segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Ricardo Noblat:: Fica, Arruda!

DEU EM O GLOBO

“Podíamos ter expulsado o Arruda no primeiro minuto, demos uma semana e só piorou”.(Demóstenes Torres, senador do DEM)

Louve-se a franqueza de Lula ao saber da prisão do governador José Roberto Arruda, do Distrito Federal, decretada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Segundo Gilberto Carvalho, seu chefe de gabinete, Lula ficou triste com a notícia, pois considerava “ruim para a consciência política do Brasil” que um governador fosse parar na cadeia.

Parem de implicar com Lula: além de sincero, ele foi coerente.

Em novembro último, depois de assistir aos vídeos que mostravam Arruda e deputados recebendo dinheiro vivo, além de empresários reclamando do alto valor de suas contribuições para o mensalão do DEM, ele havia dito de cara limpa que as imagens não falavam por si.

Mil vezes mais a sinceridade esporádica de Lula ao cinismo e à mentira que orientam o comportamento diário e as declarações da maioria dos nossos políticos. Na tarde da última quinta-feira, por exemplo, Arruda entregouse à polícia se dizendo vítima de uma armação diabólica de desafetos. Só faltou garantir que a História, um dia, o absolverá.

O vice dele, Paulo Octávio, assumiu o governo e afirmou em entrevista ao jornalista Gerson Camarotti que seu gesto era de puro desprendimento.

Dono de 16 empresas que empregam cinco mil pessoas, está convencido de que doravante passará a correr sério risco. “A decisão do fico foi uma demonstração de responsabilidade”, gabou-se.

Não foi. Membro da comissão de frente do escândalo, Paulo Octávio discutiu com parentes e advogados se o melhor para seus negócios não seria a renúncia à condição de vice. Pensou em simular uma doença para se dar como impedido de suceder a Arruda. Por fim, cedeu ao argumento de que a renúncia soaria como uma confissão de culpa.

Arruda e Paulo Octávio são crias políticas de Joaquim Roriz, que governou o Distrito Federal quatro vezes. Roriz pintou e bordou sem constrangimento.

Fez coisas que Deus duvida — da doação de terra pública em troca de votos ao uso escrachado do Banco Regional de Brasília.

Respondeu a dezenas de processos e escapou de todos.

Suas crias devem ter imaginado que eram tão espertas como ele. E que poderiam até superá-lo. Como observou um leitor do meu blog, Arruda conseguiu o que Roriz tentou sem êxito: ser preso.

Pior: só havia um meio para ser preso — se Arruda interferisse na produção de provas contra ele mesmo e coagisse testemunhas. Foi o que fez. Magnífico! Caso tivesse procedido com cautela, Arruda seria processado pelo STJ por improbidade administrativa. O processo se arrastaria até o fim do seu mandato no próximo dia 31 de dezembro. Com Arruda sem direito a foro especial a partir dessa data, o processo seria remetido para a primeira instância da Justiça. Tudo então se tornaria mais fácil para ele.

Salvo a Polícia Federal e o Ministério Público, ninguém em Brasília tem ideia do volume e da gravidade das provas recolhidas contra Arruda, Paulo Octávio e demais envolvidos no escândalo que deixou o Distrito Federal desgovernado.

O que existe hoje é um simulacro de governo sujeito a ser varrido do mapa de uma hora para a outra.

“A organização criminosa instalada no governo do Distrito Federal continua valendose do poder econômico e político para atrapalhar as investigações e, assim, garantir a impunidade”, afirmou Roberto Gurgel, procuradorgeral da República, horas depois da prisão de Arruda. Gurgel pediu a nomeação de um interventor para o Distrito Federal.

Caberá ao Supremo Tribunal Federal aceitar ou não o pedido de Gurgel. Os deputados da Câmara Legislativa começam a emitir sinais de que topam aprovar o impeachment de Arruda para evitar a ação higiênica de um interventor.

A essa altura, é desprovida de qualquer lógica a hipótese de Arruda simplesmente ser solto e reassumir o governo.

Reassumir para quê? Para se valer de novo do cargo e tentar reescrever o seu destino? A Justiça não foi tão longe para no fim produzir uma aberração.

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