domingo, 7 de fevereiro de 2010

Mais uma vez, é proibido proibir:: Luiz Roberto Nascimento Silva

DEU NO JORNAL DO BRASIL/Caderno B

Se há uma pessoa que, por sua personalidade leonina e precisa metralhadora mental giratória, não necessite de defesa e proteção, é Caetano Veloso. Mas o objetivo deste artigo vai além disso.

Fui informado pelo escritor baiano e meu amigo Ildásio Tavares, em seu blog, que determinados grupos políticos organizam um movimento para vaiar o grande artista durante sua participação no carnaval de Salvador.

Isso seria uma retaliação pública a sua crítica sobre o presidente da República expressa em entrevista recente. Prefiro não crer nesse fato julgando que com um pouco de bom senso esse grupo irá abandonar essa ideia absurda.

Caetano Veloso representa a grande tradição de contribuição baiana à nossa cultura e formação do que temos de melhor como nação. Segue a linhagem de Gregório de Matos, Castro Alves, de Jorge Amado que trouxe o povo para a ficção, de Dorival Caymmi, que trouxe o povo para a música, de João Gilberto, que modificou a estrutura da linguagem musical criando uma nova sintaxe que desembocaria na bossa nova. Se em todos os segmentos culturais a participação da Bahia é exemplar, na música é excepcional, sendo o estado que mais produziu artistas e movimentos musicais de expressão nas últimas décadas no Brasil.

Poucos artistas divulgaram a Bahia dentro e fora do país quanto Caetano. Poucos expuseram suas posições políticas com tanta clareza e contundência quanto ele, que foi obrigado a exilar-se do Brasil exatamente por isso. Além das posições políticas, do ponto de vista artístico poucos artistas foram tão prolíficos e ousados, renovando sempre sua linguagem e correndo sempre novos riscos, saltando para novos espaços sem redes de proteção, quando muitos se acomodam. Inventou a tropicália, resgatou cantigas do folclore baiano, defendeu a importância de Roberto Carlos quando ela estava fora de foco, trouxe a poesia para as letras musicais com o máximo de invenção e sofisticação, mergulhou no rock em sua versão despojada, seca, gutural. Como se não bastasse, é um dos maiores cantores do país, a ponto de reinventar clássicos esquecidos da MPB transformando essas músicas quase em criação sua.

Ora, como um artista dessa importância pode ser vaiado no estado, na cidade de onde partiu para revolucionar a nossa cultura? Não faz sentido. Tudo isso ainda por cima no Carnaval, que é a festa da liberdade do povo brasileiro, a explosão simbólica que permite em sua curta duração uma aproximação das classes sociais, uma inversão de papéis sociais ajudando a manter certa doçura nessa porção portuguesa da América Latina.Para denunciar esse equívoco, fomos buscar na própria obra de Caetano a melhor argumentação contra ele. O título do artigo tem origem no refrão do movimento estudantil europeu e francês de 1968 e na música homóloga que ele compôs no mesmo ano. No 3º Festival da Canção, após ser vaiado enquanto tentava cantar sua composição, Caetano fez um discurso ontológico, em certo sentido ainda mais atual que a própria música. Numa das passagens, ele disse: “O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música brasileira. Viva Cacilda Becker!”.

A essência da democracia é a liberdade de expressão. Tenho a esperança que a crônica dessa agressão anunciada não ocorrerá. Os foliões chegando à Praça Castro Alves ficarão imbuídos do espírito do homenageado.

Lembrarão sua advertência: “A praça é do povo/ Como o céu é do condor.

/ É o antro onde a liberdade / cria águias em seu calor!”.

Luiz Roberto Nascimento Silva foi ministro da Cultura do governo Itamar Franco e secretário da Cultura do governo Aécio Neves. É mestre em direito econômico pela UFRJ

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