domingo, 6 de dezembro de 2009

Reflexão do dia - Ricardo Lagos

“Debatemos sobre a importância de defender a institucionalidade dos partidos políticos, os mecanismos de designação de candidatos.Também falamos sobre como estabelecer mecanismos para que realmente exista um equilíbrio de poderes, e que isso não seja motivo de debate. Por último, também conversamos sobre os sistemas de participação da sociedade civil. São elementos centrais para ajudar na renovação de nossos dirigentes. Se não existisse o primeiro destes elementos, não existiria o senhor (Barack) Obama nos Estados Unidos. Em nossos países, de fato, não existe espaço para um Obama porque se você não está na cúpula partidária fica de fora. Obama é um forasteiro da cúpula partidária. O caso chileno é típico”.


(Ricardo Lagos, ex- presidente do Chile, na entrevista, hoje, em O Globo)

Merval Pereira:: A ameaça da bolha

DEU EM O GLOBO

A advertência do Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, de que os grandes fluxos de recursos para o Brasil ameaçam o país com uma bolha financeira, em condições normais de temperatura e pressão deveria ter afetado a Bolsa de Valores e a cotação do dólar. Mas em tempos de exuberância irracional, nada aconteceu. Suas opiniões tiveram o mesmo peso das de um vencedor do Prêmio Nobel de Química que falasse sobre economia

É verdade que o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, sentindo cheiro de queimado, apressou-se em rebater os comentários, aqui e também em Lisboa, onde na sexta-feira recebeu o Prêmio Personalidade do Ano 2008 da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira (CCILB).

Lá, ele teve que acalmar investidores europeus e deixou escapar até que deve mesmo permanecer no cargo até o final do mandato do presidente Lula, sem se candidatar em 2010.

Tudo para garantir o controle das contas públicas.

Pelo menos até março, com a desconfiança de alguns setores com a deterioração dos fundamentos macroeconômicos, Meirelles vai manter a versão de que continuará no governo. Se tiver que subir os juros para conter a demanda, em alta acelerada no início do ano eleitoral, e não conseguir por injunções políticas, vai ser difícil conter a crise política.

O atual diferencial dos juros pagos no Brasil, já muito acima dos ofertados pela maioria dos países, é a explicação mais imediata para a entrada maciça de capitais.

Mas é inegável que juros mais altos só funcionam se a credibilidade do país é boa, e a nossa está excelente agora, como revela a revista “Newsweek” e já salientou a inglesa “The Economist”, fruto de muitas reformas e de anos de governança macroeconômica equilibrada.

O economista Paul Krugman foi bastante específico na sua análise de longo prazo, citando problemas concretos como a sobrevalorização do real, a falta de infraestrutura e o baixo nível de educação da população brasileira como entraves a que o país se torne uma “superpotência econômica”.

Mas as maiores incertezas sobre o futuro da economia, a curto prazo, giram em torno da área fiscal. O mercado financeiro, tanto local quanto internacional, não parece estar se dando conta da deterioração dos fundamentos econômicos.

Uma voz solitária a levantar dúvidas sobre o que está acontecendo, em relatório de outubro, é Luis Stuhlberger, gestor de fundos Grifo, considerado um dos maiores e melhores gestores de ativos no país e um formador de opinião do mercado.

Primeiro, ele faz uma análise dos últimos anos, desde a implantação do Plano Real, para mostrar como, assim como analisou Krugman, o Brasil “ainda possui grandes desafios” para ser considerado uma “superpotência econômica”, como muitos, inclusive do governo, querem fazer crer.

A taxa média de crescimento do PIB brasileiro tem sido de 2,9% nesse período de 15 anos, embora tenha sido de 4,8% nos últimos cinco anos. Contra uma taxa média de 8,9% no período de 1968 a 1980.

Para Stuhlberger, o que mais preocupa é que a crise internacional serviu de pretexto para o governo retroceder em aspectos importantes da política macro.

Ele cita alguns desses aspectos: as capitalizações no BNDES, a maior participação dos bancos públicos no mercado de crédito e a troca de comando no Banco do Brasil; a força da Petrobras e o desenho do novo marco regulatório do pré-sal, que indicariam que o governo não enxerga mais limites na sua restrição orçamentária; e as investidas contra a Vale do Rio Doce.

Um dos pontos de maior preocupação é a política fiscal expansionista, que ele chama de “keynesianismo tropical”, assim definido: aumento de gastos correntes permanentes, especialmente com o que o economista Raul Velloso chama de “pagamento direto a pessoas”, e não com investimentos em infraestrutura.

De fato, o Brasil gastou apenas 5% em investimentos do setor público em 2008, contra 15% do México. E os gastos com pessoal, previdência, Bolsa-Família e outros chegam este ano a 77% dos gastos totais.

Juntando a isso a participação cada vez maior do PMDB no governo, devido à campanha eleitoral que se avizinha apertada, surge uma inquietação, segundo Luis Stuhlberger: este modelo de estado forte, mais interventor e “protagonista” do crescimento é compatível com reformas econômicas que reduzam a carga tributária e o gasto público? Um problema desse modelo é que ele, segundo Stuhlberger, pressupõe um crescimento elevado, em torno de 4% ao ano, já que está baseado em arrecadação e/ou endividamento crescentes para financiar os aumentos dos gastos correntes e as transferências de recursos para os bancos públicos e empresas estatais. “Se tudo der errado, a conta fechará com inflação mais alta”, adverte.

O mercado, na análise de Luis Stuhlberger, está dando “um waver (perdão) gigante para as decisões equivocadas do governo” devido à abundância da liquidez internacional e o elevado grau de confiança que o Brasil conquistou nos últimos anos.

O estudo de Luis Stuhlberger mostra, por exemplo, que os reajustes concedidos ao funcionalismo federal durante o governo Lula foram “totalmente fora da realidade”.

Enquanto o salário médio da economia teve taxa de crescimento real de apenas 0,4% entre 2002 e 2009, segundo o IBGE, o aumento real do funcionalismo federal variou de 12,1% a 61,8%.

A análise mais corrente no mercado financeiro é de que a médio e longo prazos, se houver problema, o futuro presidente resolverá fazendo os ajustes necessários.

Já na análise política, a pergunta é se o sucessor de Lula, seja ele quem for, terá condições de governar se o ajuste necessário lá na frente ficar muito duro diante da irresponsabilidade do presente.

Dora Kramer :: Pura teimosia

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O governo brasileiro ensaia um providencial recuo na decisão de não reconhecer a legitimidade da eleição presidencial em Honduras. Atitude que será tão mais bem vista quanto mais o governo Luiz Inácio da Silva apressar o passo, deixar aquele país em paz com suas circunstâncias internas e sair da enrascada em que voluntária e equivocadamente se envolveu.

Se insistir em "marcar posição", o Brasil ficará ao lado da ilegalidade. Honduras tem um presidente eleito em processo que obedeceu ao calendário institucional, estabelecido desde antes da rechaçada tentativa de Manuel Zelaya de mudar a regra do jogo ao molde do populismo golpista em voga na América Latina e da desastrada deposição do presidente.

Ato condenável pela forma, o uso da força, mas que na essência obedecia à Constituição hondurenha que considera cláusula pétrea a proibição de reeleição e diz que o governante que violar o dispositivo ou propuser sua reforma será destituído do cargo e afastado de funções públicas por dez anos.

Zelaya propôs um plebiscito para tentar mudar a regra, mesmo tendo sido a proposta negada pelo Poder Legislativo. Foi denunciado pelo Ministério Público, cujo pedido de prisão foi aceito pelo Supremo Tribunal Federal de Honduras. O substituto, Roberto Micheletti, foi escolhido pelo Congresso Nacional.

Pode-se não gostar do ritual, mas é a regra em vigor no país, que o então presidente tentou infringir nos últimos seis meses de mandato. No início, o mundo condenou a deposição de Zelaya, mas com o passar do tempo e o esclarecimento dos detalhes foi ficando patente que não se tratava de uma quartelada no feitio tradicional da velha "latinidad". Era, antes, uma inédita reação ao modo novo de governos se perpetuarem no poder, inaugurado no Continente por Hugo Chávez.

