sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Apagões do Lula: Deu galho na luz do Nordeste


DEU EM O GLOBO

Blecaute que desligou 30% da energia da região e afetou Norte foi causado por árvore

Gustavo Paul

BRASÍLIA - Um galho de árvore foi o estopim do apagão que desligou 30% da carga do Nordeste e 20% do Norte na tarde de quarta-feira e ainda atingiu parte do Centro-Oeste. A informação foi dada ontem pela assessoria da Eletronorte, estatal responsável pela linha de transmissão entre as cidades de Colinas e Miracema, no Tocantins.

Segundo a empresa, a copa dessa árvore entrou no campo magnético da linha de transmissão, passando a funcionar como uma espécie de para-raios. O fenômeno, que levou ao “fechamento da linha”, atraindo a energia para o galho, foi tão intenso que incinerou a árvore, causando o curto-circuito.

O fato ocorreu a cerca de cinco quilômetros da subestação de Colinas do Tocantins, distante 270 quilômetros da capital Palmas. A exemplo do que ocorreu no grande blecaute de novembro passado, uma série de eventos em cascata levou ao desligamento das três principais linhas de transmissão do país próximas à região: a Norte-Sul, a Norte-Nordeste e a Sudeste-Nordeste. As três interligam os sistemas elétricos brasileiros.

Segundo o secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia, Josias Matos de Araújo, o Operador Nacional do Sistema (ONS) fez três tentativas para religar a linha de Colinas, sem sucesso. Na terceira tentativa, ocorreu a interrupção de um segundo circuito elétrico. Com a oscilação energética, o sistema foi desligado de forma automática e preventiva.

Um relatório do Ministério de Minas e Energia registra o blecaute às 14h52m de Brasília (13h52m nas regiões Norte e Nordeste, que não adotam o horário de verão). O sistema começou a ser religado aos poucos às 15h e foi totalmente restabelecido às 15h30m, ambos no horário de Brasília.

Ainda assim, o desligamento estendeu-se por três regiões num efeito-dominó. Foram cortados imediatamente 3.600 megawatts (MW) da energia destinada ao Nordeste, o que representa 30% da carga da região. Todos os estados tiveram consequências, mas de maneira diferenciada. Ao todo, segundo o ministério, 20% da população nordestina foram prejudicados.

'Mostra um desleixo grave’, afirma especialista

Na Região Norte, o corte foi de 260 MW, o equivalente a 20% da carga do Pará e de Tocantins, com prejuízos a 10% da população desses estados. O Centro-Oeste, que registrou um pico de luz no momento do apagão, perdeu apenas 1% da carga. O esquema de proteção, ao desligar a interligação Norte-Sul e SudesteNordeste, preservou o fornecimento das regiões Sudeste e Sul.

Os técnicos da Eletronorte passaram o dia de ontem percorrendo os 250 quilômetros de extensão da linha. Apesar de descobrir a origem do problema, a estatal ainda não sabe responder o que levou ao desligamento dos circuitos e ao efeito-dominó no sistema. Teoricamente, problemas eventuais com árvores não deveriam ter essa dimensão.

Para os técnicos do ONS, o blecaute não é considerado de gravidade, mas eles admitem que o desligamento dos três grandes linhões não é algo corriqueiro. O secretário de Energia prefere esperar o relatório do ONS sobre o caso, prometido para o dia 23 de fevereiro: — É claro que todo e qualquer desligamento preocupa o ministério, mas é preciso fazer uma análise dos dados.

A ocorrência de um terceiro apagão de proporções regionais em linhas de transmissão nos últimos três meses faz os especialistas levantarem um alerta sobre a situação da transmissão elétrica no país. O consultor Afonso Henriques Santos, ex-secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia, reagiu com ceticismo diante da informação de que um galho causou o problema: — Se for isso mesmo, a manutenção da faixa de servidão dessa linha de transmissão (área livre sob a linha) pela Eletronorte é ridícula. É algo improvável. Mostra um desleixo grave, pois as árvores devem ser podadas ou tiradas do local. Esse fato revela a fragilidade do nosso sistema de transmissão.

Governo diz que apagões não estão relacionados

É o que também alerta o engenheiro Otávio Santoro, da consultoria de energia Indeco. Ele levanta a possibilidade de o aumento de linhas de transmissão no país nos últimos anos — o governo licitou 32 mil quilômetros desde 2003 — ter fragilizado o sistema.

— Algo não está certo e precisa ser reavaliado.

Estamos mudando as características da rede de transmissão e, por isso, pode estar ocorrendo um desbalanceamento da carga nas regiões Norte e Nordeste — afirma.

Ele cita o blecaute ocorrido em 8 de janeiro no Acre e em Rondônia, que teve duração de cinco horas e 17 minutos. A razão foi a falha no chamado sistema de proteção, problema semelhante que levou ao grande blecaute de 10 de novembro passado, que deixou sem luz 18 estados por quase quatro horas. Técnicos do setor consideram que, naquela ocasião, também houve falhas no sistema de proteção nas três linhas que interligam a usina hidrelétrica de Itaipu às regiões Sudeste e Centro-Oeste do país, no trecho IvaiporãItaberá. Até hoje, o governo não apresentou o relatório final sobre o apagão de 2009.

A sequência de eventos preocupa o procurador Marcelo Ribeiro de Oliveira, responsável pelo processo administrativo do Ministério Público Federal que investiga as causas do blecaute de novembro. Segundo ele, o problema evidencia que é preciso saber o quanto o sistema interligado é vulnerável.

— Até porque não dá mais para dizer que o sistema elétrico brasileiro é confiável — disse Oliveira, que espera para março o relatório técnico de universidades de São Paulo (USP) e do Rio (UFRJ) para verificar as razões do blecaute de dezembro e propor providências.

O analista Marcos Alves, da TreeTech, empresa especializada em linhas de transmissão, admite que o número de casos de grande proporção está “acima da média em um tempo relativamente curto”. Mas o secretário de Energia argumenta que os apagões ocorridos nos últimos três meses não estão relacionados entre si: — Eles ocorreram em regiões diferentes e têm características diferentes. Nosso sistema de transmissão tem desempenho de 99,95%. Ocorrem desligamentos quase todos os dias e o abastecimento não chega a ser prejudicado.

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