DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Neste comecinho de ano, muitos arrastam seu caminhão repleto de esperanças por uma estrada esburacada de decepções. Decepção quanto à demolição de valores a que se assiste na vida pública brasileira, na qual as ambições e os interesses individuais sufocam qualquer perspectiva de engajamento em benefício real da sociedade. Decepção quanto ao desprezo ao esforço do aprendizado e ao reconhecimento do mérito, já que o que mais vale, para crescer e ter as melhores oportunidades, é ligar-se às panelas de apaniguados e manipular o tráfico de influência.
Neste comecinho de ano, muitos arrastam seu caminhão repleto de esperanças por uma estrada esburacada de decepções. Decepção quanto à demolição de valores a que se assiste na vida pública brasileira, na qual as ambições e os interesses individuais sufocam qualquer perspectiva de engajamento em benefício real da sociedade. Decepção quanto ao desprezo ao esforço do aprendizado e ao reconhecimento do mérito, já que o que mais vale, para crescer e ter as melhores oportunidades, é ligar-se às panelas de apaniguados e manipular o tráfico de influência.
Decepção quanto à facilidade com que se diz e desdiz, se condena e se absolve, se repudia e se bajula, como se os que ouvem afirmações - ou as assistem ao vivo e em cores - não tivessem capacidade alguma de retenção, de memória e muito menos de juízo moral. Mas, apesar de tudo, o negócio é acreditar.
Acreditar que ainda existem pessoas públicas decentes neste país - e que nem tudo o que existe se vê. Acreditar que há quem se preocupe, de fato, em diminuir a dor dos que sofrem, tanto quanto em deixar o caminho, livre de inveja, para os que vencem. Acreditar que o meio político brasileiro não é apenas o espaço das ambições individuais descontroladas, o campo de caça das vantagens escusas ou o depósito de acumulação de prebendas. Acreditar que o cenário político é também um espaço de beneficio coletivo - desde que os cidadãos exijam que o seja. Que é uma alavanca de crescimento, de desenvolvimento, de enriquecimento comum - desde que os cidadãos exijam que o seja. Então, acreditar no poder de exigência da sociedade.
Acreditar que os que passaram mais de duas décadas fingindo ser o que nunca foram e, depois, usurparam a paternidade do que pretendiam destruir finalmente se mostrarão por inteiro, sem disfarces, assumindo ao menos parte da culpa pelo que deixou de ser feito. Acreditar que a responsabilidade do poder, que experimentaram, os fará recuperar alguns pedaços de sua antiga integridade, que o exercício do poder, que praticaram, poderá gerar-lhes algo que os entusiasme acima do simples desfrute - ou seja, o verdadeiro prazer de se colocar a serviço dos necessitados cidadãos contribuintes. Acreditar que cessará a cultura do despreparo, a arrogância da ignorância e o orgulho da insuficiência. Acreditar que o estrago ético que causaram não é irreversível e que os bons padrões de comportamento haverão de retornar ao espaço público. Acreditar que o Executivo recuperará a majestade da imagem de chefia de Estado e governo, que o Legislativo se desfará de suas quadrilhas e o Judiciário acabará encontrando a arca perdida de sua credibilidade. Acreditar, então - por mais difícil que isso seja - que acabará a impunidade.
Acreditar no efeito multiplicador dos pequenos ânimos que restam: de luta, de sobrevivência, de recuperação, de cura. Acreditar no impulso impossível, no salto que se dá do fundo do poço quando se pensa que nem dá mais para pular. Acreditar nas reservas vitais esquecidas, no pequeno estoque de energia espiritual que sobrou, mas que ainda é suficiente para provocar a maior das viradas. Acreditar naquela misteriosa capacidade de resistir, que nos faz rezar para que não nos testem, pois, se nos testarem, aguentamos. Acreditar contra a evidência de que não tem mais jeito, a descambada é irrefreável, o mergulho é abissal, o plano inclinado é mais liso do que pau de sebo e não segura nada - acreditar, então, que o plano é móvel, que antes do fim ele pode erguer-se, reverter o curso da queda, reequilibrar-se. Acreditar na possibilidade de inverter o curso da guerra, mesmo sentindo-se as defesas desbaratadas - mas ainda contando com um último baluarte. Acreditar na teimosia dos resistentes, dos não desistentes, dos que não desertam. Acreditar até no acaso, se a expectativa deste é o fator único de esperança de vitória.
Acreditar neste sistema chamado democracia, assentado em arraigadas convicções, de liberdades civis, de direitos humanos inalienáveis, de consciência de cidadania, de representatividade política, social e regional, de escolha eleitoral, de respeito ao pensamento plural, à divergência, à legitimidade de voto e voz das minorias e, sobretudo, de acato à livre expressão e ao sagrado direito à informação. Acreditar que a excrescência da censura não sobreviverá, apesar de tanto se nutrir da adiposa covardia cívica. Acreditar que a democracia é capaz de produzir instituições duradouras, à prova de sobas e tiranetes, destinadas a atravessar séculos e forjar civilizações, com já faz em algumas partes do mundo.
