagem de votos, no Estado do Rio, estava muito lento, no fim da noite, e só seria concluído às 12 h de hoje.

De 25 mil a 30 mil pessoas, segundo Cantalice, participaram ontem das eleições do PT no Rio. Se a previsão do presidente regional estiver correta, a soma dos votos dos candidatos Bismarck Alcântara e Lourival Casula impedirá que o deputado Luiz Sérgio, do Campo Majoritário (Construindo Novo Brasil, antiga Articulação), fiador do apoio à reeleição do governador peemedebista Sérgio Cabral, vença a eleição no primeiro turno.

O prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias, disse que não entendeu como críticas as declarações do presidente Lula, ontem, sobre as resistências regionais a alianças com outros partidos da base, como o PMDB. Segundo Lula, “o que tem acontecido é que cada um olha para o seu umbigo e prevalecem as questões dos estados.

— Vai ser bom para Dilma ter mais de um palanque nos estados.

No Rio, por exemplo, é provável que ela tenha até três: do Cabral, do Garotinho e o meu — comentou.

Lindberg disse que, pela movimentação da militância, esperava que os dois defensores da candidatura própria que disputam a direção estadual do partido somem cerca de 60% dos votos:
— Não será surpresa se Luiz Sérgio nem ficar entre os primeiros.

O PT tem cerca de 115 mil filiados no estado, dos quais pouco mais de 20% votaram. Houve bate-boca nos locais de votação na Vila Kennedy.

Luiz Sérgio festeja presença do eleitorado O candidato do Campo Majoritário, Luiz Sérgio, disse que o comparecimento surpreendeu: — O número foi alto, se levarmos em consideração o sol de rachar e o feriado prolongado. Vou terminar na frente. Se teremos segundo turno ou não, vai depender do resultado. A tese de defender candidatura própria, pela história do PT, é sempre uma tese que tem receptividade grande.

Como a contagem ocorre nos próprios locais de votação, até 22 h de ontem a apuração dos quatro grandes colégios (Rio, Niterói, Nova Iguaçu e São Gonçalo) praticamente não havia começado.

— Luiz Sérgio está na frente, mas a diferença para os outros candidatos não é grande — disse Cantalice, no fim da noite

Dirceu antevê problemas para o PT em 2010

DEU EM O GLOBO

Deputado cassado, que pode voltar à direção do partido, diz que campanha sem Lula como candidato é desafio

SÃO PAULO. Após votar nas eleições internas do PT, ontem em São Paulo, o ex-chefe da Casa Civil da Presidência da República e deputado cassado José Dirceu disse que a campanha presidencial de 2010 será um grande desafio para o PT, uma vez que o presidente Luiz Inacio Lula da Silva não concorrerá.

— É um desafio fazer uma campanha sem Lula.

Acho que esta será uma eleição difícil. Não subestimo nem o (José) Serra (governador de São Paulo) ou o Aécio (Neves, governador de Minas Gerais) —, afirmou Dirceu, que poderá voltar à direção do partido, porque integra a chapa de José Eduardo Dutra, candidato da corrente Construindo Novo Brasil, favorita na disputa.

O ex-ministro voltou a negar o mensalão. Sua participação no diretório, em caso de vitória de Dutra, foi defendida até por um dos outros cinco candidatos adversários à presidência do partido, o deputado José Eduardo Cardozo (SP), da chapa Mensagem do Partido.

— Seria absurdo que eu dissesse isso: “Olha, meus adversários, não coloquem sicrano e fulano na chapa”. Eu não posso fazer isso. Todos aqueles militantes que estão no direito e gozo do exercício partidário podem frequentar o partido, atuar e até ser candidatos (...) se Zé Dirceu vai ser dirigente ou não, depende do voto dos petistas, são eles que vão decidir.

Em São Paulo, oito chapas concorrem à direção estadual do partido. O favorito é o atual presidente do PT estadual, Edinho Silva. Em todo o estado são 295.092 petistas em condições de votar, de um total de 297.589 filiados.