O Brasil viu no episódio uma oportunidade de firmar sua posição de destaque no cenário nacional. Foi assim, como um "sinal" de reconhecimento ao País, que o chanceler Celso Amorim interpretou a "escolha" da embaixada brasileira como abrigo de Zelaya.

Estava claro desde o início que o governo de facto não cederia e procuraria ganhar tempo até a realização das eleições marcadas para 29 de novembro.

Micheletti não queria negociar nada, bem como Manuel Zelaya demonstrava pelo grau de impossibilidade nas exigências, que nada havia a ser negociado.

Muito bem. As eleições aconteceram sem ocorrência de fraudes, com o comparecimento de 61% do eleitorado - note-se que Barack Obama foi eleito por 66% dos norte-americanos -, num país onde o voto é facultativo.

O Congresso rejeitou a proposta de recondução de Zelaya - cujos termos implicavam a anulação das eleições - e está tudo pronto para a posse de Porfírio Lobo em 27 de janeiro próximo.

Ainda assim, três dias depois do pleito o Brasil ainda se mantinha irredutível em não reconhecer a legitimidade do eleito, para marcar posição.

É de se perguntar qual posição mesmo o governo Lula deseja marcar. A da defesa indiscutível dos princípios democráticos? Para isso seria preciso que esse mesmo governo não reconhecesse ditaduras estabelecidas nem mantivesse com elas relações sem ressalvas.

Seria necessário que não adotasse o princípio segundo o qual tudo o que emana do poder é válido. Inclusive, como no Irã, fraudar eleições.

De uns dias ara cá, o Brasil deu providenciais passos atrás. "Admite" analisar a posição a ser adotada pela OEA e a ministra Dilma Rousseff disse que as eleições hondurenhas "precisam ser consideradas".

Noves fora, o Brasil entrou numa fria para nada.

Prece com preço

Inspirado na oração dos corruptos filmados rezando em agradecimento ao "benfeitor" Durval Barbosa, o pagador de propinas, o deputado Chico Alencar escreveu a "Antiprece dos homens que têm preço", que já circula na internet.

A contrafação do Pai Nosso - "a propina nossa de cada dia nos dai hoje, perdoai nossos desfalques assim como perdoamos os que malversaram antes de nós e não nos deixei cair na tentação da honestidade, mas livrai-nos do flagrante da verdade"- foi feita durante uma reunião da CNBB que discutia a organização do Dia Internacional contra a Corrupção, na próxima quarta-feira.

O texto foi submetido aos religiosos presentes que não impuseram obstáculos à divulgação por se dizerem chocados com aquela "teologia da corrupção".

Autores

O presidente do Senado, José Sarney, em artigo na Folha de S. Paulo se associa aos defensores da difundida tese de que a culpa pelos males da corrupção na política é do sistema eleitoral.

Enquanto não for mudado, diz Sarney, não adianta punição nem indignação.

Em matéria de pensamento sobre o tema, mais certeiro foi Roberto Campos em frase definitiva: "Não é a lei que deve ser forte. É a carne que não pode ser fraca."

Elio Gaspari :: O Lulismo chavista apresenta o Chaveco

DEU EM O GLOBO

Nosso Guia quer convocar a Constituinte, mas não diz que só se consegue isso com o país em estado de choque


Quando Lula disse em Kiev que "os partidos políticos deveriam estar defendendo, neste momento, para depois das eleições de 2010, uma Constituinte específica para fazer uma legislação eleitoral para o Brasil", ele informou que no seu baralho há a carta do chavismo plebiscitário. Melhor dizendo, do chaveco.

Lula atribui as malfeitorias do PT e do DEM a imperfeições das leis eleitorais. A solução estaria numa reforma política e acrescenta que já mandou dois projetos ao Congresso, mas eles não andaram. Há aí uma mistura de bobagens com fantasias.

Bobagem é dizer que o governo mandou projetos de reforma política ao Congresso. É fantasia que se tenha empenhado no assunto. O que o PT quer é o financiamento público de campanha e o voto de lista para a escolha dos deputados. Ganha uma vigem à Ucrânia quem acha que o financiamento público impedirá o movimento dos maços de dinheiro do governador José Roberto Arruda e dos aloprados da campanha do senador Aloizio Mercadante. Ganha um fim de semana em Caracas quem acredita que o sistema político brasileiro melhorará se as direções partidárias do DEM, do PT e do PSDB passarem a determinar as chances de seus candidatos serem mandados à Câmara.

Tudo isso é pouco diante da proposta da Constituinte. Lula diz bobagens absolutas ("minha mãe nasceu analfabeta"), mas deve-se prestar atenção nas batatadas que, parecendo bobagens, são espertezas, das boas. Nosso Guia sabe que só se pode convocar uma Constituinte com três quintos do Senado (49 votos) e da Câmara (308 deputados). Ele sabe que não tem esses votos e que não os conseguirá sem que a política brasileira entre num estado de choque.

Como conseguir os três quintos? Emparedando o Congresso, botando nas ruas os companheiros das centrais sindicais e dos movimentos sociais (uma viagem a Cuba para quem souber o que é isso). É uma manobra difícil e perigosa, João Goulart que o diga. No estilo de Nosso Guia: o dado concreto é que, de mansinho, o presidente da República colocou a carta da Constituinte no baralho do debate político.

Teme-se que o Lulismo deságue num Chavismo. Nessa batida, apareceu o Chaveco.

Eliane Cantanhêde:: Homem-bomba

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

BRASÍLIA - Durval Barbosa, que era policial, virou braço direito de Joaquim Roriz, bandeou-se para Arruda e virou o homem-bomba de Brasília, já fez o estrago que tinha de fazer.

Implodiu o governo do DF, feriu gravemente o DEM e atingiu o PSDB, o PPS e o PMDB lulista com estilhaços. Só o PT-DF e Kassab se dão bem. Por ora.

Um novo homem-bomba tende a surgir a partir de agora: o próprio Arruda. Ele pode não ter vídeos, mas sabe de muita coisa do DEM, que quer enxotá-lo; do PSDB, que já o expulsou na época da violação do painel do Senado; e do PMDB, que ele ganhou de Roriz num gordo leilão. E também sabe de outros Estados, de uma penca de empresas e de métodos de arrecadação e distribuição de dinheiro em política.

O Arruda derrotado na crise do Senado tinha perspectiva, calou-se e recomeçou indo de casa em casa do DF até voltar pelo voto majoritário. Já o Arruda soterrado por panetones não tem esse horizonte a curto nem a longo prazo. Se insistir, vai acabar engrossando a fila de mortos-vivos da Câmara.

Perdido por um, perdido por mil. Aquele Arruda engoliu em seco. Este de hoje está livre para soltar os cachorros e, se for por uma questão de caráter e compostura, o passado não o recomenda. É capaz de tudo.

Além do cálculo político, o silêncio de Roriz, a reação inicialmente comportada do DEM, do PSDB, do PMDB, do PT e até Lula lavando as mãos foram pausa para pensar, ou melhor, para esperar e ver o que -e quem- havia mais por trás da história e das câmeras ocultas de Barbosa. Sempre cabe mais um. O escândalo de Brasília é tenebroso, mas todos eles sabem que não deve ser muito diferente, só maior, do que acontece por aí afora.

O que faz toda a diferença é um vice trapaceiro, como o de Yeda Crusius, ou um assessor de duas caras, como o de Arruda-Roriz. No fundo, a crise não vem da roubalheira, vem do homem-bomba que explode os pactos.

Arruda pode ser mais um.

DEM jovem engrossa ''fora, Arruda''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Manifestantes do próprio partido e de outras correntes políticas lideram protestos pela derrubada do governador

Eduardo Nunomura

Quando a TV Globo definiu a ocupação da Câmara Legislativa do Distrito Federal como a "justa ira da cidadania", os manifestantes vibraram. Foi uma vitória perante a opinião pública, entenderam. Logo trataram de disparar mensagens pela internet. Era preciso engrossar e organizar o movimento, tentando se livrar das investidas dos partidos e sindicatos. Quanto mais apartidário, melhor. Eles só não imaginavam que, ainda que à distância, jovens democratas empunhassem a mesma bandeira pelo "fora, Arruda".

