domingo, 14 de fevereiro de 2010

Os recados políticos nos passos do frevo

DEU NO JORNAL DO COMMERCIO (PE)

O frevo como mensagem política foi uma tradição bastante usada por compositores, em tempos de campanha ou não. Algumas das composições e paródias criadas no passado ficaram na história

Sérgio Montenegro Filho

Muitos dos foliões que sobem hoje as ladeiras de Olinda ou vestem a fantasia para brincar no Recife Antigo já não costumam prestar atenção nas mensagens contidas nas letras dos frevos executados durante os quatro dias de festa. No passado, porém, o Carnaval era um momento de se mandar recados. Elogios, protestos e críticas – sutis ou diretas – estavam sempre presentes nas letras dos frevos lançados todos os anos pelos compositores pernambucanos. Entre eles, o maestro Nelson Ferreira se destacou em número de composições. Sem olhar cores partidárias, fazia músicas para todas as correntes políticas. E quando criticava, ninguém escapava da sua mira.

O frevo é usado como mensagem política desde praticamente a sua criação, no início do Século 20, conforme explica o musicólogo pernambucano Samuel Valente. Estudioso e colecionador de marchinhas e jingles, Valente tem em seu acervo uma gravação feita para a campanha do general Dantas Barreto, que disputou o governo de Pernambuco em 1911, contra o conselheiro Rosa e Silva. Trata-se da primeira paródia da música “Vassourinhas”, que se tornaria uma das mais utilizadas em campanhas eleitorais. Entre os políticos brasileiros, o ex-presidente Getúlio Vargas foi um dos mais homenageados – e também criticados – em frevo. Uma das marchinhas mais famosas, Retrato do velho, composta por Haroldo Lobo e Marino Pinto, virou slogan da campanha de Vargas em 1950: “Bota o retrato do velho outra vez/Bota no mesmo lugar”.

Jânio Quadros e Juscelino Kubitschek também tiveram seus nomes muito glosados pelos compositores. Em Adeus, Emília, Sebastião Lopes elogiava as maravilhas da nova capital em construção, maior obra de JK: “Brasília não tem Carnaval/Nem é cidade maravilhosa/Não tem Copacabana com a garotada tão bacana/Não tem Cristo Redentor, a Guanabara e seu esplendor/Não tem Maracanã, mas será o Brasil de amanhã”. Já em Cordão da vassourinha, é a vez de Nelson Ferreira homenagear Jânio, usando a vassoura, símbolo da sua campanha: “Quá, quá, quá, quá, quá/Gargalhemos de novo no passo da tesoura/Vamos entrar de Alvorada adentro/Na onda triunfal do clube da vassoura”.

Em Pernambuco, por razões óbvias, a produção de frevos foi particularmente fértil. Não somente os letrados – frevos canção e de bloco – mas até os frevos de rua, apenas instrumentais, traziam sua carga política. Em um deles, de 1964, o maestro Guedes Peixoto marcou seu protesto contra o golpe militar, batizando-o de Reforma Agrária. Os compositores críticos, ao contrário dos militantes de esquerda, não foram perseguidos por suas obras. Samuel Valente conta que desde as gestões dos governadores Estácio Coimbra (1926-30) e Carlos de Lima Cavalcanti (1930-37), o ambiente carregado não assustava os músicos. “Em 30, Nelson Vaz compôs o Me Deixa, seu Freitas, contra o odiado chefe de polícia da época. Já em 31, Nelson Ferreira fez o A canoa afundou, no qual instigava Carlos de Lima a combater a ‘macacada prestista’, os adeptos do então candidato a presidente Júlio Prestes”, diz.

USO ELEITORAL

Valente defende que as campanhas políticas tenham frevos compostos exclusivamente para elas. A utilização de frevos comerciais em campanhas eleitorais, segundo ele, termina estigmatizando a música. Ainda assim, o musicólogo destaca alguns que marcaram época. Um deles é o Voltei, Recife, composto por Luiz Bandeira e cantado por muitos intérpretes, como Alceu Valença.

“Depois do uso na campanha de Joaquim Francisco para prefeito, em 1988, esse frevo ficou amaldiçoado. Ele dividia as plateias entre os adeptos e os opositores do prefeito eleito, e nem todos queriam cantá-lo”, afirma. Outra música que ganhou coloração política e, por consequência, estigmas, foi o frevo de rua Fogão, de Sérgio Lisboa. Em princípio, um instrumental, a música ganhou letra na campanha de Miguel Arraes ao governo, em 1986: “O povo quer/Aquele que fez mais/Arraes, Arraes, Arraes/86 só vai dar Arraes”.

Miguel Arraes, aliás, foi um dos que mais receberam homenagens dos compositores. Assim como o ex-governador Cid Sampaio. Em 1958, eleito governador, Cid ganhou o elogio de Nelson Ferreira com o frevo Bloco da vitória: “Quando o povo deCID cair na frevança/Não há quem dê jeito!”, dizia. No ano seguinte foi a vez de Ferreira, junto com Aldemar Paiva e Sebastião Lopes, lançar Caiu a sopa no mel, na qual festejava a eleição de Arraes para a Prefeitura do Recife, com o apoio de Cid: “Seu Miguel chegou/E arrastou o povo pra maior animação/Que tentação! A sopa caiu no mel!/Salve, salve o Carnaval!/E também salve o seu Miguel!”.

Arraes ganharia mais uma série de frevos durante as suas campanhas seguintes, antes e depois do exílio. Entre eles, Frevarraes – de Stanius Freitas com o maestro José Nunes – e o Arraestaqui, de Samuel Valente, que também é o autor do frevo canção É pra já, feito no Carnaval de 1986 em homenagem ao então prefeito do Recife Jarbas Vasconcelos.

Segundo Valente, essa politização do frevo acabou. “A própria Música Popular Brasileira está despolitizada”, critica. Embora ainda se façam algumas brincadeiras com os políticos, principalmente o presidente Lula, não é como antes. “Falta um mote. Depois da redemocratização, perdemos um pouco o sentido do protesto político na música”, acrescenta o musicólogo. Quanto aos compositores que, a exemplo de Nelson Ferreira, homenageavam e criticavam todas as facções, Valente destaca que a maioria pensava, mesmo, era em música. “Poucos eram filiados ou militantes de alguma corrente. A maioria fazia música por amizade ou admiração, independente de cores partidárias”, conclui.


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