Em Minas, o resultado parcial das eleições indicava, até a noite de ontem, o favoritismo do deputado federal Reginaldo Lopes, atual presidente do partido e candidato à reeleição. Com 939 votos apurados em 44 cidades até as 20h, ele liderava com 49,41% , contra 36,49% do segundo colocado, o secretário nacional de Comunicação da legenda, Gleber Naime. Com esse resultado, haveria segundo turno.

O ex-prefeito de BH, Fernando Pimentel, apoia Reginaldo; já o ministro de Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, defende Gleber.

Quem fizer o presidente garante hegemonia e sai fortalecido no duelo pelo Palácio da Liberdade.

Se Reginaldo vencer, o grupo do ex-prefeito tentará acordo com Patrus para unir o PT em torno da candidatura de Pimentel e evitar prévias

Dilma erra ao criticar racionamento do governo FH

DEU EM O GLOBO

Ministra diz, equivocadamente, que árvores de Natal foram apagadas na crise de energia de 2001

Gustavo Paul e Chico de Góis

BRASÍLIA. Após ser criticada dentro e fora do governo pelo tom duro e arrogante adotado na primeira entrevista coletiva que concedeu sobre o apagão, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, falou ontem com serenidade e ironia sobre o episódio. Mas acabou escorregando ao criticar a oposição e comparar mais uma vez os problemas de abastecimento de energia ocorridos em 2001 e este ano. Para mostrar que a situação hoje é melhor do que a do fim do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso, a ministra disse que entre 2001 e 2002 — durante e depois do racionamento de energia — não havia possibilidade de as árvores de Natal do país serem iluminadas.

— Sabe a árvore de Natal da Lagoa Rodrigo de Freitas? Sabe a outra no Parque Ibirapuera (em São Paulo)? Sabe a outra árvore de Natal que tem ali no Rio Grande do Sul, à beira do Guaíba, ou em Natal, ou em qualquer outro estado da federação? A hipótese de ter árvore de Natal em 2001 e 2002 era zero! Porque não tinha energia. Hoje temos árvore de Natal — disse uma sorridente Dilma.

Traída pela ironia, a ministra não se deu conta de que naqueles dois anos a árvore da Lagoa Rodrigo de Freitas, por exemplo, não perdeu o brilho. Em 2001, o Natal foi menos iluminado do que o normal, mas a árvore foi ligada diariamente com ajuda de três geradores. Em 2002, sem racionamento, foram utilizadas pela primeira vez luzes dançantes.

Entre dezembro de 2001 e fevereiro de 2002, com início do período chuvoso, o governo federal abrandou as metas de economia de energia. Já em São Paulo, o convênio da prefeitura com o Banco Santander, que permitiu a instalação da árvore de Natal do Ibirapuera, começou em 2002. E no caso da árvore do Guaíba, em Porto Alegre, o convênio com várias empresas só foi assinado em 2007.

Dilma não poupou a oposição de críticas, e disse que aqueles que se opõem ao governo não podem comparar o blecaute, que atingiu 18 estados e afetou cerca de 60 milhões de pessoas, com o apagão de 2001.

— A oposição tem memória curta.

Comparar o que aconteceu, que é um blecaute de cinco horas com outro que ocorreu entre 2001 e 2002, que é de cinco horas e 11 meses, é um certo exagero.

Estamos conversando sobre coisas que não são comparáveis — disse.

Ao chegar para votar nas eleições internas do PT, disse que vai comparecer ao Congresso para falar sobre o blecaute ocorrido, caso seja de interesse do governo e do próprio Congresso.

Dilma disse, ainda, que o governo não considera prejudicial à ampliação da capacidade de geração de energia o fato de a licitação para a construção da hidrelétrica de Belo Monte ter ficado para o próximo ano, e não para o mês que vem, como se previa. O Ibama ainda não concedeu a licença prévia para a obra.

— A área técnica que trata dessa questão do Ministério de Minas e Energia informou ao governo que esse deslocamento não traz efeitos maiores — disse a ministra, que aproveitou para fazer uma defesa da geração de energia hidrelétrica.