Num arroubo de autocrítica, militantes dos democratas vêm clamando pela queda de José Roberto Arruda. São jovens que usam a internet, sobretudo o Twitter, para condenar o único governador do partido e cobrar a sua expulsão. Foram eles que criaram no microblog tópicos como #panetonenao, #arrudagate e #DEMsemArruda. Nas frases curtas, as "tuitadas", expressavam a indignação: "Não vamos de panetone", "expulsão mesmo", "ele traiu a confiança de todos" e "a corrupção afasta, desencoraja e enoja".

"Pregamos a ética no mensalão do PT e por isso não podemos concordar com a permanência dele", sentenciou Diego Conti, de 24 anos. Assessor de um vereador do DEM em Suzano, Conti foi um dos que inundaram as caixas postais dos membros de seu partido na reunião de terça-feira. Ele ficou irado com o adiamento da decisão do destino de Arruda até a quinta-feira dia 10. "A Executiva é composta de gente mais velha, de atitudes mais conservadoras. Para melhorar, só uma geração sem cicatrizes e mágoas."

Na reunião da Executiva, o deputado Ronaldo Caiado (GO) e os senadores Agripino Maia (RN) e Demóstenes Torres (GO) recebiam "tuitadas" ensandecidas dos militantes e diziam defender a expulsão. Foram votos vencidos. "É uma postura baseada no estatuto, mas vai ter um peso político, que é a opinião pública se voltando contra nós", analisou o democrata Henrique Sartori, de 29 anos, professor universitário e um ex-cara-pintada que foi às ruas pelo impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. "Quando o PFL se propôs a mudar para DEM, quis a renovação e abriu espaço para a juventude. Mas não servimos simplesmente para carregar bandeira ou usar o apito."

Para o sociólogo Brasílio Sallum Jr., da USP, é ótimo que jovens democratas estejam se insurgindo, mais um sinal do descolamento entre partidos e sociedade. "As pessoas não se veem mais representadas pelo sistema político, que está anacrônico e não sobrevive sem a combinação de recursos legais e ilegais", analisou. "Já a sociedade progrediu no sentido de um mínimo de comprometimento e de mais transparência. A corrupção é o oposto disso."

RESISTÊNCIA

Os manifestantes decidiram ontem ignorar a ordem da Justiça de reintegração de posse e permanecer no prédio. Eles criaram uma rádio e um blog para divulgar o movimento, fortemente baseado em assembleias. A internet é a grande aliada. Mas também saíram às ruas para atrair mais pessoas. Aqueles que permaneciam em vigília eram em sua maioria universitários e secundaristas. Muitos até têm preferência por partidos de esquerda, mas a grande maioria repudiava a menção a eles e às centrais sindicais. "Essa é uma luta independente e as pessoas estão nos apoiando por isso", defendeu o apartidário Rafael Holanda Barroso, estudante de ciência política da Universidade de Brasília (UnB).

O cientista político Ricardo Caldas, da UnB, atesta a seriedade do movimento "fora, Arruda", capitaneado pelos estudantes. "Há uma indignação coletiva, mas muitos não sabem como agir ou protestar. Quando os jovens se organizam, outros começam a pensar que também podem estar lá."

Tâmara Jacinto, de 22 anos, que estuda relações públicas, resume os anseios do movimento:

"Não existe mais desinformação e o jovem virou independente. Não dá mais para acreditar que PT, PSDB e muito menos DEM sejam lindos, maravilhosos. Ninguém mais tolera corrupção e partidos."

Oposição sepulta ideia de antecipar candidato

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

PSDB e DEM temem impacto da crise nas pesquisas

Marcelo de Moraes

O escândalo do "mensalão do DEM" no Distrito Federal já impactou os planos da oposição para a disputa presidencial do ano que vem. A crise sepultou o debate sobre a antecipação do lançamento da candidatura, esvaziou o papel do DEM dentro da aliança nacional com o PSDB e será um tema desconfortável que o candidato escolhido precisará administrar durante toda a campanha de 2010.

Além disso, a crise explodiu no período em que o governador de São Paulo, o tucano José Serra, lidera com folga todas as pesquisas de intenção de voto. Representantes de PSDB e DEM temem que as denúncias possam provocar algum tipo de reflexo negativo já nas próximas pesquisas, reduzindo a margem de vantagem que Serra tem sobre a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, a pré-candidata do PT à sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para piorar esse cenário, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu abrir, na semana passada, processo criminal contra o senador mineiro Eduardo Azeredo (PSDB), que será julgado pelo caso que ficou conhecido como "mensalão tucano".

Azeredo chegou a ser presidente nacional do PSDB, o que empurra para a campanha tucana a carga negativa de ter integrantes do partido respondendo a acusações desse tipo.

MENSALÃO PETISTA

Na campanha passada, o PSDB criticou a candidatura à reeleição de Lula por causa do envolvimento dos partidos aliados no escândalo do "mensalão petista", abastecido pelo empresário Marcos Valério. Lula e o PT foram pressionados a apresentar explicações sobre as denúncias.

A situação da oposição é pior, pela existência de vídeos e áudios com integrantes do DEM recebendo dinheiro vivo, o que não aconteceu nos escândalos anteriores, onde apenas um técnico, como o funcionário dos Correios Maurício Marinho, é flagrado ganhando propina.

"A existência de vídeo e áudio é um complicador político a mais", reconhece o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ). Ele era justamente um dos maiores críticos da indefinição da candidatura presidencial de oposição. Não escondia sua preferência pelo governador de Minas Gerais, Aécio Neves (PSDB), mas aceitava apoiar Serra, desde que houvesse definição até janeiro.

Agora, bombardeado pela crise, que atinge diretamente o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), um de seus principais aliados, Maia admite que essa discussão "morreu".
"Não existe clima para falar sobre esse assunto. O partido, agora, precisa se preocupar em cuidar de seus próprios problemas, que são extremamente sérios. Depois, podemos retomar essa discussão."

JOGO DE PRESSÕES

O escândalo fez com que os próprios tucanos parassem de pressionar o partido por uma decisão em torno da candidatura. Agora, acham que é até melhor esperar para definir o assunto e evitar que o candidato escolhido acabe sendo contaminado politicamente pelo problema.

No fim de novembro, o comando nacional do PSDB reuniu em Brasília os presidentes dos diretórios estaduais para avaliar o andamento das candidaturas regionais. A maioria dos tucanos defendeu que a candidatura fosse definida, no máximo, até janeiro. A posição foi defendida até pelo presidente do diretório do PSDB no Distrito Federal, Márcio Machado, que era o secretário de Obras do DF e foi um dos envolvidos no escândalo que implodiu o governo local. Na última sexta-feira, ele se licenciou do cargo na legenda.

Se o problema com o único governador do DEM serviu para frear as pressões que o partido fazia sobre o PSDB, trouxe também efeitos colaterais. O primeiro é o desgaste da oposição como um todo, pelo envolvimento de um quadro expressivo em um escândalo de grande impacto na opinião pública.

REVERTER DESGASTE

"A conclusão clara é que o ano de 2010 abre contra a oposição e a favor da do governo. Isso exige que se gaste menos tempo com notinhas e vazamentos e muito mais com talento e esforço para se avaliar de que forma se minimiza o impacto ou mesmo se o reverte", analisa o ex-prefeito do Rio César Maia (DEM).

Outro efeito colateral é um desgaste na relação entre o PSDB e o DEM. Os dirigentes do DEM reclamam que os tucanos não tiveram "solidariedade" com o partido, organizando reuniões às pressas para exigir que seus filiados deixassem obrigatoriamente os cargos que ocupavam no governo Arruda.

O atrito produz desconforto, mas não ameaça a aliança em 2010, segundo lideranças. Há jurisprudência política. Na campanha de 2002, a então governadora do Maranhão, Roseana Sarney, era pré-candidata do então PFL e disparava nas pesquisas. Até que uma operação da Polícia Federal apreendeu R$ 1,34 milhão na sede de uma das empresas que ela possui com seu marido, Jorge Murad. A foto do dinheiro e a dificuldade para explicar a sua origem abateu a candidatura de Roseana.

Os pefelistas acusaram o então candidato tucano, José Serra, de ligação com a denúncia e ameaçaram romper. Poucos meses depois, porém, já estavam alinhados com o tucano, pedindo votos para o candidato.

Alberto Dines:: Viva o horror!

