quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Ainda os efeitos da crise bancária:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Estamos vivendo uma nova onda de pessimismo, com forte correção dos preços dos mais diferentes ativos negociados nos mercados do mundo todo. O aperto nas condições monetárias na China e a perda de confiança na capacidade da Grécia de honrar seus compromissos estão na origem dessa nova rodada de medo. A Bovespa perdeu quase 10 mil pontos entre os primeiros dias de janeiro e seu ponto mais baixo no auge da crise criada pelo problema grego. Hoje, quando escrevo esta coluna, as perdas são de apenas metade desse valor. Nos Estados Unidos, os principais índices da Bolsa de Nova York também perderam quase 10% de seu valor nesse mesmo período, tendo recuperado parte dessas perdas com a decisão dos países europeus de apoiar a Grécia.

O mesmo comportamento volátil e nervoso dominou os negócios com as principais moedas do mundo. O euro, desta vez no olho do furacão por ser o espaço econômico europeu o centro das especulações, desvalorizou-se mais de 7% em relação ao dólar. Em relação a uma cesta de moedas importantes a valorização do dólar foi de mais de 5% no mesmo período. Mais uma vez a moeda americana serve de refúgio seguro para onde correram - assustados - investidores de todos os cantos do mundo.

A volta do pessimismo aos mercados pode ser comparada ao efeito de uma dessas bombas que explodem apenas depois de um intervalo de tempo de sua queda. Embora os problemas com a rolagem da dívida externa da pequenina Grécia tenham aparecido nos primeiros dias do ano, a questão relacionada ao enorme déficit fiscal do país de Píndaro já era conhecida há muito tempo. Mas o mercado resolveu trazer a valor presente os problemas que aconteceriam no futuro.

O mais grave nesse episódio é que a Grécia não está sozinha nessa armadilha. O mundo desenvolvido tem - sem exceção - os mesmos riscos embutidos em suas contas públicas. Os Estados Unidos, Japão, Alemanha e outros países do G-7 vão sair da crise que vivemos com déficits fiscais elevados e uma carga de dívida financeira nunca vista. Portanto os chamados Pigs - Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha - representam apenas os elos mais fracos de uma longa corrente de economias com elevado grau de endividamento público. Se o medo do mercado em relação a essa questão vazar para as maiores economias teremos certamente a volta dos piores dias vividos há mais de um ano atrás.

A deterioração fiscal desse grupo de economias é resultado da forma como foi enfrentada a crise bancária. Os vários programas de proteção aos bancos nacionais transferiram para o Tesouro boa parte dos prejuízos que seriam incorridos pelas instituições financeiras e investidores privados. Sabemos que não existia outra forma de se enfrentar o problema e que, ao longo dos próximos anos, a sociedade será chamada a pagar a conta desse excesso de endividamento.

Até agora parecia que os mercados - tendo aceitado a natureza temporal desse problema - dariam aos governos o tempo necessário para reduzir com recursos fiscais o volume de dívida pública que será acumulado nos próximos dois anos. Essa questão, de tempo e de credibilidade, é crucial nesse momento em que os governos do G-7 ainda precisam - pelo menos neste e no próximo ano - trabalhar com déficits fiscais elevados para terminar com sucesso o processo de normalização da atividade econômica em seus países.

Apenas a partir de 2012, ou mesmo 2013, é que as economias da Europa, dos Estados Unidos e do Japão poderão iniciar um período com superávits primários suficientes para estabilizar a relação dívida/ PIB. Em um momento seguinte, com a economia voltando a crescer de forma sustentada, é que se poderá iniciar a redução do endividamento. Isso será tarefa para o restante da década com certeza. Qualquer tentativa antes que as economias se fortaleçam pode recolocar a questão da depressão econômica na agenda dos analistas econômicos, se não na dos mercados.

A gravidade da crise grega vem exatamente desse risco sistêmico em relação ao endividamento público no grupo do G-7. Uma leitura semelhante em relação ao endividamento japonês ou americano pode criar um clima de pânico muito maior do que o ocorrido nas últimas semanas. No caso da Grécia os valores envolvidos são pequenos quando comparados com o das maiores economias do mundo que sofrem da mesma doença.

É possível que com a ação conjunta dos países da zona do euro o mercado reencontre nos próximos dias a paz tão necessária para que a ação dos governos na busca de uma estabilidade da economia tenha êxito. Para evitar o retorno da insegurança e da instabilidade nos mercados é preciso entender que a volta do crescimento sustentado é condição necessária para o sucesso do ajuste fiscal no mundo desenvolvido. Inverter essa equação nos levará certamente a uma recidiva da crise econômica de 2008 e a volta de uma grande instabilidade financeira.

Por outro lado, diferente das incertezas do mundo desenvolvido, o grupo de nações emergentes lideradas pela China vive momentos de controle da demanda para evitar o crescimento da inflação. Mesmo no caso brasileiro podemos estar às vésperas de um novo período de elevação dos juros para esfriar o crescimento da atividade econômica. Assistimos de longe a crise do mundo desenvolvido e acompanhamos - com certo sorriso - o aparecimento de problemas que no passado eram sempre associados ao mundo emergente.

Várias análises sobre a questão fiscal americana tentam calcular qual seria o superávit fiscal primário necessário para estabilizar a relação dívida sobre PIB. Uma dessas análises mostra que ele deve ser de no mínimo 2,5% do PIB ao longo dos próximos anos. Mesmo com o diferencial de juros entre o Brasil e os Estados Unidos, o esforço fiscal de agora em diante será da mesma intensidade entre os dois países.

Esse diferencial de endividamento vai ser um fator a mais na dinâmica que separa o crescimento do mundo emergente e do mundo desenvolvido. Se já há hoje uma diferença significativa de velocidade por conta do potencial de consumo nos dois grupos, esse apartheid fiscal vai tornar essa diferença ainda maior. Pelo menos para os países em desenvolvimento que tiverem juízo e estratégia para se beneficiar dessa situação. Certamente nos próximos anos será importante ser mais formiga do que cigarra em países como o Brasil.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas, excepcionalmente, nesta quarta.

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