Adotando um discurso ecológico, a ministra ressaltou que a matriz energética brasileira é a mais limpa, pois tem um forte componente hidrelétrico. Num recado a ecologistas, órgãos ambientais e ao Ministério Público — que apresentam resistências à liberação de licenças para construção de usinas — a ministra alertou que não existem alternativas melhores e que o país precisará continuar crescendo a geração de energia: — Acho que o Brasil como um todo tem que aumentar o grau de consciência a respeito da importância da hidreletricidade na geração de energia limpa no Brasil. Porque não tendo hidreletricidade a outra alternativa é térmica. Se retirar o gás, que é menos poluente, mas ainda é mais poluente que a água, sobra carvão, diesel e óleo combustível.

Luiz Carlos Mendonça de Barros:: Brasil: é preciso reformar a política econômica

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A próxima década pode trazer um período de ouro para a sociedade brasileira. Não é um sonho ver o PIB crescer em média 6% ao ano. Mas para chegarmos lá será preciso uma revisão da política econômica atual.

O primeiro passo nessa direção será a construção de um diagnóstico correto dos desafios e problemas que precisarão ser enfrentados. A economia brasileira é hoje muito diferente daquela que a maioria dos brasileiros conhece. O mesmo ocorre com o mundo econômico que nos cerca. A combinação de dois sistemas complexos em mutação é sempre um desafio para qualquer analista.

O fato de termos uma eleição presidencial em 2010 pode favorecer esse processo de reflexão. Principalmente porque os lideres políticos que moldaram o Brasil nos últimos 16 anos estarão ausentes do centro do poder. Isso abre uma oportunidade para que as mudanças possam ser realizadas com maior facilidade.

De forma simplificada, é possível considerar que, entre 2005 e 2008, a fonte originária do dinamismo da economia tenha sido o setor externo. O forte aumento dos termos de troca com o exterior, decorrente dos maiores preços de commodities, eliminou o excesso de endividamento externo do setor público e representou um choque positivo de renda para a economia.

Esse efeito se espalhou progressivamente pelo tecido econômico a partir de vários canais e criou condições para que rompessemos com o estigma de um país que não sabe crescer. O mais importante deles foi o fortalecimento do real e a estabilização da inflação. A progressiva redução da taxa real de juros, neste ambiente mais estável e previsível, permitiu que os horizontes de planejamento empresarial fossem ampliados. Com isso a disposição de investir diante de uma demanda que se expandia com vigor foi reforçada.

Outro canal importante foi o verdadeiro choque keynesiano que ocorreu a partir do aumento das transferências sociais, principalmente via salário mínimo. Em outros tempos teríamos esbarrado na restrição cambial, mas não desta vez em função da melhora de nossas contas externas.

A sincronia desses fatores permitiu a gradual aceleração do crescimento em bases equilibradas a partir do aumento da poupança interna, do investimento e do consumo. Com isto, mesmo crescendo, convivemos com uma conta corrente ligeiramente superavitária no período.

É nesse contexto de crescimento em bases equilibradas que a crise financeira internacional atingiu o Brasil. Como uma de suas consequências mais marcantes foi o colapso temporário do comércio global, a baixa exposição brasileira à exportação de manufaturados foi uma vantagem. A elevada dependência de vetores domésticos - leia-se consumo - tem sido saudada como elemento de força da economia brasileira.

Apesar do otimismo que se coloca para 2010 é importante considerar as fragilidades da economia brasileira, ainda existentes, e que podem estar sendo acentuadas pela política econômica de má qualidade perseguida mais recentemente. Em primeiro lugar, a continuidade do forte afrouxamento monetário, fiscal e creditício dos últimos meses traz riscos reais. Se não ocorrer uma inflexão nas ações do governo aumentará o risco de que o crescimento, daqui para frente, se dê em bases menos equilibradas e pouco sustentáveis no médio prazo.

O insaciável expansionismo fiscal, sem critérios de eficiência e alocação estratégica para investimentos, aliado ao crescimento do crédito impulsionaram a participação do consumo total no PIB para 84% no 2º trimestre desde ano. Esse nível representa um aumento equivalente a quase 3 pontos percentuais do PIB em relação à média do período 2005/2008. Por outro lado, o investimento reduziu sua participação no PIB para 15%, quase 4 pontos percentuais abaixo do pico atingido no 3º trimestre de 2008.