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Dádiva dos deuses, brinde dos fados, generosidade do destino ter o privilégio de abrir o jornal nesta sexta-feira e ler o seguinte desabafo:

"O que ocorre no País neste instante é inclassificável. É trágico, deprimente, inconcebível, sob todos os ângulos. Mas acredito que o grande responsável por tudo isso esteja passando incólume, etc. etc."

Quem teve a coragem de expressar publicamente tamanha indignação? A quem pertence esta voz embargada, encorpada pela ira sagrada, quem é este novo e bravo Quixote pronto para investir contra a imoralidade nacional?

Pasmem, apertem os cintos, reprimam o espasmo de vômito: o autor da ode em defesa da decência e da probidade é conhecido nacionalmente como José Sarney e desde fevereiro passado tornou-se o símbolo inconteste da indecência e da improbidade. Com esta peça extraída da sua mais recente arenga semanal na Folha de S.Paulo, o imortal escritor e vice-rei do Brasil dispensa-se para sempre de pegar no lápis, caneta ou teclado e redigir qualquer coisa, mesmo um cheque. Tríplice coroado: ganhou instantaneamente o Nobel do Cinismo, Oscar da Hipocrisia e Pulitzer da Dissimulação.

O que levou Sarney a perder o pudor e tirar a máscara de vítima da imprensa raivosa foi o grandioso espetáculo brasiliense, o maior show de corrupção já exibido neste País. O super-delator Durval Barbosa, o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, seus asseclas no governo, na Câmara Legislativa e no Judiciário são merecedores da nossa eterna gratidão. Ingênuos, imaginamos que depois do mensalão de 2005 encerrava-se um capítulo da nossa história. Já no ano seguinte, de forma ainda mais descarada e vil, começou a operar a gangue planaltina, cangaceiros do concreto.

Sarney colocou a culpa no nosso sistema eleitoral (que o elegeu como senador de uma capitania onde raramente coloca os pés, o Amapá, e mantém a sua família dona de outra, o Maranhão). Esqueceu de mencionar a pseudo-democracia oriunda de um sistema político degenerado que fabrica e fortalece partidos geneticamente devassos concebidos para vender votos em troca de verbas.

Sarney como sempre está errado: o Circo Arruda deve ser louvado, o desfile de vexames precisa ser abençoado. O País só erradicará esta vocação para a malfeitoria quando os escândalos tornarem-se efetivamente insuportáveis. Ainda conseguimos conviver com eles, achando graça quando apareceram dólares em cuecas e reais em meias.

O presidente do Congresso, refinado malandro, finge-se de santo, não quer mais escândalos. Na realidade teme que respinguem nele. Nós, ao contrário, queremos mais revelações aterradoras, quanto mais escabrosas, profundas e amplas, melhor. Só elas nos conduzirão à purgação saneadora. À pizza convencional acrescentaram-se agora os panetones, mas faltam os simbólicos brioches que antecipam a guilhotina. Chegaremos lá.

Por ora, convenhamos: a semana foi pródiga. O nome do presidente da Câmara Federal, Michel Temer, finalmente reapareceu numa lista de suspeitos por recebimentos ilícitos. Desde a morte do senador ACM, o jurista-deputado mantinha-se longe dos holofotes acalentando o sonho de ser vice na chapa de Dilma Rousseff. Agora terá que explicar-se.

Dádiva das dádivas: além da veneranda acusação de corrupto, Paulo Maluf foi finalmente enredado como criminoso comum, cúmplice da repressão durante a ditadura. Ao lado do senador-xerife Romeu Tuma, está sendo responsabilizado pela ocultação de corpos de presos políticos.

E, para completar, a sublime condenação do casal de bispos, Sonia e Estevam Hernandez, donos da igreja Renascer S.A.: quatro anos de reclusão ou penas alternativas. O importante é que deixam de ser primários, no próximo deslize vão para o inferno.

Este circo de horrores não deve ser interrompido. É preciso mantê-lo aberto, contínuo, feérico, intenso. José Roberto Arruda, o reincidente, é o exemplo vivo da grande impunidade.

» Alberto Dines é jornalista

Partidos vão deixar discurso da ética de lado

DEU EM O GLOBO

CORRUPÇÃO DOCUMENTADA: "Isso pode dar condições para candidatos do "rouba, mas faz" ganharem espaço"

Depois dos mensalões do PT, do DEM e do PSDB, candidatos devem evitar o tema nas eleições de 2010

Chico de Gois

BRASÍLIA. O bordão "Ética na política", que ganhou amplitude no Brasil na época do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, não tem mais porta-voz no meio partidário. Depois do PT, que durante anos utilizou a frase como se fosse sua e depois foi flagrado praticando mensalão, outros partidos que quiseram segurar a bandeira caíram no mesmo erro. Caso do PSDB e do DEM, as duas principais legendas de oposição ao PT. Nas eleições do ano que vem, não deverão ser os candidatos de grandes partidos que se prestarão ao discurso da cobrança da ética. Esse papel, dizem especialistas e reconhecem os próprios políticos, será da sociedade.

Depois de o PT ver figurões do partido arrastados pelo escândalo do mensalão, em 2005, o PSDB viu um de seus senadores, o mineiro Eduardo Azeredo, ser levado ao banco dos réus, no Supremo Tribunal, por prática semelhante. Poucos dias antes, o DEM foi calado pelo escândalo envolvendo o governador José Roberto Arruda e seus aliados no Distrito Federal.

Os partidos já não darão o destaque que o tema corrupção merece em rede nacional de rádio e TV, segundo avaliação de especialistas. O que dará margem a que candidatos de pequenos partidos queiram levantar a voz da ética, para atrair votos. Para o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB), apesar de a ética ainda influenciar o voto do eleitor, a sucessão de escândalos envolvendo os principais partidos cria uma sensação de terra arrasada, onde todos se igualam por baixo:

- Isso é grave, porque pode dar condições para candidatos identificados com o "rouba, mas faz" ganharem espaço.

Ao mesmo tempo em que se igualam nos escândalos de corrupção, os partidos que vão disputar votos em 2010 tentam reconstruir seus discursos. Já está ficando comum os políticos, para negarem irregularidades graves, admitirem um crime eleitoral, como o caixa dois. O líder do PT na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP), por exemplo, diz que o PT não praticou mensalão, mas caixa 2. E ataca o DEM:

- Eles nunca tiveram moral para levantar esta questão da ética na política.

Vaccarezza afirma ser contra o que considera a tentativa de alguns setores de jogar todos os políticos e partidos numa vala comum. O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), um dos que sempre ocupam os microfones para cobrar ética - inclusive agora, no episódio envolvendo Arruda, seu colega de partido - afirma que não abandonará essa bandeira:

- Vou explorar esse tema na campanha. Não vou varrê-lo para debaixo do tapete.

Pedro Simon (PMDB-RS) não vê muita possibilidade de melhora a curto prazo. Pelo contrário. Ele avalia - a partir das imagens mostrando Arruda e deputados distritais recebendo dinheiro - que os corruptos vão aperfeiçoar suas técnicas.

'Não há espaço para um Obama entre nós'

DEU EM O GLOBO
Entrevista Ricardo Lagos


Ex-presidente chileno Ricardo Lagos diz que sistema político dos países da região exclui forasteiros das cúpulas partidárias

Há quase quatro anos longe do poder, o ex-presidente do Chile Ricardo Lagos (2000-2006), um dos dirigentes políticos mais populares e respeitados de seu país, acompanha com entusiasmo, mas também um pouco de preocupação, a campanha eleitoral local — o primeiro turno será no dia 13 de dezembro. Apesar de reconhecer que a Concertação (aliança entre socialistas e democratas-cristãos que governa o país desde 1990) não resolveu da forma mais adequada sua candidatura presidencial ao escolher o ex-presidente Eduardo Frei, provocando a saída e posterior candidatura independente do socialista Marco Enríquez-Ominami, o ex-presidente, também socialista, assegura que a coalizão não está chegando ao fim. “Temos uma Concertação que, independentemente do resultado eleitoral, deverá repensar-se. A grande questão é saber se será a mesma ou será diferente”, admitiu Lagos ao GLOBO, durante uma rápida visita à capital argentina para participar do Foro Ibero-Americano.

Janaína Figueiredo Correspondente BUENOS AIRES

O GLOBO: Durante o foro foi discutida a situação dos países da região?

