segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

A encruzilhada está em Minas

DEU NA REVISTA ÉPOCA

Todos os caminhos para o Palácio do Planalto passam pelo segundo maior colégio eleitoral do país.


As definições dos políticos mineiros podem ditar os rumos de Dilma e de Serra

Leonel Rocha. Com Leandro Loyola

O folclore político brasileiro estabelece que os políticos de Minas Gerais são craques da dissimulação, verdadeiras esfinges, hábeis em ocultar suas intenções e dar nós nos adversários. Uma história atribuída a Tancredo Neves e José Maria Alkmin, dois mestres nessa arte, ilustra bem o que seria o modo mineiro de fazer política. Adversários nas disputas internas no PSD, partido a que pertenciam, os dois teriam se encontrado no aeroporto de Belo Horizonte, no início dos anos 60. Trataram-se com cortesia, e Tancredo perguntou para onde Alkmin viajaria. Alkmin respondeu que iria para o Rio de Janeiro. Quando os dois se separaram, Tancredo disse a um assessor o que pensava da conversa: “Se o Alkmin disse que vai para o Rio, quer que eu pense que ele vai para São Paulo. Isso significa que ele vai para o Rio mesmo”.

Um jogo com intenções ocultas e muitos despistes, como o de Tancredo e Alkmin, está sendo disputado atualmente em Minas. O governador Aécio Neves (PSDB), o vice-presidente José Alencar (PRB), o ex-presidente Itamar Franco (PPS), o ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB), o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias (PT), e o ex-prefeito Fernando Pimentel (PT) conversam com aliados e adversários, articulam e também dissimulam muito sobre suas possíveis candidaturas nas eleições deste ano (leia o quadro abaixo).

Aécio pode ser candidato a senador ou a vice na chapa de José Serra (PSDB). Se a saúde permitir, José Alencar pode tentar o Senado ou o governo do Estado. Hélio Costa lidera as pesquisas para o governo, mas pode ser candidato ao Senado ou à Vice-Presidência na chapa de Dilma Rousseff (PT). Patrus Ananias e Fernando Pimentel disputam o direito de ser candidatos do PT ao governo, mas podem ser candidatos a senador e deputado, respectivamente. E Itamar quer ser candidato ao Senado. Mas, em seu caso, nunca se sabe. Em Minas está hoje o maior nó da política brasileira, capaz de determinar os rumos da campanha presidencial.

A peça mais importante desse jogo é o neto de Tancredo, Aécio Neves. Um dos governadores mais bem avaliados do país, Aécio tem uma eleição praticamente garantida ao Senado. Há um mês, quando anunciou oficialmente que desistia de concorrer à Presidência da República, Aécio afirmou que o Senado seria seu caminho. Mas disse também que “irreversível é a morte”. Nas últimas semanas, ele tem sido pressionado pelos tucanos a aceitar a vaga de vice de Serra. A operação para convencer Aécio inclui ainda membros do Democratas, partido aliado do PSDB, e até amigos de fora da política. “Vou de joelhos a Belo Horizonte pedir para ele aceitar”, disse o deputado Raul Jungmann (PPS-PE).

Recentemente, um interlocutor expôs a Aécio um cenário político para convencê-lo de que a vaga de vice é sua melhor opção. Caso seja eleito senador, Aécio pode sonhar em ser presidente do Congresso, num eventual governo Serra, ou líder da oposição, caso Dilma vença. Pode parecer bom, mas Aécio colocaria também sua enorme popularidade em risco por causa das sucessivas crises do Legislativo. Como vice de Serra, argumentam os políticos empenhados em atraí-lo para uma chapa liderada pelo governador paulista, Aécio poderia negociar um grande naco de poder em um eventual governo dos tucanos. “Ele pode escolher ser o sujeito que fez o máximo para ajudar a eleger o Serra”, diz um interlocutor de Aécio. “Ou ser o sujeito que foi fundamental para a vitória.”