Essa combinação de maior consumo e menor investimento permitiu que as exportações líquidas e o déficit em conta corrente permanecessem praticamente estáveis nos trimestres recentes. Mas agora a situação começa a mudar. Não há nenhuma indicação de perda de vigor do consumo privado. Pelo contrário, a julgar pelo aumento do emprego e da renda, é plausível que haja forte aceleração nos próximos trimestres. Também não se antecipa redução importante dos gastos correntes e investimentos sociais do governo. Com o investimento privado também crescendo, muito provavelmente liderado por setores domésticos como a construção civil, as pressões sobre as contas externas vão aumentar. Não me surpreenderia com déficits em conta corrente da ordem de 4% a 5% do PIB nos próximos 12 a 24 meses.

Tenho sérias dúvidas a respeito da sustentabilidade de um crescimento com esse perfil. É evidente que nossa situação atual é diferente e que o setor privado assumiu uma liderança importante, mas as lições do passado permanecem válidas. Além disso, se há algo que foi demonstrado cabalmente na última década é que a única base sólida de crescimento sustentável é a geração de poupança doméstica. O uso da poupança externa, mesmo para o investimento, deve ser coadjuvante e não o ator principal.

A incapacidade do governo de formular uma agenda estratégica e encarar nossas restrições - fraca geração de poupança, insuficiente investimento em infraestrutura e capital humano etc. - traz riscos de que estejamos rompendo os limites do crescimento equilibrado e embarcando em um caminho perigoso. Por fim, é preciso considerar ainda que o ambiente externo trás hoje outras restrições importantes. A questão cambial é uma delas. A desvalorização estrutural do dólar, exacerbada pela política de juros zero praticada pelo Federal Reserve, implica que os países em desenvolvimento continuarão enfrentando forte pressão de valorização de suas moedas. Na medida em que a China e os asiáticos em geral estão aparelhados para melhor resistir a essa tendência, os outros países são ainda mais impactados.

É preciso seriamente considerar os desafios que se colocam para frente e perceber que nosso "software" econômico atual, desenvolvido no governo FHC e continuado por Lula, está ultrapassado.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas.

Marco Aurélio Nogueira:: Mato Grosso do Sul: a construção de um Estado

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL

Marisa Bittar. Mato Grosso do Sul: a construção de um estado. Regionalismo e divisionismo no Sul de Mato Grosso. Campo Grande: Ed. UFMS, 2009. 2 v.

Nossa época vive sob o signo da crise e da mudança acelerada. Tudo parece convulsionado e em efervescência, ainda que muita coisa não mude e que partes enormes da população mundial vegetem em um universo de miséria e horror. As sociedades avançam de forma meio “despolitizada”, sem densidade cívica, com muita democracia, mas pouco espírito republicano. O que é afinal o “mundo público” hoje, para a maioria das pessoas e dos atores sociais? Um local onde todos podem fazer o que bem entendem, em que tudo pertence a todos e a cada um, ou um ambiente de regras vinculatórias claras, que fixam direitos, mas também impõem obrigações e deveres?

O futuro parece hoje suspenso no ar, tragado pela diluição das esperanças e das utopias, pela reiteração incessante das desigualdades e dos poderes que ferem mesmo quando não conseguem ser produtivos. Na base desse processo, porém, continuam a correr os rios da vida, impondo novidades e desafios sem cessar, mantendo ativa a positividade das experiências humanas.

Nesse contexto, a figura do intelectual ganha peso e relevância estratégica. Como o mundo ficou complicado demais, surpreende e confunde, chega mesmo a atemorizar, ele precisa ser pensado, traduzido, explicado em suas múltiplas determinações e em seus diferentes ritmos, mediante suas distintas racionalidades e sensibilidades, de modo a que seja concebido como um todo, e não apenas como um somatório de fragmentos. É difícil imaginar a construção do futuro sem a dedicação intensiva dessa figura qualificada para esclarecer, educar, agitar ideias e valores, totalizar.