RICARDO LAGOS: Debatemos sobre a importância de defender a institucionalidade dos partidos políticos, os mecanismos de designação de candidatos.Também falamos sobre como estabelecer mecanismos para que realmente exista um equilíbrio de poderes, e que isso não seja motivo de debate. Por último, também conversamos sobre os sistemas de participação da sociedade civil. São elementos centrais para ajudar na renovação de nossos dirigentes. Se não existisse o primeiro destes elementos, não existiria o senhor (Barack) Obama nos Estados Unidos. Em nossos países, de fato, não existe espaço para um Obama porque se você não está na cúpula partidária fica de fora. Obama é um forasteiro da cúpula partidária. O caso chileno é típico.

O senhor está se referindo ao fenômeno Ominami?

LAGOS: Acho que o assunto (Ominami) foi mal administrado politicamente.

O prejuízo foi grande para a Concertação, porque a candidatura de Ominami atrapalhou a de Frei...

LAGOS: Claro, finalmente (a candidatura de Ominami) terminou sendo a expressão de uma cidadania que está dizendo “não gostei de como este problema foi resolvido”. Não estou desmerecendo a candidatura de Enríquez-Ominami, simplesmente estou dizendo que ele foi um veículo através do qual as pessoas se expressaram. E este assunto não é debatido em nossos países, que deveriam entender que é necessário estabelecer mecanismos de renovação de nossos dirigentes.

Venezuela, Bolívia ou Argentina vão entender?

LAGOS: São países nos quais a liderança do Executivo é muito forte e não se pensa no momento em que essas lideranças deixem de existir. Mas também é importante destacar que em todos os nossos países foi respeitada a sucessão presidencial. Eu (durante meu mandato) cheguei a conversar com seis presidentes bolivianos, o último era o presidente da Corte Suprema. Existe uma institucionalidade modesta, neste sentido, que nos obriga a avançar um pouco mais.

Sua decisão de não aceitar uma nova candidatura presidencial é um exemplo?

LAGOS: Sim, recebi propostas e disse que de forma alguma aceitaria.

Em fevereiro, o governo venezuelano organizou um referendo sobre a proposta chavista de reeleição indefinida...

LAGOS: Isso é o que, a longo prazo, faz com que alguns países sejam pouco previsíveis. Alguns países estão mais avançados e outros, atrasados. Alguns países consideram que o problema de suas lideranças está resolvido por um bom tempo, outros consideramos que as lideranças devem ser renovadas a cada cinco ou seis anos. São estilos.

O fenômeno Ominami representa o fim da Concertação?

LAGOS: Não, de forma alguma. A Concertação foi muito bem sucedida durante 20 anos e transformou o país. Há 20 anos a pobreza era de 40%, e hoje caiu para 13%. Não podemos nos esquecer desses 13%, mas temos de ouvir os 25% que superaram a pobreza e hoje têm novas demandas. Um país com mais liberdades, com novos conceitos de família tradicional. Sofremos uma mudança cultural muito importante. A eleição de Michelle Bachelet foi uma grande mudança, e agora as demandas do país são diferentes. Por isso temos uma Concertação que, independentemente do resultado eleitoral, deverá repensar-se. A grande questão é saber se será a mesma ou será diferente. Mas a Concertação não está esgotada. Depois de passar da ditadura à democracia, agora temos de enfrentar uma nova transição.

A Concertação continuaria de pé mesmo com uma eventual vitória de (Sebastián) Piñera (candidato da direita)?

LAGOS: Não termina, deverá transformar-se.

O senhor deixou o governo com 70% de popularidade, mas a eleição de Bachelet foi complicada. Hoje, a presidente tem uma imagem positiva também muito alta, mas a direita tem grandes chances de vencer. O problema é a Concertação?

LAGOS: É complexo. A Concertação são dois partidos políticos e sempre a avaliação do governo é melhor do que a dos partidos políticos.
O segundo turno será entre Piñera e Frei ou Piñera e Ominami?

LAGOS: Tudo indica que será entre Piñera e Frei.

Seu coração não está nem um pouquinho do lado de Ominami?

LAGOS: (risos) Os corações devem estar em função de um projeto político. E o projeto político é a Concertação.

Caça às bruxas dentro do BB

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Aparelhamento petista pode dar prejuízo milionário

Uma série de demissões e outras medidas que atropelaram as normas internas do Banco do Brasil, ordenadas pelo diretor jurídico - vinculado ao PT - dividiu a cúpula do partido e pode gerar um prejuízo à instituição calculado em R$ 30 milhões somente em indenizações por assédio moral. Os alvos da caça às bruxas eram advogados ligados ao antecessor nomeado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). O diretor jurídico, Joaquim Pontes de Cerqueira César, deixou o cargo esta semana.

O aparelhamento que custa caro

Vasconcelo Quadros, Jornal do Brasil

BRASÍLIA - Em raros momentos da história brasileira o aparelhamento político causou tanto transtorno quanto o sofrido pelo Banco do Brasil nos últimos meses por causa de uma série de ações supostamente irregulares contra servidores para abrir espaço a apadrinhados.

– Ainda é cedo para dimensionar os valores, mas só em indenizações por assédio moral calculo em mais ou menos R$ 30 milhões o que está sendo pedido – diz o advogado Luiz Antônio Castagna Maia, autor de uma das ações em que o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Brasília (SEEB) responsabiliza a instituição. A alegação é a de que houve um massivo processo de assédio moral e coação envolvendo como vítimas cerca de 40 advogados da Diretoria Jurídica do banco, o setor que tem a obrigação de zelar pelas práticas regulares na defesa do patrimônio do banco estatal.

A temporada de caça aos cargos comissionados do Banco do Brasil começou em abril de 2007, com a indicação do advogado paulista Joaquim Portes de Cerqueira César para a chefia do Dijur, como é chamado o setor no meio jurídico. Homem de confiança de estrelas cintilantes no PT, como o ex-ministro da Comunicação Luiz Gushiken e o deputado Ricardo Berzoini (SP), presidente nacional do partido e originário do setor bancário, Cerqueira César implantou uma política de “caça às bruxas” atrás dos cargos comissionados. Muitos deles estavam com advogados ligados ao ex-diretor jurídico do banco, João Otávio Noronha, hoje ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cuja indicação, em 2001, foi apoiada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e pela cúpula do PSDB.


O problema é que o advogado do PT, para pegar de volta os cargos comissionados, atropelou uma série de normas internas e acabou semeando uma paranóia em todo o Dijur, formado por cerca de 400 advogados em todo o país. Na petição em que pede abertura de uma ação civil pública para indenizar e reconduzir os perseguidos o advogado do sindicato lista várias ações irregulares: demissão em massa envolvendo todo o departamento jurídico de algumas regionais – como Maranhão e Rio Grande do Norte –, pressão pública para que outros advogados pedissem dispensa dos cargos, rebaixamento de funções em comissões e a ocupação desses cargos violando o regulamento interno do banco.

As denúncias vinham pipocando há meses, mas Cerqueira César, graças aos padrinhos, vinha conseguindo se manter no cargo. No dia 30 de novembro, o Conselho de Administração do Banco do Brasil, respaldado pelo Palácio do Planalto, decidiu afastá-lo do cargo, colocando em seu lugar o bancário de carreira Orival Grahl. Foi o fim de uma queda de braço dentro do próprio governo envolvendo Berzoini e o secretário particular do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho.

– Foi um ataque de assédio moral em massa. O Conselho deve ter percebido o tamanho do estrago – diz o advogado Castagna Maia.

Instituição secular, o Banco do Brasil não sofreu apenas prejuízo moral com o caso: só na causa do sindicato, a indenização pedida é de R$ 1 milhão, mas há outras 30 tramitando nos estados. O banco já apresentou sua defesa contestando a ação do sindicato onde procura rebater os argumentos dos advogados.

Além das ações perdidas pelo próprio banco, a qualidade da defesa jurídica da instituição também estava caindo, levando o banco a derrotas jurídicas. No Rio Grande do Norte, no período em que toda a diretoria jurídica foi demitida, em julho do ano passado, o Banco do Brasil foi julgado à revelia em pelo menos três processos porque não havia advogados nas audiências. Uma decisão judicial já reintegrou os demitidos e criou uma situação inusitada: como as vagas foram preenchidas, a regional ficou com duas equipes.

