segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Chávez: Exército contra reajustes

DEU EM O GLOBO

Presidente venezuelano promete plano para evitar que "burguesia" eleve preços após desvalorização

Do El Nacional/GDA*

Opresidente da Venezuela, Hugo Chávez, anunciou ontem que criará um plano contra a especulação, para evitar que a "burguesia" reajuste os preços. Ele afirmou que isso se deve às afirmações de vários especialistas de que a desvalorização da moeda local em até 50%, anunciada na sexta-feira, levará à alta da inflação. Chávez deu carta branca ao Exército para intervir em lojas que reajustarem seus preços.

- Alguns burgueses, oligarcas, estão dizendo que, por causa das medidas anunciadas na sexta-feira, eles têm de aumentar todos os preços. De maneira alguma vamos aceitar isso! - afirmou Chávez em seu programa semanal de rádio e televisão, "Alô presidente". - Não há qualquer razão para remarcar os preços porque os produtos à venda hoje foram importados com o valor antigo do dólar. Quero que a Guarda Nacional vá às ruas com o povo para lutar contra a especulação.

Na sexta-feira, Chávez anunciou a desvalorização e a criação de duas taxas de câmbio. Para artigos de saúde e alimentos, o dólar passará de 2,15 para 2,60 bolívares (desvalorização de 17,3% da moeda local); para itens considerados supérfluos, o dólar irá a 4,30 bolívares (diferença de 50%). A moeda americana estava em 2,15 bolívares desde 2005.

O objetivo, segundo o governo, é reduzir as importações e estimular a produção nacional. Chávez também anunciou ontem a criação de um fundo de US$1 bilhão para promover a substituição de importações.

Economista da PUC acha câmbio duplo ineficaz

Chávez afirmou que a medida de "ajuste cambial" foi bem estudada, mas que os preços "continuam regidos pelo capitalismo selvagem, e o governo e o povo têm de acabar com isso". Criticando os especuladores e a mais-valia, o presidente venezuelano disse que a Guarda Nacional terá carta branca para intervir nas lojas que elevem seus preços.

- Que se preparem os que quiserem aproveitar os anúncios (sobre a desvalorização) para encher as pessoas de medo! Como vejo que a burguesia anda solta, anunciando o desastre, eu digo ao povo que o governo lutará com maior força, e vamos transformar a Venezuela em uma potência.

Outro objetivo das medidas é fortalecer a estatal Petróleos de Venezuela S.A. (PDVSA). Chávez ressaltou ontem que, para cada dólar que a PDVSA entregue ao Banco Central, receberá 4,30 bolívares, já que produtos petrolíferos ficaram na faixa de câmbio mais elevada.

Mas analistas locais esperam uma forte alta na inflação, que em 2009 atingiu 25,1%, pelos dados oficiais. O presidente da Academia Nacional de Ciências Econômicas da Venezuela, Pedro Palma, disse à agência de notícias AP que o governo teve de reconhecer que a grande disparidade entre o câmbio oficial e o paralelo - que chegava a 7 bolívares - já não era viável.

- A inflação vai disparar, mas é necessário corrigir um desequilíbrio acumulado tremendo.

Na avaliação do presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Luiz Afonso Lima, a desvalorização do bolívar é duplamente equivocada. Do ponto de vista político, é um retrocesso; e economicamente ela é, no mínimo, "pouco eficaz", tendo em vista que os Estados Unidos estão passando por um período de ajuste interno, o que derruba a cotação do dólar internacionalmente.

Além de ter "cheiro de naftalina", como avaliou o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, a decisão de Chávez já se comprovou mundialmente equivocada. O Brasil mesmo, lembra ele, adotou duas taxas de câmbio nos anos 1950, e a medida foi um "verdadeiro fracasso". Se o objetivo era distinguir produtos, diferenciando os básicos dos supérfluos, a melhor opção, disse Cunha, seria adotar tarifas diferenciadas. Não bastasse isso, continua, a desvalorização na Venezuela tende a pressionar ainda mais os preços. Especialista em inflação, Cunha não acredita que as medidas ajudem a estimular a produção nacional:

- Não se estimula a produção nacional por decreto.

Não se espera muito impacto nas economias latino-americanas, à exceção da Colômbia. A Venezuela já tinha reduzido suas compras do vizinho, em retaliação ao acordo que permitiu a instalação de bases americanas em território colombiano. Isso já reduziria o crescimento da Colômbia em cerca de um ponto percentual, segundo economistas. Com a desvalorização, eles esperam uma queda ainda maior no comércio bilateral.

- Não há luz no horizonte em termos de comércio com a Venezuela. Nossas exportações já haviam sido prejudicadas. Agora, elas ficarão mais caras - disse Tulio Zuluaga, diretor da Asopartes, grupo que reúne os exportadores de autopeças da Colômbia.

As medidas também devem encarecer as exportações brasileiras para a Venezuela, que foram de US$2,74 bilhões em 2009.

Chávez, com suas promessas de "socialismo bolivariano", já nacionalizou várias empresas estrangeiras no país, especialmente no setor de energia. Ontem, ele atacou o setor cultural estrangeiro:

- Os filmes do capitalismo nos metem na cabeça o consumismo. Fazem telenovelas para
envenenar nossos filhos, para incitá-los ao consumo de drogas. Estive há pouco em Cuba e lá não passam telenovelas capitalistas, mas sim de conteúdo social.

(*) O "El Nacional" faz parte do Grupo Diarios América (GDA)

Colaborou: Liana Melo, com agências internacionais

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