Isto vale especialmente para aquele segmento que podemos chamar de intelectual público, que não deseja dialogar somente com seus pares nem se trancafiar em instituições distan­ciadas dos tormentos e paixões da vida real, mas que deseja, como falava a poesia de Milton Nascimento e Fernando Brant, “ir aonde o povo está”. Ele se dedica a articular em um único corpo o ideólogo e o especialista, o técnico e o humanista, o teórico dos princípios abstratos e o educador que esclarece. Este é o intelectual que um marxista italiano das primeiras décadas do século XX, Antonio Gramsci, definiu com precisão e força evocatória: um agente de atividades gerais que é portador de conhecimentos específicos, um especialista que também é político e que sabe não só superar a divisão intelectual do trabalho como também reunir em si “o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade”.

O intelectual público somente pode se realizar a partir da perspectiva da política. Mas não da política como sinônimo de poder ou de mundo dos profissionais da política, mas como campo onde se disputam as ideias a respeito do viver coletivo e onde se define a maior ou menor virtuosidade da convivência entre as pessoas e os grupos.

Especialmente nos estudos históricos e sociológicos — mas não somente neles —, uma pesquisa científica revela sua grandeza e sua relevância quando consegue preencher alguns requisitos básicos, complexos e desafiadores em si mesmos.

Ela precisa, antes de tudo, atender à expectativa de descobrir algo novo, ou seja, alcançar interpretações que modifiquem o modo de pensar a respeito de certos fatos e realidades. Precisa, também, sustentar uma boa dose de originalidade, demarcar de algum modo uma nova fronteira teórica, revelar aspectos e nuances mal conhecidos, ou mesmo desconhecidos, contribuindo, desse modo, para avanços e revisões. Precisa, por fim, but not least, refletir a máxima busca de rigor, tanto no que diz respeito à objetividade quanto em termos da adoção de procedimentos metódicos, lógicos e conceituais reconhecidos como válidos pela área de conhecimento em questão. E, claro, fazer isto sem produzir um texto hermético demais, inacessível ou incompreensível. Sua força também depende da sua escrita.

Deve haver nela um mix bem-sucedido de convicção, ousadia e determinação. O pesquisador trabalha com hipóteses que pretende confirmar, e que o desafiam, muitas vezes o iludem e o distraem. Esbarra em valores e convicções cristalizadas — em si mesmo, no mundo que o cerca e no próprio objeto que investigará —, que muitas vezes se manifestam como demônios que o cegam e confundem. Deve, por isso, enfrentar com ousadia as barreiras que a ele se antepõem, dispor-se a contestar e contrastar opiniões consolidadas, correr o risco de morrer na praia e pregar no deserto. Sapere aude é o dístico que melhor adorna o pórtico de sua morada.

Os dois volumes com que Marisa Bittar mergulha na história de Mato Grosso do Sul preenchem com folga e brilhantismo esses requisitos. São o resultado de uma pesquisa portentosa, dedicada, minuciosa, à qual a pesquisadora dedicou muitos anos de trabalho — de excitação, dúvidas, revelações e descobertas, sofrimento, empenho e prazer —, no correr dos quais tomou conta, soberana e inequivocamente, do problema instigante que se propôs.

Atuando como competente historiadora, Marisa Bittar definiu com clareza o foco de sua pesquisa.

De que maneira as classes dominantes do sul de Mato Grosso se organizaram para desenhar e construir uma estrutura político-administrativa que refletisse seu poder e seus interesses? Como atuaram politicamente as elites dirigentes sul-mato-grossenses, ao longo de mais de um século, para reforçar a condição econômica daquelas classes, compor uma hegemonia e, por fim, criar seu próprio estado? A “saga divisionista” foi por ela acompanhada quase passo a passo, mediante um exaustivo trabalho de manuseio de fontes — jornais, arquivos pessoais, papéis variados, livros, revistas, entrevistas detalhadas. Marisa pôde, assim, colocar às claras o peso específico do regionalismo, os interesses e valores que sustentaram a batalha pela formação do novo estado, os traços de psicologia social que animaram o quadro geral, a contribuição decisiva da geopolítica militar que, no âmbito do sistema derivado da ditadura de 1964, acabou por decidir a favor da criação de Mato Grosso do Sul em outubro de 1977.

Uma de suas conclusões expõe por inteiro o eixo de sua investigação: “O sentimento de que o sul deveria se separar do restante do então estado de Mato Grosso pareceu ser aos sulistas a solução, mas nunca chegou a ser consenso nem mesmo entre a classe social que a engendrou: os grandes proprietários da terra”.