Funcionário da instituição, Joaquim Portes de Cerqueira César assumiu cargo de direção em 2003, na regional de São Paulo. Petista de carteirinha, só não foi guindado ao posto maior porque o primo, José Luiz Cerqueira César, conhecido como “Mexerica da Libelu” (referência a uma das organizações de esquerda paulista, a Liberdade e Luta), outro quadro partidário, assumiu a vice-presidência do Departamento de Tecnologia da instituição, em Brasília. “Mexerica” deixou o cargo em setembro de 2006 e, seis meses depois, Cerqueira César foi promovido ao comando da Dijur.

Levou com ele sócios do escritório de advocacia, o Cerqueira César Advogados Associados e colegas da entidade que dirigia, o Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas (IBCJ), entre eles Márcia Rocco Castilho, Edson Magnani, Paulo César Guerche e José Augusto Carvalho, que figuram na lista de doadores da campanha do deputado Ricardo Berzoini em 2006, cada um deles com R$ 9 mil. Um dos advogados que se diz perseguido por Cerqueira César, César Yokio Yokoyama, segundo descreve Maia na petição encaminhada à Justiça, gravou as pressões exercidas pelo ex-diretor jurídico e Márcia Rocco de Castilho para que pedisse dispensa do cargo comissionado na regional paulista.

Yokoyama foi rebaixado duas vezes e depois, com a saúde abalada, segundo ele, pela perseguição, transferiu-se para Curitiba. Na denúncia, ele diz também que a contratação do IBCJ pela regional de São Paulo foi irregular, sem licitação, e pede que a Justiça apure o caso.

Fernando Henrique Cardoso:: O desafio das drogas

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Um dos temas mais difíceis do mundo contemporâneo é o que fazer com o uso de drogas. Existem algumas comprovações bem estabelecidas sobre a questão. Se é verdade que sempre houve consumo de diferentes tipos de drogas em culturas muito diversas - embora não em todas -, não menos verdade é que ele no geral se deu em âmbito restrito e socialmente regulamentado, principalmente em cerimônias rituais. Não é esse o caso contemporâneo: o uso de drogas se disseminou em vários níveis da sociedade, com motivações hedonísticas; no mais das vezes, sem aprovação social, embora, dependendo da droga, haja certa leniência quanto aos usuários.

Sabe-se também que todas as drogas são nocivas à saúde, mesmo as lícitas, como o álcool e o tabaco. E que algumas são mais nocivas do que outras, como a heroína e o crack. A discussão sobre se o consumo de drogas mais fracas induz ao de outras mais fortes é questão médica sobre a qual não há consenso. Para fins de política pública o importante a reter é que as drogas produzem consequências negativas tanto para o usuário quanto para a sociedade e que reduzir ao máximo o seu consumo deve ser o principal objetivo.

A discussão, portanto, é sobre diferentes estratégias para atingir o mesmo objetivo. Até agora a estratégia dominante tem sido a chamada "guerra às drogas". Foi sob a sua égide, sustentada fundamentalmente pelos Estados Unidos, que as Nações Unidas firmaram convênios para generalizar a criminalização do uso e a repressão da produção e do tráfico de drogas.

Decorridos dez anos, a agência da ONU dedicada às drogas reuniu-se este ano em Viena para avaliar os resultados obtidos pela política de "guerra às drogas". Simultaneamente, na Europa e na América Latina, comissões de personalidades independentes fizeram o mesmo, apoiando-se em análises preparadas por especialistas. Eu copresidi com os ex-presidentes da Colômbia e do México, respectivamente César Gaviria e Ernesto Zedillo, a comissão latino-americana.

Nossa conclusão foi simples e direta: estamos perdendo a guerra contra as drogas e, a continuarmos com a mesma estratégia, conseguiremos apenas deslocar campos de cultivos e sedes de cartéis de umas para outras regiões, sem redução da violência e da corrupção que a indústria da droga produz. Logo, em lugar de teimar irrefletidamente na mesma estratégia, que não tem conseguido reduzir a lucratividade e, consequentemente, o poderio da indústria da droga, por que não mudar a abordagem? Por que não concentrar nossos esforços na redução do consumo e na diminuição dos danos causados pelo flagelo pessoal e social das drogas? Isso sem descuidar da repressão, mas dando-lhe foco: combater o crime organizado e a corrupção, em vez de botar nas cadeias muitos milhares de usuários de drogas.

Em todo o mundo se observa um afastamento do modelo puramente coercitivo, inclusive em alguns Estados americanos. Em Portugal, onde desde 2001 vigora um modelo calcado na prevenção, na assistência e na reabilitação, diziam os críticos que o consumo de drogas explodiria.

Não foi o que se verificou. Ao contrário, houve redução, em especial entre jovens de 15 a 19 anos. Seria simplista, porém, propor que imitássemos aqui as experiências de outros países, sem maiores considerações.

No Brasil, não há produção de drogas em grande escala, exceto maconha. O que existe é o controle territorial por traficantes abastecidos principalmente do exterior. Dada a miserabilidade e a falta de emprego nas cidades, formam-se amplas redes de traficantes, distribuidores e consumidores que recrutam seus aderentes com facilidade. O País tornou-se um grande mercado consumidor, alimentado principalmente pelas classes de renda média e alta, e não apenas rota de passagem do tráfico. Enquanto houver demanda e lucratividade em alta será difícil deter a atração que o tráfico exerce para uma massa de jovens, muitos quase crianças, das camadas pobres da população.

A situação é apavorante. O medo impera nas favelas do Rio. Os chefões do tráfico impõem regras próprias e "sentenciam", mesmo à morte, quem as desrespeita. A polícia, com as exceções, ou se "ajeita" com o tráfico ou, quando entra, é para matar. A "bala perdida" pode ter saído da pistola de um bandido ou de um policial. Para a mãe da vítima, muitas vezes inocente, dá no mesmo. E quanto à Justiça, não chega a tomar conhecimento do assassinato. Quando o usuário é preso, seja ou não um distribuidor, passa um bom tempo na cadeia, pois a alegação policial será sempre a de que portava mais droga do que o permitido para consumo individual. Resultado: o usuário será condenado como "avião" e tanto quanto este, ao sair, estigmatizado e sem oferta de emprego, voltará à rede das drogas.

É diante dessa situação que se impõem mudanças. Primeiro: o reconhecimento de que, se há droga no morro e nos mocós das cidades, o comércio rentável da droga é obtido no asfalto. É o consumo das classes médias e altas que fornece o dinheiro para o crime e a corrupção. Somos todos responsáveis. Segundo: por que não "abrir o jogo", como fizemos com a aids e o tabaco, não só por intermédio de campanhas públicas pela TV, mas na conversa cotidiana nas famílias, no trabalho e nas escolas? Por que não utilizar as experiências dos que, na cadeia ou fora dela, podem testemunhar as ilusões da euforia das drogas? Não há receitas ou respostas fáceis. Pode-se descriminalizar o consumo, deixando o usuário livre da prisão. As experiências mais bem-sucedidas têm sido as que vêm em nome da paz, e não da guerra: é a polícia pacificadora do Rio de Janeiro, não a matadora, que leva esperança às vítimas das redes de droga. Há projetos no governo e no Congresso para evitar a extorsão do usuário e para distinguir gradações de pena entre os bandidos e suas vítimas, mesmo quando "aviões", desde que sejam réus primários.
Vamos discuti-los e alertar o País.

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, foi presidente da República

Rubens Ricupero:: Arrogância e falta de medida

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Não faria mal à diplomacia brasileira escolher com mais cuidado os amigos e as causas que patrocina

TIVE UM choque ao ouvir de ex-colega da ONU que o Brasil começa a parecer arrogante no exterior. "Vocês não eram assim; agora se comportam às vezes com a petulância de novos-ricos!" Minha primeira reação foi descartar a observação como fruto de algum episódio isolado. E se for verdade, pensei depois? Meu amigo é dos mais argutos analistas internacionais e seus exemplos me abalaram a tranquilidade.

