domingo, 21 de fevereiro de 2010

A grande transformação social:: Yoshiaki Nakano

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

As causas maiores não foram os programas sociais, mas as mudanças demográficas, com queda na taxa de natalidade

MUITO TEM sido escrito sobre a chamada nova classe média brasileira, e particularmente importantes são as pesquisas pioneiras de Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas. Realmente seus estudos revelam que o Brasil assiste a uma mega-ascensão de famílias pobres para a classe C, que tem renda mensal de R$ 1.115 a R$ 4.808. Desde o Plano Real essa classe passou de 32% da população para 52% hoje. Portanto, a classe média brasileira é enorme e composta de mais de 90 milhões de pessoas.

Neste artigo, quero chamar a atenção para as consequências sobre a dinâmica da economia brasileira e a mudança na pauta política que essa classe emergente está trazendo.

O relevante é entender que as causas maiores dessa grande transformação não foram os programas sociais do governo (Bolsa Família, aumento do salário mínimo e outras formas de transferência de renda), que sem dúvida têm sua contribuição significativa, mas, sim, as mudanças demográficas que ocorreram a rigor em meados da década de 80, quando tivemos uma forte queda na taxa de natalidade. Vinte anos depois, a população jovem que busca emprego começou a se reduzir, mudando totalmente a dinâmica do mercado de trabalho.

De fato, a população brasileira de jovens de 15 a 24 anos atingiu um pico de 35,1 milhões de pessoas em 2004 e começou a declinar a partir de então, tendo atingido 33,9 milhões em 2009. Com isso, a "oferta ilimitada de trabalho" chegou ao fim, e os novos empregos, para serem preenchidos, passaram a oferecer salários mais altos. Esse aumento de emprego vem acompanhado de maior produtividade, sem gerar pressão inflacionária, e também demanda melhor qualificação técnica, isto é, educação com qualidade, que é outra grande transformação que ocorre no Brasil.

As consequências para a dinâmica da economia brasileira são óbvias: passamos a ter endogenamente um mecanismo de crescimento que se retroalimenta, típico das economias capitalistas desenvolvidas. O salário real aumenta e amplia o mercado, que, por sua vez, estimula aumento de investimento e criação de novos empregos, que, acompanhados de incremento de produtividade, podem se sustentar por longo prazo.

A consequência política dessa megatransformação é a mudança da agenda eleitoral. O maior temor que uma nova classe tem é perder as suas conquistas: emprego e acesso a bens de consumo, que lhes dão novo status social. Por isso é conservadora. Não será mais a subclasse social de pobres contra a situação que vai decidir as eleições majoritárias no Brasil. Discurso contra não ganhará mais eleições. Introduziu-se na agenda eleitoral a política macroeconômica voltada para crescimento, criando empregos, sem esquecer a estabilidade. A conjugação dessa dinâmica eleitoral, associada a um mecanismo endógeno de expansão do mercado doméstico, levará a economia brasileira a um crescimento sustentado de longo prazo. As barreiras a esse processo, como as atuais políticas monetária e cambial, terão pelo menos 90 milhões de brasileiros, que, tendo acesso à educação, ganharão consciência política e terão voz decisiva pelo menos nas eleições, e a deste ano será decisiva para o Brasil entrar numa nova era.

Yoshiaki Nakano, 65, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV (Fundação Getulio Vargas), foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

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