A sua foi uma pesquisa de história política, mas em sentido amplo. Há muita, e boa, sociologia nela. Há muita, e boa, teoria política. Há muita elegância estilística e vigor literário nela. Marisa Bittar é historiadora por vocação e convicção, não tanto por formação especializada, ainda que tenha muito disto também.

Em decorrência, seu texto tem sabor original, seduz o leitor logo nas primeiras linhas, levando-o pelo cenário quase épico de uma longa construção política e cultural. Ao percorrê-lo, vamos descobrindo um Mato Grosso e um Mato Grosso do Sul que pareciam ocultos pelo silêncio ou pelo desconhecimento, mal concatenados em uma explicação totalizante e reveladora. O percurso que vai “do Sul de Mato Grosso a Mato Grosso do Sul” e se completa no livro 2, com o estudo das elites dirigentes e de suas práticas políticas, é contagiante e esclarecedor. Com ele, aprendemos a conhecer a estrutura desse importante pedaço do Brasil e muita coisa da própria história brasileira.

Penso, como Marisa Bittar, que há uma recompensa adicional no fato de sua pesquisa ser publicada no momento mesmo em que Mato Grosso do Sul completa 30 anos de existência.

As efemérides cumprem a função de chamar a atenção para os tempos longos — para os processos lentos, tensos e contraditó­rios de que é feita a História —, como se quisessem nos lembrar de que as coisas não começaram ontem nem caíram do céu, mas têm raízes profundas e personagens de carne e osso, que merecem ser resgatadas e precisam ser conhecidas.

A publicação deste belo livro, em um momento emblemático da história do estado, é a melhor forma que a inteligência teórica e o intelectual público encontraram de se fazer presentes nos debates e reflexões que deverão abrir o futuro de Mato Grosso do Sul.

Conhecendo e admirando Marisa Bittar há mais de 25 anos, creio poder imaginar como ela se sente: com a consciência de estar realizando a missão do intelectual (aquele de Gramsci, a quem ela, como eu, prestamos tantos tributos), missão esta que se materializa toda vez que se põem ao alcance do público novos e mais rigorosos conhecimentos a respeito daquilo que faz a vida ser vida.

Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da Unesp/Araraquara, é autor, entre outros, de Em defesa da política (2001), Um Estado para a sociedade civil (2004) e Potência, limites e seduções do poder (2008). Este texto foi publicado como prefácio para o livro de Marisa Bittar.

Boris Fausto:: A censura na perspectiva histórica

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
(22/11/2009)

No tempo da ditadura do Estado Novo (1939-1945), como se sabe, os jornais eram submetidos ao crivo dos censores e O Estado de S. Paulo foi confiscado pelo interventor federal. Relembrando esses tempos, em depoimento prestado ao repórter Noé Gertel, na Folha de S.Paulo de 10 de janeiro de 1979, nos últimos anos do regime militar, Hermínio Sacchetta dá bons exemplos das instruções da censura.

É preciso lembrar Sacchetta. Jornalista infatigável, militante comunista, rompeu com o Partidão em 1937, por discordar de sua linha política, e se tornou trotskista. Na entrevista, Sacchetta reproduz algumas "pérolas" da censura no curso de 1943. Nessa época, Getúlio Vargas abandonara o namoro com o nazi-fascismo, o Brasil rompera relações diplomáticas com os países do Eixo e entrara na 2ª Guerra Mundial, em agosto de 1942.

A atividade da censura, em qualquer circunstância, costuma ser chamada de incoerente, errática, mas é possível encontrar algumas linhas de coerência na sua ação. Naquela conjuntura, era evidente a preocupação do governo Vargas com o comunismo, muito embora a União Soviética integrasse, em primeiro plano, o grupo dos países que enfrentava o Eixo. Para começar, os censores não usavam a expressão "União Soviética", e sim "Rússia". Viviam-se os tempos em que a referência à União Soviética se associava aos feitos heroicos da guerra, combinados com a ilusão de que naquele país se gestavam os tempos radiosos da sociedade comunista. A designação "Rússia" simbolizava o despotismo, o atraso, as maquinações sinistras nos bastidores do poder.

