domingo, 24 de janeiro de 2010

Alberto Dines :: Morin e as metamorfoses

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO(PE)

Curiosas as avaliações sobre o primeiro ano do mandato de Barack Obama. Os primeiros 365 dias de uma Administração que se estenderá, no mínimo, ao longo de 1460 e, no máximo por 2920, são obrigatoriamente enganosos. Para começar: as análises abarcam apenas o lapso que começou em 20 de janeiro de 2009 quando o novo presidente chegou à Casa Branca e ignoram o resto, a jornada até a vitória nas urnas. Acontece que este "resto" contém um extraordinário acervo de mudanças que não foi cogitado nem incluído nos balanços do primeiro aniversário da atual Administração.

Num inspirado texto publicado no El País (17/1, p. 27), o filósofo francês Edgard Morin fez o elogio da metamorfose. Evidentemente não cita Obama mas oferece uma chave para entender a atuação do presidente americano. Para Morin a tarefa prioritária é salvar a humanidade e isto impõe mudanças drásticas em nosso modo de pensar, viver, conviver, agir, falar e olhar. A ideia da metamorfose como solução mais rica e promissora do que as revoluções, contém uma radicalidade transformadora que as grandes rupturas são incapazes de produzir.

Metamorfoses começam com inovações marginais, perspectivas diferenciadas, despretensiosas, mínimas, porém capazes de despertar a curiosidade. Geralmente escapam do crivo daqueles que vivem de olhos arregalados a procura de feitos retumbantes e transitórios. Durante sua campanha eleitoral, o primeiro presidente negro da história dos EUA não apelou para postulações de caráter racial. Seriam desnecessárias e contraproducentes: a sua candidatura, em si, já significava o triunfo da cruzada pela igualdade dos direitos. Obama é pós-racial como também é pós-ideológico: seu liberalismo político é inerente, intrínseco, natural, dispensa etiquetagens ideológicas. Manteve Ben Bernanke na presidência do FED (Federal Reserve) apesar de indicado pelo reacionário Bush e transformou-o num operoso agente do intervencionismo econômico tanto no desarvorado mercado financeiro como na falida indústria automobilística.

A metamorfose produzida por Obama ao lidar com a debacle financeira americana permitiu que um ano depois o Economist – venerando e irascível bastião do liberalismo econômico – fosse compelido a reconhecer num editorial que os tempos são outros: "Mesmo os mais intransigentes defensores do capitalismo concordarão que a sua vocação para a formação de cartéis, seu desprezo pelos custos da poluição e sua tendência para desabar sob o peso da inventividade financeira precisam ser dominados por leis capazes de redirecionar sua energia para o bem comum." (edição de fim de ano, 19/12, p.38)

O que aconteceu com o Economist? Teve um estalo, apenas isso. Olhou para coisas iguais com um olhar diferenciado. Singularizou-se. Metamorfoses associam-se a grandes mutações porém começam em surdina com a simples constatação de que um novo olhar será capaz de acionar uma cadeia de inovações e produzir milagres.

A Conferência do Clima em Copenhagen estava fadada ao fracasso porque pretendia metas ambiciosas com ferramentas antigas. A salvação do Haiti exige ações emergenciais no campo humanitário mas impõe novo arsenal de ações para dar vazão à solidariedade internacional. Só uma ONU in loco, devidamente amparada pelos países-membros, teria condições de converter aquele não país numa entidade nacional. Seria a primeira experiência da ONU como UTI de países ameaçados de extinção. Convém pensar neste tipo de opção, a Natureza está furiosa e o fanatismo também.

Metamorfose ganhou conotações penosas a partir da sua utilização por Franz Kafka como título da novela sobre a absurda história de um sujeito que acordou convertido em inseto. O elogio da metamorfose por Edgar Morin vai em outra direção, oferece esperanças e alívio. A salvação da humanidade não depende de sofisticados equipamentos e alucinantes tecnologias.

Bastam insignificâncias.

» Alberto Dines é jornalista

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