“Sem o Aécio na chapa, corremos o risco de o mineiro não votar em Serra para presidente”, afirma o deputado Humberto Souto (PPS-MG). A divulgação da pesquisa Sensus, na semana passada, que mostra uma subida da candidata do PT, a ministra Dilma Rousseff

A opção eleitoral de Aécio pode, no entanto, alterar esse acordo entre Hélio Costa e o PT. Caso Aécio seja o vice de Serra, Costa pode virar o nome do PMDB para candidato a vice na chapa da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Por trás desse plano, existe a intenção de ter um vice capaz de dividir com Aécio os votos de Minas, o segundo maior colégio eleitoral do país. Há ainda uma terceira opção para Costa: uma tentativa de reeleição para o Senado. “Se o vice-presidente José Alencar quiser ser candidato ao governo de Minas, admito concorrer a outro cargo”, diz Costa.

Como bons mineiros, todos os outros candidatos reverenciam Alencar. A comoção causada pela luta contra o câncer, aos 78 anos, e o apoio do presidente Lula tornam o vice-presidente um candidato praticamente imbatível na disputa pelo Senado e uma opção fortíssima para o governo do Estado. Tanto do lado do governo Lula como da oposição, todos os possíveis candidatos o observam e só vão decidir seus destinos depois que Alencar traçar seu caminho. “Vou trabalhar para ajudar Lula a eleger a ministra Dilma presidente da República”, disse Alencar a ÉPOCA na semana passada, poucos dias depois de uma sessão de quimioterapia.

Alencar mostra-se bem-disposto. Apesar da gravidade da doença, ele trata o problema como um incômodo e está cumprindo jornadas políticas em tempo integral. Tem recebido regularmente ministros, parlamentares e prefeitos para articulações. Na solenidade de abertura do ano legislativo no Congresso, na semana passada, Alencar foi ovacionado. Ficou de pé, deu um soco no ar como um jogador de futebol ao comemorar um gol, discursou de improviso e foi aplaudido pelas galerias lotadas de sindicalistas.

O rumo de Alencar pode afetar o destino não só de Hélio Costa, mas também dos possíveis candidatos do PT ao governo: o ministro Patrus Ananias ou o ex-prefeito de Belo Horizonte Fernando Pimentel. Os dois protagonizam um racha profundo no PT mineiro e discordam sobre quase tudo, mas concordam em um ponto. Tanto um como outro abrem mão da candidatura ao governo estadual se essa for a opção de Alencar.

Os envolvidos no novelo mineiro observam ainda os movimentos do ex-presidente Itamar Franco. No ano passado, Itamar filiou-se ao PPS para “observar o jogo mais de perto”. Chegou a ser cogitado como candidato ao governo. Há duas semanas, no entanto, Itamar anunciou que quer ser candidato ao Senado. Ninguém garante, porém, que Itamar não possa mudar de ideia. Dias atrás, foi cotado como vice na chapa de Serra.

Desde a descoberta das minas de metais preciosos, no século XVII, Minas Gerais tem uma importância fundamental nos rumos políticos do Brasil. A inconfidência surgida em Vila Rica, hoje Ouro Preto, no final do século XVIII é um marco do processo que terminou na Independência, em 1822. Com a decadência econômica depois do fim do ciclo da mineração, a elite mineira passou a cultivar a ideia de que o Estado, por sua posição geográfica central, é a terra, por excelência, da conciliação. Foi uma forma de conservar influência política e fazer frente ao poderio crescente dos paulistas. Durante a República Velha, no início do século XX, Minas dividiu com São Paulo a condução do país.

Mais recentemente, vencer as eleições em Minas Gerais tornou-se condição imprescindível para o candidato ao Planalto que quiser ter êxito na sucessão presidencial. Desde as eleições de 1994, quem venceu em Minas foi eleito presidente (leia o quadro abaixo). Por isso, o nó em Minas é fundamental também para os candidatos à Presidência. Para Dilma, mineira que fez a carreira no Rio Grande do Sul, há mais opções, como o amigo Pimentel ou Hélio Costa. Para Serra, o engajamento de Aécio em sua campanha é crucial para ter chances de vitória nas eleições.

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