A ação dos censores consistia em varrer das páginas dos jornais a existência da União Soviética e de personagens a ela vinculados. Curiosa atitude que, guardadas as proporções, lembra a iniciativa de Stalin e sua corte de apagar das fotografias e das imagens cinematográficas os líderes bolcheviques caídos em desgraça.

Ao longo dos meses, encontramos reiteradas determinações para que não se divulgassem fotos da guerra na Rússia e nada também sobre um possível reatamento de relações diplomáticas com o Brasil. A certa altura (maio de 1943) a censura, quase sempre mercurial, abranda. "Fotografias da Rússia: podem ser publicadas as que forem submetidas à censura; as legendas devem conter apenas as palavras Rússia, ou russos." Alvo constante eram as publicações da Editora Calvino, ligada ao PCB, sujeitas a estrito controle, a ponto de não lhe ser possível anunciar seus livros, mesmo os autorizados. No plano pessoal, os censores proibiram a divulgação da morte da mãe de Luís Carlos Prestes, Leocádia Prestes, certamente por lembrar a existência do filho, preso e condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional.

No plano ideológico, há uma referência significativa sobre a natureza do regime estado-novista: (são) "proibidas quaisquer alusões ao regime brasileiro anterior a 10 de novembro de 1937, sem prejuízo de referências à democracia, pois o regime atual é também uma democracia." Notável jogo de palavras que veríamos ressurgir muitos anos depois, na época do regime militar. Embora no caso do Estado Novo houvesse intelectuais e outros personagens que teorizavam sobre as virtudes do regime autoritário, a palavra oficial - especialmente depois da definição no tocante ao conflito mundial - insistia em caracterizar o Brasil como uma democracia, adjetivada como "nova democracia", "democracia orgânica", lembrando, a nossos olhos, o general Geisel, que, mais prudente, falava em "democracia relativa".

Um das preocupações da censura era a Sociedade Amigos da América, fundada em janeiro de 1943 com o objetivo de apoiar a luta dos Aliados contra o Eixo e promover a democracia contra o totalitarismo. A sociedade, cujo presidente era o general positivista Manoel Rabelo, tornou-se um reduto da oposição. Em outubro daquele ano, os censores deram mostras de "ter perdido a paciência", com a associação: "Em caráter definitivo, não pode ser dado nada sobre a Sociedade Amigos da América, nem mesmo expressões parecidas ou relacionadas com esta."

Os tópicos poderiam ser multiplicados. Sacchetta assinala que pessoas com acesso aos meios governamentais conseguiam impedir notícias desabonadoras sobre membros de sua família, ou a realização de mágicas pelas quais um suicídio se convertia em colapso cardíaco. Muito curiosa a referência à propaganda do Urodonal, a princípio proibida e depois liberada (fevereiro de 1943). Qual a razão? Não sei. Sei apenas que o bordão do Urodonal dizia: "Alô, como se sente, rim doente? Tome Urodonal e viva contente."

Estamos a muitas léguas de distância do Estado Novo, no âmbito de um regime democrático em consolidação, com problemas bem conhecidos. A ameaça de um golpe de velho estilo pode ser descartada, embora esteja na cabeça do presidente Lula, como figura de péssima retórica, ao atribuir recentemente o escândalo do "mensalão" a uma armação golpista.

Nem por isso o País está livre das ameaças à liberdade de expressão. A mídia em geral e os jornais em particular são alvos da irritação dos governantes. Tentativas de formação de um Conselho Federal dos Jornalistas, a pretexto de introduzir normas éticas, fracassaram em passado recente. Agora, estão no ar iniciativas do governo para ampliar e reforçar a mídia estatal, que ninguém vê, como é o caso da TV Brasil.

Por sua vez, reportagens investigativas rompem silêncios, ocultações, manipulações dos detentores do poder, ou de representantes de grandes interesses corporativos. Por isso, quanto maior for o grau de corrupção no âmbito do estrato político e da sociedade, maiores serão as tentativas de intimidar a imprensa. O recente exemplo de censura por via judicial a este jornal não é, pois, um caso isolado.

