domingo, 17 de janeiro de 2010

Chile vota sob a sombra do desgaste da Concertação

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Coalizão que governa país há 20 anos se arrisca a assistir à ascensão da nova direita

O esquerdista Eduardo Frei chega ao dia do pleito 1,8 ponto atrás do empresário Sebastián Piñera; desejo de renovação marca campanha

Thiago Guimarães
Enviado Especial a Santiago

Estádio Nacional do Chile, 16 de dezembro de 2009. O ex-presidente Eduardo Frei (1994-1999) lança sua campanha ao segundo turno diante de 5.000 militantes, funcionários públicos e dirigentes sociais. "Quero saudar os presidentes de partidos", diz, e o público responde com uma vaia que se tornou o fato político da noite.

A cena resume a sucessão presidencial que os chilenos definem hoje. Independentemente do resultado, que promete ser o mais renhido dos últimos anos, a eleição foi marcada pela crise da Concertação, a aliança de centro-esquerda que comanda o Chile desde o fim da ditadura (1973-1990) e guiou o país por 20 anos de logros econômicos e sociais.

Após somar apenas 29% dos votos no primeiro turno -o pior resultado presidencial da Concertação-, Frei acirrou a disputa no segundo turno, mas ainda vê a direita chegar como favorita pelas mãos do moderado Sebastián Piñera, bilionário que perdeu o pleito de 2005 para Michelle Bachelet.

Enquanto a direita se uniu em torno de Piñera, vencedor do primeiro turno com 44%, a centro-esquerda pela primeira vez foi dividida em três nomes no primeiro turno. Entre eles Marco Enríquez-Ominami, 36, deputado dissidente da Concertação que, sem partido, teve 20% dos votos (1,3 milhão).

"Subestimamos o potencial de Ominami e um descontentamento de base que havia", disse à Folha o deputado eleito Pepe Auth, que na última semana de dezembro renunciou à presidência do PPD -uma das quatro siglas da Concertação.

"Se os caciques da Concertação renunciarem, há possibilidade de acordo [com Frei]", disse Ominami à Folha após o primeiro turno. Do alto de sua votação, cobrava a renúncia dos quatro presidentes que o haviam impedido de participar das primárias da coalizão para escolha do candidato -estopim de sua saída da aliança.

Como a renúncia coletiva não veio -os líderes dos dois maiores partidos da coalizão, o Socialista, de Bachelet, e a Democracia Cristã, de Frei, se recusaram a sair-, o apoio a Frei chegou morno, a quatro dias do pleito. "Os finalistas são parte do passado", disse Ominami."O conceito de renovação foi o mais forte desta eleição", afirma o analista político Cristóbal Bellolio. Foi justamente a falta de renovação de seus quadros, expressa na candidatura de um ex-presidente, que agravou o desgaste natural da coalizão após 20 anos no poder.

No segundo turno, a tônica da campanha foi a busca pelos votos de Ominami. Frei e Piñera assumiram propostas e cooptaram membros da campanha do deputado.

Diante da ameaça de derrota da Concertação, o governo Bachelet, que ostenta a maior aprovação da história recente do país (cerca de 80%), deflagrou uma ofensiva no segundo turno. Cedeu ministros à campanha de Frei e reforçou o discurso em temas como direitos humanos para tentar reagrupar a esquerda.

A estratégia mostrou resultado: pela última pesquisa Mori, apenas 1,8 ponto separavam Piñera e Frei -empate técnico.

Embora seja a eleição mais importante nos últimos anos, por apostar o futuro da coalizão política mais exitosa do país, a campanha não animou os chilenos. Reflexo de um certo consenso sobre os rumos do país -Frei e Piñera não defendem mudanças radicais-, mas também de desencanto com a política. Exemplo: como o registro eleitoral não é obrigatório (só precisa votar quem está inscrito), no primeiro turno os votos válidos representaram apenas 56% da população.

Sobre reflexos da eleição no Brasil, diplomatas e empresários brasileiros no Chile coincidem em que não haverá grandes mudanças.

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