sábado, 30 de janeiro de 2010

Questão de Limites - Editorial

DEU NO ZERO HORA (RS)

Reconhecido internacionalmente por seus trabalhos na área das ciências sociais, o professor Boaventura de Sousa Santos reacendou a polêmica da “criminalização dos movimentos sociais” no Brasil, ao pedir ontem, durante painel sobre direitos humanos no Fórum Social Mundial, que todas as ações civis públicas contra o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) sejam arquivadas. A manifestação do sociólogo português ocorreu exatamente na semana em que a polícia de São Paulo, cumprindo mandados judiciais, prendeu vários integrantes do movimento acusados de depredar uma fazenda do grupo Cutrale no ano passado. Na ocasião, os invasores destruíram 7 mil pés de laranja e danificaram máquinas e instalações. Do episódio, ficou uma imagem chocante, mostrada ao país pela televisão: o trator conduzido por um militante que avançava avassalador sobre o laranjal.

Se fosse uma exceção na história do MST, a ação irracional de destruição poderia apenas ser classificada como um descontrole. Mas são incontáveis os casos de depredação de propriedades alheias, constrangimentos e agressões a proprietários e empregados, destruição de mudas e plantações, confrontos com a polícia. Tanto que essas ações conflituosas se transformaram na principal característica do movimento, substituindo a imagem das famílias acampadas sob lona preta na beira da estrada, que despertava compaixão e solidariedade de expressiva parcela da sociedade. Nessa transição, o MST granjeou tanta antipatia, que até o seu líder maior, o economista João Pedro Stedile, reconhece a necessidade de mudança de rumo. “Hoje, a ocupação de terra não soma aliados”, disse em entrevista concedida na última terça-feira, em Porto Alegre, onde participa do Fórum Social Mundial.

Ainda assim, os apoiadores dos métodos truculentos preferem responsabilizar os meios de comunicação, o Judiciário e os governos com o chavão da criminalização. Ontem mesmo, o Núcleo Agrário Nacional do PT emitiu nota criticando a prisão de nove pessoas ligadas ao MST pela referida invasão e depredação da fazenda da Cutrale. Eles são acusados, também, de furtar equipamentos e pertences das oito famílias de colonos que trabalhavam na propriedade invadida. Será que, neste caso, os invasores (ou ocupantes, se quisermos utilizar a linguagem do movimento) não feriram os princípios básicos da ordem pública?

Pode-se justificar qualquer coisa, sob o pretexto de que polícia, Judiciário, Ministério Público, governo e mídia estão a serviço das classes dominantes e do poder econômico. Mas ofende a inteligência das pessoas dizer que se trata de uma ação organizada da elite para criminalizar movimentos sociais quando as evidências do delito são insofismáveis. A Constituição Brasileira contempla a liberdade de manifestação e respalda reivindicações de movimentos sociais, mas também impõe limites para que os direitos dos demais grupos e indivíduos sejam preservados.

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