Acreditar que um certo arqueólogo interplanetário, em alguma remota era futura, descobrirá, num ponto do universo, um grande monumento: a imagem desta criatura chamada ser humano, tão dolorosamente frágil e finita quanto imensamente forte e extensa. Acreditar que nossa espécie não terá sonhado em vão com a transcendência e a imortalidade, pois esta já existe no esforço de permanência das sucessivas gerações. Acreditar, então, que, apesar da devastação que temos causado, do consumo predatório e alucinado, do irresponsável desperdício, das agressões incontroláveis que temos praticado ao planeta, ainda temos condições de nos disciplinarmos para o mantermos, mesmo meio capenga, girando em algum ponto do universo. Acreditar que nos manteremos nele - pelo menos até podermos nos transferir para algum outro, por perto.
Sim. Acima de tudo, acreditar no recomeço.
Feliz ano-novo.
Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor.
Acreditar que ainda existem pessoas públicas decentes neste país - e que nem tudo o que existe se vê. Acreditar que há quem se preocupe, de fato, em diminuir a dor dos que sofrem, tanto quanto em deixar o caminho, livre de inveja, para os que vencem. Acreditar que o meio político brasileiro não é apenas o espaço das ambições individuais descontroladas, o campo de caça das vantagens escusas ou o depósito de acumulação de prebendas. Acreditar que o cenário político é também um espaço de beneficio coletivo - desde que os cidadãos exijam que o seja. Que é uma alavanca de crescimento, de desenvolvimento, de enriquecimento comum - desde que os cidadãos exijam que o seja. Então, acreditar no poder de exigência da sociedade.
Acreditar que os que passaram mais de duas décadas fingindo ser o que nunca foram e, depois, usurparam a paternidade do que pretendiam destruir finalmente se mostrarão por inteiro, sem disfarces, assumindo ao menos parte da culpa pelo que deixou de ser feito. Acreditar que a responsabilidade do poder, que experimentaram, os fará recuperar alguns pedaços de sua antiga integridade, que o exercício do poder, que praticaram, poderá gerar-lhes algo que os entusiasme acima do simples desfrute - ou seja, o verdadeiro prazer de se colocar a serviço dos necessitados cidadãos contribuintes. Acreditar que cessará a cultura do despreparo, a arrogância da ignorância e o orgulho da insuficiência. Acreditar que o estrago ético que causaram não é irreversível e que os bons padrões de comportamento haverão de retornar ao espaço público. Acreditar que o Executivo recuperará a majestade da imagem de chefia de Estado e governo, que o Legislativo se desfará de suas quadrilhas e o Judiciário acabará encontrando a arca perdida de sua credibilidade. Acreditar, então - por mais difícil que isso seja - que acabará a impunidade.
Acreditar no efeito multiplicador dos pequenos ânimos que restam: de luta, de sobrevivência, de recuperação, de cura. Acreditar no impulso impossível, no salto que se dá do fundo do poço quando se pensa que nem dá mais para pular. Acreditar nas reservas vitais esquecidas, no pequeno estoque de energia espiritual que sobrou, mas que ainda é suficiente para provocar a maior das viradas. Acreditar naquela misteriosa capacidade de resistir, que nos faz rezar para que não nos testem, pois, se nos testarem, aguentamos. Acreditar contra a evidência de que não tem mais jeito, a descambada é irrefreável, o mergulho é abissal, o plano inclinado é mais liso do que pau de sebo e não segura nada - acreditar, então, que o plano é móvel, que antes do fim ele pode erguer-se, reverter o curso da queda, reequilibrar-se. Acreditar na possibilidade de inverter o curso da guerra, mesmo sentindo-se as defesas desbaratadas - mas ainda contando com um último baluarte. Acreditar na teimosia dos resistentes, dos não desistentes, dos que não desertam. Acreditar até no acaso, se a expectativa deste é o fator único de esperança de vitória.
Acreditar neste sistema chamado democracia, assentado em arraigadas convicções, de liberdades civis, de direitos humanos inalienáveis, de consciência de cidadania, de representatividade política, social e regional, de escolha eleitoral, de respeito ao pensamento plural, à divergência, à legitimidade de voto e voz das minorias e, sobretudo, de acato à livre expressão e ao sagrado direito à informação. Acreditar que a excrescência da censura não sobreviverá, apesar de tanto se nutrir da adiposa covardia cívica. Acreditar que a democracia é capaz de produzir instituições duradouras, à prova de sobas e tiranetes, destinadas a atravessar séculos e forjar civilizações, com já faz em algumas partes do mundo.
Acreditar que um certo arqueólogo interplanetário, em alguma remota era futura, descobrirá, num ponto do universo, um grande monumento: a imagem desta criatura chamada ser humano, tão dolorosamente frágil e finita quanto imensamente forte e extensa. Acreditar que nossa espécie não terá sonhado em vão com a transcendência e a imortalidade, pois esta já existe no esforço de permanência das sucessivas gerações. Acreditar, então, que, apesar da devastação que temos causado, do consumo predatório e alucinado, do irresponsável desperdício, das agressões incontroláveis que temos praticado ao planeta, ainda temos condições de nos disciplinarmos para o mantermos, mesmo meio capenga, girando em algum ponto do universo. Acreditar que nos manteremos nele - pelo menos até podermos nos transferir para algum outro, por perto.
Sim. Acima de tudo, acreditar no recomeço.
Feliz ano-novo.
Mauro Chaves é jornalista, advogado, escritor, administrador de empresas e pintor.
Que venha 2010!
ResponderExcluirBelo texto!
Abraço