sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Luiz Carlos Mendonça de Barros:: Brasil: uma fronteira cruzada

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Só evitaremos um deficit crescente se ocorrerem profundas mudanças na política econômica do governo

Os dados relativos às nossas contas cambiais em dezembro mostram de forma clara o que alguns analistas vinham alertando já há algum tempo: uma mudança forte de sinal na conta-corrente do Brasil. Nos últimos anos os elevados saldos positivos em nossas transações comerciais e financeiras com o mundo foram uma das forças mais importantes nas mudanças ocorridas no Brasil. Pela primeira vez em várias décadas as reservas brasileiras ultrapassaram o total de nosso endividamento externo.

Essa nova situação provocou uma expressiva apreciação do real e deu início a um processo de desinflação e aumento dos salários reais após 2005. Esse aumento do poder aquisitivo do brasileiro foi fundamental no movimento que nos colocou entre os países mais admirados pelos investidores internacionais.

Entre 2006 e o início da crise internacional foi a força de nossas contas externas que permitiu uma transição sem inflação entre o forte crescimento da demanda interna e o aumento posterior da oferta resultante da maturação dos novos investimentos privados.

As importações em um ambiente de moeda em processo de valorização foram as responsáveis por evitar desta vez a tradicional armadilha em que sempre caímos no Brasil em situações semelhantes. Por isso chamo a atenção para uma nova fase que vamos viver e que se caracteriza por um deficit crescente da conta-corrente do nosso balanço de pagamentos.

Só evitaremos essa situação se ocorrerem profundas mudanças na política econômica do governo, principalmente do que tomará posse em janeiro de 2011. Na Quest estamos prevendo um deficit externo de US$ 60 bilhões no ultimo ano do período Lula e de cerca de US$ 90 bilhões no primeiro ano do novo presidente. São números expressivos e que vão recolocar na ordem do dia a questão dos riscos que poderemos correr em um ambiente externo menos favorável.

Devo lembrar que isso ocorre em um ambiente de medíocre investimento, principalmente do setor público. Se houver um bem-vindo aumento em futuro próximo, os números do deficit poderão ser maiores do que os previstos. Certamente muitos analistas vão dizer que mesmo um deficit dessas dimensões poderá ser facilmente financiado pela entrada de investimentos diretos e capitais financeiros, principalmente para a compra de ações brasileiras. Outros adicionarão ainda que, como a dívida externa brasileira é pequena, será fácil buscar o equilíbrio de nossas contas cambiais com a emissão de dívida em moeda estrangeira.

Tudo isso é verdadeiro se as coisas correrem normalmente nos próximos anos, como espero também. Mas aprendemos com o passado, principalmente com a crise que ainda está no ar, que uma economia como a brasileira não pode ficar dependente de uma situação de contínua normalidade, sem trancos de tempos em tempos. Em outras palavras, os riscos associados a uma nova situação de descontinuidade na economia mundial serão muito maiores daqui em diante.

E o mercado vai precificar isso ao longo dos próximos meses, principalmente em momentos de tensão e busca de investimentos de menor risco. A taxa de câmbio será o preço de ativo mais sensível a esse tipo de situação que passa a existir. Minha primeira impressão é que, mesmo em um cenário benigno no exterior, o real ao longo deste ano vai se desvalorizar entre 5% e 10%. E a sua volatilidade nos mercados de câmbio vai aumentar bastante.

Luiz Carlos Mendonça De Barros, 67, engenheiro e economista, é economista-chefe da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

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