quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Presidente do Banco de Venezuela se demite

DEU EM O GLOBO

Em Caracas, manifestações levam milhares de pessoas às ruas contra o governo, elevando tensão no país

CARACAS. Logo após o anúncio dos pedidos de demissão do vicepresidente e ministro da Defesa da Venezuela, Ramón Carrizález, e de sua mulher, Yuvirí Ortega, ministra para o Ambiente, anunciados na segunda-feira, o governo de Hugo Chávez sofreu uma nova baixa. Na mesma noite, Eugenio Vásquez Orellana, presidente do Banco de Venezuela — que pertencia ao grupo Santander e fora estatizado em julho passado — entregou o cargo, alegando problemas de saúde.

Analistas, porém, sugerem que Orellana, homem de confiança de Carrizález, tivera desentendimentos com o novo ministro da Economia, Jorge Giordani.

Ontem, o país, mergulhado numa crise política, assistiu ainda a novas manifestações de milhares de estudantes oposicionistas na capital, num protesto contra a repressão do governo e pela liberdade de expressão.

Estudantes marcharam até sede de TV estatal

Os maus resultados do Banco de Venezuela nos seis primeiros meses de gestão estatal, quando o faturamento caiu 25% em comparação ao mesmo período no ano anterior, de administração privada, também teriam pressionado Orellana a deixar o cargo.

A nova demissão ocorreu no mesmo dia em que dois estudantes morreram em consequência de manifestações na região de Mérida. Na noite de segunda, em conflitos durante protestos de apoio ao canal a cabo RCTV Internacional — retirado do ar junto com outros cinco canais por ordem do Estado no fim de semana — Yosinio Carrillo Torres, de 15 anos, chavista, foi morto a tiros, e o oposicionista Marcos Rosales, de 28, por ferimentos causados por explosivos.

Outras 16 pessoas teriam se ferido nos embates.

Num movimento unificado, milhares de universitários marcharam ontem até as imediações da sede da estatal Venezulana de Televisão — enquanto simpatizantes de Chávez também foram às ruas em apoio ao presidente. Em universidades de todo o país, as aulas foram suspensas.

Roderick Navarro, presidente da Federação de Centros Universitários da Universidade Central da Venezuela, e representantes de outras instituições se reuniram com a direção da TV e pediram que a emissora reduza o tom agressivo de seus programas, que incitariam a violência.

Ao jornal local “El Universal”, Navarro declarou esperar que, com a reunião, “não se polarize mais o país; que não se diga que o problema da insegurança é da oposição ou do chavismo.

A insegurança é um problema de todos”.

Dezenas de policiais bloquearam as vias de acesso à TV para evitar confusões. Empunhando bandeiras venezuelanas, os estudantes gritavam que queriam “liberdade de expressão” e diziam “não à violência”, referindo-se à suspensão da RCTV e às mortes dos jovens. Estudante de medicina, Nélson Martínez, de 19 anos, trazia nas mãos uma bandeira desbotada, representando “a morte da democracia”.

— Durante este governo, se perderam as liberdades. Marcho não só por causa do fechamento de um canal, mas também pela quantidade de direitos que perdemos — afirmou.

Mérida, no oeste do país e cenário dos embates que resultaram na morte dos estudantes na segunda, amanheceu sob forte patrulhamento da Guarda Nacional. Quatro promotores do Ministério Público foram designados para investigar as circunstâncias dos crimes. Numa declaração polêmica, governador do estado, Marcos Díaz Orellana, culpou os “contrarrevolucionários” pelo clima de violência na região e se disse disposto a defender o processo liderado por Chávez “até com a própria vida, se necessário”.

— Esses fatos (as mortes) não foram fortuitos, mas ações desenhadas por setores da contrarrevolução que tentam gerar um clima de violência — disse, afirmando que a oposição se vale dos universitários para combater o Estado.

Chávez ataca França, que criticara suspensão de canais

A suspensão do sinal da RCTV também continuou gerando controvérsia ontem. O ministro de Obas Públicas, Diosdado Cabello, também à frente da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel), que tirara as emissoras do ar, foi a público declarar que, por trás das reclamações dos proprietários das TVs, “só está o bolso, a única parte que lhes dói”. Segundo fontes ligadas ao governo, divergências com Cabello teriam sido o estopim para o pedido de demissão do vicepresidente Carrizález, que discordava do cerco à RCTV.

— Pergunto-me se o dinheiro de ricaços vale a vida de um menino de 15 anos — disse, referindo-se à morte do estudante governista, cuja culpa atribuiu somente à “ultradireita venezuelana”.

Já o presidente Chávez atacou o governo francês, que na véspera manifestara “preocupação” com a suspensão do sinal das seis emissoras e pedira à Venezuela que revogasse imediatamente a medida: — Que os EUA o façam, não seria estranho; o estranho é ainda não terem feito. Mas não sei por que o governo de Nicolas Sarkozy tem que se meter em coisas internas que, além disso, estão apegadas à lei.

"Marcho não só por causa do fechamento de um canal, mas pelos direitos que perdemos"

Nélson Martínez, estudante

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