Na raiz dessa percepção, está a irritação crescente com o protagonismo excessivo do nosso presidente, a frenética e incessante busca dos holofotes, a tendência de meter-se em tudo, com boas razões ou sem nenhuma. Acaba por irritar outros presidentes, que se cansam de servir de figurantes ao brilho de nossa liderança. Chega a hora em que os demais não aparecem para a festa, como sucedeu na recente reunião de presidentes amazônicos em Manaus. Veja-se o contraste com a sobriedade e o realismo da China. Na recente visita de Barack Obama, o primeiro-ministro Wen Jiabao lhe disse, segundo a agência oficial, que "a China discorda da ideia de um G2, pois ainda é um país em desenvolvimento e precisa manter a mente sóbria". Lamenta, mas não pode ajudar a resolver os problemas do Oriente Médio, do Afeganistão ou de outros lugares porque está muito ocupada em solucionar os próprios.

Imagine como teríamos reagido se a oferta do G2 tivesse sido feita a nós? O pragmatismo dos chineses significa que eles reservam os meios que possuem (bem superiores aos nossos) para o essencial: o comércio, a tecnologia, as ameaças do entorno asiático onde podem ser decisivos. A diferença em relação à política externa do Brasil revela muito sobre eles e sobre nós.

Queremos ser mediadores no Oriente Médio e em Honduras, onde nossa influência é quase zero, enquanto a Unasul, que fundamos, completa um ano sem conseguir eleger o secretário-geral (Néstor Kirchner é vetado pelo Uruguai) nem encaminhar os conflitos que se multiplicam entre os membros. O erro não é querer ter um papel útil, mas fazê-lo de modo desastrado, sem medida nem coerência. A mesma diplomacia que não suja as mãos em contatos com o governo de fato hondurenho abraça o sinistro presidente iraniano, indiferente à negação do Holocausto, à fraude eleitoral, às torturas e condenações à morte de opositores.

Nosso "timing" não é melhor do que nossa consistência. Recebemos Mahmoud Ahmadinejad na véspera de sua condenação pela Agência Internacional de Energia Atômica com os votos da China e da Rússia. Provavelmente amaciado pelos bons conselhos do Brasil, ele anunciou que vai construir mais dez usinas de urânio. Somos candidatos a posto permanente no Conselho de Segurança, mas assinamos oito acordos com país que está sob sanções do Conselho!

Não nos faria mal escolher com mais cuidado os amigos e as causas que patrocinamos.

Tampouco perderíamos se deixássemos algum espaço para os que já nos olham com receio devido a nosso tamanho incômodo e potencial futuro. Ao conseguir convencer o secretário de Estado dos Estados Unidos a vir ao Rio de Janeiro para a conferência interamericana de 1906, Rio Branco insistiu para que visitasse também Montevidéu, Buenos Aires e Santiago, "a fim de dissipar ciúmes e prevenções, afagando o amor próprio" dos hispano-americanos. Ele sabia que "a inveja é a sombra da glória", verdade que parece termos esquecido.

Rubens Ricupero , 72, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). Escreve quinzenalmente, aos domingos, nesta coluna.

Vinicius Torres Freire:: Brasília fica lá no Brasil

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Brasília tem seus horrores típicos, mas também serve de entreposto de transações de taras e selvagerias nacionais

VOLTOU À MODA xingar Brasília. Em São Paulo, o desprezo misturado a repugnância é enorme. Brasília, além de palco central da corrupção, é a capital do (resto do) Brasil, esse país tido como esquisito ou apenas turístico por muito paulista mais bem posto na vida.

Embora desbotada pelos anos e pelo ridículo xenófobo da coisa, a mitologia do trem a carregar o Brasil sobrevive como um baixo contínuo a zunir na memória dos paulistas.

Mais recentemente, a mitologia ganhou verniz mercadista. Isto é, São Paulo como praça-forte da iniciativa privada e da finança moderna, cosmopolita, Nova York com Califórnia e Miami, Estado expropriado pela burocracia incapaz, pelas derramas de impostos e pelo país atrasado, mas centro cultural brasileiro. Releva-se que, apesar de USPs e tantos "eventos culturais", as notas dos estudantes daqui sejam piores que as de meninos de outros lugares do país, que de resto se diverte com novelas da TV Globo do Rio.

Isto posto, São Paulo é um dos poucos lugares em que não se veem aquelas placas do governo federal que decoram obras em cacimbas, estradas ou universidades pelo Brasil.

Enfim, a economia moderna apareceu aqui, na comunhão de industriais meio brucutus com burocratas desenvolvimentistas de todo o país reunidos na antiga capital, o Rio.

O PIB per capita do Distrito Federal é quase o triplo da média brasileira, o que causa escândalo, mas resulta apenas de a cidade ser um centro político criado na poeira do cerrado, sem história ou economia. Se Brasília foi um erro, agora é incontornável. Há muita corrupção puramente local?

Pode ser, pois lá as empresas servem quase apenas ao governo -trata-se mais de um caso de especialização. Os desclassificados maiores da política que adoramos detestar atuam no palco brasiliense? A seleção do elenco é feita em todo país, com variações regionais no mau gosto. Por falar nisso, a cidade cantada pela arquitetura é uma mistura de prédios comerciais feios, como os de quase todo o país, com lugares semelhantes a cemitérios de faraós em que foram plantados megálitos soviéticos, como a esplanada dos ministérios. O acabamento de prédios menos feios é ruim; a cidade parece precocemente podre graças à má qualidade da mão de obra e da falta de cuidado das empresas que a construíram, feiura e falta de capricho tipicamente brasileiras. E a cafonice política, sim, empesteia a cidade.

Mas Brasília não é uma "síntese do Brasil". Está mais para vitrine e entreposto de transações de taras e selvagerias nacionais. Em São Paulo se diz, sardonicamente, que há muito corrupto primitivo em Brasília e no resto do país, gente que esconde dinheiro nas partes, com parentelas extensas e agregados de casa grande, de nomes exóticos. Aqui, centro da finança, lava-se mais branco e tecnicamente o dinheiro sujo. Daqui saem o grosso da verba que cimenta a comunhão de empresa e Estado e as tecnologias de corrupção. Aqui se compram decretos, votações e contrabandos em leis com fundos que ajudam a sustentar coronelatos e caciquias das regiões mais selvagens ou decadentes do país, a nossa versão de sempre de "desenvolvimento desigual e combinado" (atenção, é sarcasmo). Tudo assentado na vasta ignorância da vasta tigrada.

Entristetecer - Poema

Graziela Melo

Quero
Entristecer
Hoje,
Agora

Ao pôr
do sol...
E que
Perdure
A tristeza

Até
Que
Adormeça

Em
Lágrimas

Debaixo
Do llençol!

Quero
Fazer
As pazes

Com
A solidão

E

Em
Silêncio

Ouvir
O ritmo

Triste
Silente

Dolorido
Persistente

Do meu
Próprio
Coração...

Ouvir
Suas
Queixas

Seus
reclamos...

Fechar
Os olhos

Entristecidos

Dormir
Ao som

Alado

Fugidio

Quase
Calado

Dos meus
próprios

Gemidos...

Miles de personas despiden y cantan a Víctor Jara en un funeral popular

DEU NO EL PAIS

El cantautor chileno recibe el homenaje popular 36 años después de su asesinato

Manuel Délano - Santiago - 05/12/2009

Más de 12.000 personas acompañaron ayer el cortejo fúnebre de quien 36 años después de ser torturado y asesinado por los militares pudo recibir homenaje y despedida. La viuda del cantautor, director teatral y versátil artista chileno Víctor Jara le había dado sepultura de manera semiclandestina en septiembre de 1973, acompañada de dos personas, en un modesto nicho del Cementerio General, el mayor de Santiago. Fuera del camposanto, la capital vivía bajo el miedo y la persecución de la dictadura del general Augusto Pinochet.

A Víctor Jara lo devolvieron ayer al mismo nicho donde estuvo todos estos años, pero ahora llegó rodeado del cariño popular, junto a una multitud que conocía bien su figura y entonaba sus canciones.

Fue una marcha más alegre que fúnebre, sin incidentes ni vigilancia policial, que recorrió a pie y paso lento unas 40 cuadras durante más de cinco horas bajo el inclemente sol primaveral de Santiago. Fue el recital que esta vez miles de chilenos quisieron brindarle a Víctor Jara.