Boris Fausto, historiador, presidente do Conselho Acadêmico do Grupo de Conjuntura Internacional (Gacint-USP), é autor, entre outros livros, de História do Brasil (Edusp)

Érase una vez el PCI

EL PAIS (Espanha)

Hace 20 años se disolvió el Partido Comunista Italiano, el más grande de Europa

LUCIA MAGI - Bolonia - 22/11/2009


"Lo que yo hice aquí, es como si el Papa, asomado a su ventana, dijera a los fieles que María no es virgen". Achille Occhetto, el hombre que cambió símbolo, nombre y destino al Partido Comunista más grande de Europa, utiliza esta metáfora para recordar la mañana de noviembre de hace 20 años, en que la izquierda italiana cortó el cordón umbilical con la tradición comunista internacional.

Entonces empezó a andar sola, con el paso tambaleante que la sigue caracterizando, a pesar de haber sido la primera en autocuestionarse y renovarse, apenas tres días después de que cayera el muro de Berlín. El principio del fin del PCI se selló en el barrio de la Bolognina, zona popular de Bolonia, corazón rojo de una ciudad roja. Occhetto, entonces secretario general del PCI, pensaba en un nuevo partido de izquierdas, que estuviera cómodo en la internacional socialista y que pudiera por fin gobernar el país tras 40 años de oposición. Un partido que tenía que liberarse de la incómoda simbología comunista. Nuevo nombre y nuevo icono. Había que "evitar que los ladrillos del Muro nos sepultaran", explica Occhetto 20 años después, en Bolonia. "Había que meter a salvo nuestro empuje reformista, moviéndolo de los residuos del totalitarismo hacia el terreno de la libertad y de la democracia".

Hacía tiempo que la vía italiana al comunismo se estaba distanciando de la madre patria y de sus derivaciones totalitarias. Botteghe Oscure, la histórica sede de Roma, ya había condenado el estalinismo, la invasión de Budapest en 1956 y la de Praga 12 años más tarde. Faltaba dar el último, definitivo, paso hacia delante. "Había que apartarnos de los fracasos del comunismo internacional de manera clara", dice Piero Fassino, que entonces estaba en la directiva del PCI y apoyó el cambio.

"Aquel 12 de noviembre volví a casa anonadado. ¿Será posible?, me repetía. En diez minutos lo había perdido todo. Las luchas, el sindicato, el orgullo. No sabía quién era". Evaristo Pizzirani, 79 años, es el afiliado más anciano del círculo de la Bolognina. Infla el pecho y se ajusta los tirantes: "Decidí mantenerme fiel al grueso del Partido. Y nunca lo abandoné. Cogí mi primer carné a los 18 años y lo renové cada año. Tengo 60 en casa".

La Bolognina marcó el fin del partido fundado en 1921 por Antonio Gramsci, que unió sus fuerzas a los católicos y a los socialistas para derrumbar el régimen fascista y reconstruir la democracia. Un partido que fue la segunda fuerza del país con una media de 10 millones de votos, entre el 26% y el 34% del total (en 1976). El debate interno laceró el PCI. El ala izquierdista se desenganchó y fundó Rifondazione Comunista.

Mientras las investigaciones de Manos Limpias decretaban la muerte de la Democracia Cristiana, lo que fuera el PCI seguía presa de secesiones y cambios continuos. En 2007, la última, con la fundación del Partido Democrático juntos a grupos de ex democristianos. "El PD es el resultado de los últimos 20 años. Da sentido a la Bolognina, porque crea una gran fuerza reformista italiana", dice Fassino. "De momento no deja de ser una fusión en frío de dos historias y dos culturas", observa Occhetto. Lo cierto es que, abandonada la casa paterna del comunismo, los muchos hijos del PCI fatigan a encontrar su identidad y fortuna electoral. Rifondazione Comunista ni siquiera tiene representación parlamentaria.

"Mis antiguos compañeros de sindicato me dicen que de rojo me he vuelto blanco, porque voto PD. Yo les respondo que no tienen ni un diputado. Es triste. Deberíamos estar unidos. Como contra el fascismo. Necesitamos un país donde todos somos iguales. No este horror", cierra el puño Raffaele Bussolari, militante de 73 años.