quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Pedro Cafardo::Em 2010, é preciso refletir sobre 2006

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Quando terminou a campanha presidencial de 2006, alguns políticos disseram que a imprensa deveria refletir sobre seu comportamento durante o processo eleitoral. A reação dos jornalistas foi feroz. Afinal, a classe política, tão cheia de figuras com deplorável comportamento ético, para dizer o mínimo, tem pouca moral para cobrar reflexão da imprensa.

O tema, porém, precisa ser tratado com serenidade. Às vésperas de uma nova eleição presidencial, é oportuno lembrar o grande acirramento de ânimos da campanha de quatro anos atrás. É necessário admitir que, em certos momentos daquela disputa, uma parte da imprensa ultrapassou o sinal vermelho em alguns episódios, principalmente nas horas decisivas do pleito, tanto no primeiro quanto no segundo turno.

Os veículos de comunicação têm o direito de tomar posição e mesmo revelar seu "voto" em algum candidato em seus editoriais. Isso é legítimo, embora poucos o façam no Brasil. Mas é discutível, do ponto de vista ético, seu direito de utilizar o espaço do noticiário em favor da campanha eleitoral de um ou outro candidato. O exame sereno de páginas e páginas de jornais e revistas publicadas na última eleição mostra que, em momentos de maior exacerbação, alguns veículos ficaram muito parecidos com panfletos eleitorais.

Candidatos foram abertamente chamados de "ladrões" por alguns colunistas e em títulos de reportagens. Sem dúvida, houve escancarado engajamento político de muitos colunistas e repórteres, de ambos os lados. É verdade que esse engajamento já ocorreu largamente em eleições presidenciais passadas, desde a primeira após a redemocratização, em 1989, quando Fernando Collor de Mello foi eleito.

Em campanhas eleitorais anteriores à de 2006, havia em vários veículos uma preocupação bastante definida, em alguns casos até obsessiva, de contabilizar o número de colunas e páginas utilizadas na cobertura de cada candidato. Na campanha passada, essa preocupação desapareceu.
Até porque esse cálculo seria inócuo. Mais do que o volume de páginas oferecidas aos candidatos, seria importante analisar o viés de cada uma das reportagens, um trabalho que também seria prejudicado pela subjetividade do analista. De qualquer forma, pode-se afirmar que houve desequilíbrio na exposição qualitativa dos candidatos para um lado ou para outro, dependendo do veículo, durante um certo período da campanha, principalmente nos últimos dias antes do primeiro e do segundo turno.

Por tudo isso, parece razoável a sugestão de que a imprensa precisa refletir sobre o seu comportamento passado e sobre os limites da ética antes do início da nova campanha presidencial.

Pode um colunista, por exemplo, bater sistematicamente na mesma tecla, fazendo acusações e críticas a um candidato, sem nenhuma comprovação e sem dar espaço à defesa do acusado?

Pode uma manchete de página chamar um candidato de ladrão, sob o argumento de que a afirmação foi feita "on the record" por um entrevistado do partido adversário?

Repórteres podem acobertar uma fonte mesmo sabendo que ela mente para esconder sua própria lambança?

Não há justificativas para algumas tentativas de cerceamento da liberdade de imprensa ocorridas durante a campanha passada e principalmente após a vitória de Lula, ainda que se tenha um "rosário de queixas" contra alguns jornalistas, como disse na época um senador. São inaceitáveis agressões contra jornalistas como a que se deu há quatro anos, em Brasília, por militantes petistas, num clima deplorável de "linchamento".

Um clássico escorregão da mídia, na campanha eleitoral ou fora dela, tem sido divulgar denúncias que levam o leitor a identificar acusados como culpados. Claro que a imprensa não é responsável pelo corporativismo do Congresso, que poupou (deixou de cassar) muitos políticos acusados de corrupção, ou por eventuais falhas da Justiça ao inocentar esses políticos em processos. Mas à imprensa cabe cuidar para não fazer pré-julgamentos, ainda que isso às vezes signifique a perda de um furo. Em resumo, a imprensa tem a obrigação de praticar autocrítica e se submeter com mais humildade a avaliações externas sobre a qualidade e a imparcialidade de seu trabalho informativo. Desde que, obviamente, essas avaliações partam de fontes que respeitem a liberdade de informação e as diferenças de opinião.

Pedro Cafardo é editor-executivo do "Valor". A titular da coluna, Rosângela Bittar, está em férias

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