El juez que investiga el crimen de Jara resolvió en junio exhumar los restos del cantautor para someterlo a exámenes forenses en los que se determinó que murió por múltiples disparos después de ser torturado. Al finalizar las pericias y devolver los restos a su viuda, Joan Turner, y a sus hijas Manuela y Amanda, ellas y la Fundación Víctor Jara, que cuida de la memoria del artista, resolvieron brindarle el funeral y un velatorio de dos días, como el que merecía el autor de piezas antológicas como Te recuerdo, Amanda, El cigarrito y Manifiesto, que muchos artistas han incorporado en sus repertorios.

La carroza fúnebre no iba en cabeza del cortejo, como es lo habitual, sino en medio de la multitud, como un signo democrático más, rodeada por una guardia de honor. Cientos de coronas iban apiladas en un camión que transitaba delante. Al paso del cortejo, gentes agolpadas en las aceras le arrojaban claveles y rosas rojas.

Al salir de la Fundación Jara, el ataúd fue cargado a hombros por varios de los que fueron de los mejores amigos del cantautor, entre ellos algunos miembros del conjunto Inti Illimani. En uno de los edificios céntricos por donde pasó, desde un balcón en lo alto un guitarrista comenzó a acompañar el cántico de la marcha, que entonaba "Te recuerdo Amanda / la calle mojada / corriendo a la fábrica / donde trabajaba Manuel".

Una variopinta y multicolor multitud se extendía por 10 cuadras, y muchos otros fueron al cementerio. Predominaban los jóvenes, entre ellos grupos rockeros, punkis, mapuches, bailarines de danzas del norte chileno, organizaciones gay, estudiantes, la barra Los de Abajo de la Universidad de Chile, uno de los clubes de fútbol más populares del país, junto con ex prisioneros políticos, agrupaciones de víctimas y militantes.

Sólo un pequeño grupo de familiares y los amigos más cercanos pudieron entrar en el cementerio para presenciar el instante en que el ataúd volvió al nicho donde estuvo desde 1973. Cuando la carroza fúnebre entró en el recinto, los asistentes se tomaron las manos, cantaron el himno nacional y después se escuchó La partida, de Jara.

Un bosque de banderas rojas con el rostro de Víctor rodeó el cortejo gritando "¡Justicia, verdad, no a la impunidad!". El presidente del Partido Comunista, Guillermo Teillier, describió a Jara en su discurso como un "símbolo de nuestras luchas, el más temible con su guitarra y canciones". Su obra, continuó, "perdurará para dar esperanzas (...) con tus canciones, mil veces venceremos".

Entre los asistentes estaban también la ministra de Cultura, Paulina Urrutia, y el candidato presidencial de la coalición que encabeza el Partido Comunista (PC), el ex ministro Jorge Arrate, un socialista que debió renunciar a su partido para postular a La Moneda.

Muchos de los asistentes se quedaron hasta el final. Para Héctor Torres, del conjunto folclórico Umbral, formado por amigos que desde la dictadura han interpretado a Jara en decenas de recitales gratuitos en barriadas obreras, "Víctor es más grande que su propia muerte. Sus obras han resistido el paso del tiempo. Como cantante tenía un timbre muy bonito y una tesitura excepcional, que le permitía algo muy difícil, dar bien las notas bajas y altas".

El director de un centro cultural que viajó 500 kilómetros para asistir al funeral afirmó: "Se lo debía a Víctor. Era un deber moral, una deuda que el pueblo tenía con él".

Ferreira Gullar :: Trenzinho do caipira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Eu ficava deslumbrado. Deslumbramento esse que voltou quando ouvi a "Bachiana nº 2"

Durante os anos que vivi em São Luís, não me lembro de ter ouvido alguma música de Villa-Lobos. Dos 18 aos 20 anos, fui locutor da Rádio Timbira que, senão me equivoco, raramente transmitia programas de música erudita. Lembro-me de programas de música popular brasileira, de música latino-americana (especialmente boleros) e de música norte-americana, que nos chegava sobretudo através dos musicais da Broadway.Foi Thereza, minha falecida companheira, quem me revelou a música de Villa-Lobos,

depois que nos casamos e passei a ouvir os discos que vieram com ela para nossa casa.

Ela era apaixonada pela música dele, que cantava no coro da escola pública onde estudara. Carioca da Tijuca, pertenceu à geração que aprendera a cantar "O Canto do Pagé", em grandes comemorações oficiais no Campo do Vasco da Gama.""Ó manhã de sol, Anhangá fugiu."

Sei é que, certa tarde, sozinho no apartamento (na antiga rua Montenegro, hoje Vinícius de Moraes, em Ipanema), pus na vitrola um disco com as "Bachianas" e ouvi, pela primeira vez, a do trenzinho do caipira.

Entrei em transe. É que, quando menino, meu pai, que fazia comércio ambulante, me levava nas viagens de trem entre São Luís e Teresina. O trem saía de madrugada e, ao amanhecer, cortava o Campo dos Perizes, um vasto pantanal, povoado de garças, marrecos, nhambus, pássaros de todo tamanho e cor. Eu ficava deslumbrado, a cada viagem. Deslumbramento esse que voltou quando ouvi a "Tocata" da "Bachiana nº 2".

Tive o ímpeto, naquele instante, de pôr letra na música, mas não consegui. E não tentei uma vez só, não, mas várias, ao longo dos anos, sem resultado.

Pois bem, em 1975, ao escrever o "Poema Sujo", em Buenos Aires, evoco aquelas viagens que fazia com meu pai e, então, enquanto, antes, era a música de Villa-Lobos que me fazia lembrar das viagens, agora elas é que me fizeram lembrar da "Bachiana nº 2" e, assim, a letra que não conseguira escrever em 20 anos, escrevi em 20 minutos:

""Lá vai o trem com o menino
lá vai a vida a rodar
lá vai ciranda e destino
cidade e noite a girar..."

Não escrevi essa letra pensando que ela um dia seria gravada; escrevia-a porque aquela reversão da lembrança foi um fator a mais de emoção, um choque mágico, que se incorporava ao poema. Por isso, pus ali uma indicação meio irônica: "Para ser cantada com a "Bachiana nº 2", "Tocata'". Mas surgiu alguém que levou a sério a indicação.

O poema foi publicado em 1976, pela editora Civilização Brasileira, de Ênio Silveira, e lançado numa noite de autógrafo sem o autor. Um ano depois, volto para o Brasil e sou procurado por Edu Lobo, que queria gravar o "Trenzinho do Caipira", com minha letra.

Encontramo-nos na Leiteria Mineira, que era ali na rua São José, no centro do Rio, perto da sucursal do "Estadão", onde eu trabalhava. Ele fez o arranjo e gravou o "Trenzinho", que passou a tocar muito no rádio e, verdade seja dita, contribuiu para popularizar a "Bachiana nº 2", talvez a que mais se ouve atualmente. É que a letra facilita a comunicação com as pessoas pouco habituadas a ouvir música instrumental. O mérito não é meu, claro, mas dessa obra-prima que ele compôs, acrescida, então, da interpretação de Edu.

Mas, na hora de obter a autorização para gravar a música com minha letra, Edu se deparou com um problema: a viúva do maestro alegou que adotara como norma não dividir o direito autoral com quem pusesse letra em música de Villa-Lobos. O que me pareceu razoável, já que muita gente poderia valer-se da fama do compositor para pôr qualquer letra em suas músicas e ganhar dinheiro com isso. Não foi o meu caso, como narrei aqui. De qualquer modo, isso não impediu que Edu gravasse a música. Aliás, para que eu não ficasse sem nada ganhar, ele generosamente me fez parceiro de uma das músicas, que era de sua exclusiva autoria. Aquela restrição valeu para o disco apenas, porque toda vez que o "Trenzinho" toca no rádio ou é cantado num show, recebo direito autoral. E, por ironia do destino, já aconteceu me pagarem quando tocaram a "Bachiana", sem a letra. Como se vê, a confusão é geral.

Por falar em confusão, aproveito a oportunidade para desfazer um equívoco, que se tornou frequente, com respeito a essa letra. Em vez de "correndo pelas serras do luar", como escrevi, põem "correndo pelas serras ao luar". É o lugar-comum desbancando a poesia. Num site do Villa-Lobos, insistem no erro. Isso lembra um poema meu em que escrevi: "cantando, o galo é sem morte". Um tradutor pôs: "cantando el gallo és imortal". Pensei: é que deve ter entrado para a Academia.