sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Silêncio em Cuba vale críticas a Lula

DEU EM O GLOBO

A ausência de condenação ao desrespeito aos direitos humanos em Cuba gerou críticas ao presidente Lula, que visitava a ilha quando o preso político Orlando Zapata morreu após greve de fome. Analistas de relações internacionais dizem que Lula não deveria guiar a política externa por preferências ideológicas ou relações de amizade. O jornal "El País" criticou o silêncio de Lula. Mil policiais e militares cercaram o povoado onde ocorreu o enterro de Zapata e impediram o acesso de jornalistas.

MORTE DE DISSIDENTE NA ILHA

Lula é criticado por silêncio sobre Cuba

Analistas alertam que presidente brasileiro não pode se esconder atrás de velhas preferências ideológicas

Eliane Oliveira, Cristiane Jungblut e Tatiana Farah

BRASÍLIA e SÃO PAULO. Um país como o Brasil, que usa internamente a bandeira dos direitos humanos para condenar o período da ditadura, não pode ficar em cima do muro ante os últimos acontecimentos em Cuba, segundo analistas ouvidos pelo GLOBO. Para o especialista em Direito Internacional George Galindo, seria importante que a diplomacia brasileira tomasse posição mais enérgica. Sobretudo agora, que Cuba foi autorizada a voltar para a Organização dos Estados Americanos (OEA).

- O fato de Cuba entrar novamente na OEA gera ônus tanto para os cubanos como para os vizinhos. Se o Brasil, nos dois últimos governos, defende há tanto tempo os direitos humanos, deve aplicar isto também no plano externo - disse Galindo.

"É preciso pôr fim à relação nostálgica com Cuba"

Ele também criticou as frequentes abstenções do Brasil sobre o assunto em fóruns internacionais - não apenas no governo Lula, frisou, mas também no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso. Também atacou o argumento das autoridades brasileiras de que não se pode interferir em assuntos internos, quando, ao mesmo tempo, condenou taxativamente o golpe em Honduras.

- O princípio genérico de não ingerência em assuntos internos não pode servir de pretexto para fechar os olhos publicamente a violações gravíssimas do direito internacional - disse o professor de Ciências Humanas Estevão Martins, da Universidade de Brasília (UnB).

- A voz política do país não pode se esconder atrás de alguma preferência ideológica. Um país que tem uma Secretaria de Direitos Humanos que faz um estardalhaço fora do comum com respeito a ditaduras passadas, cria uma situação de desconforto ao ficar em silêncio total em relação a uma ditadura que dura mais de 50 anos - acrescentou o acadêmico.

O professor titular de Relações Internacionais da UnB Eduardo Viola concorda com a avaliação e acredita que o Brasil já deveria ter se pronunciado:

- Não é uma questão de interferência ou ingerência. A política externa do governo Lula não corresponde a um país democrático como o Brasil. É preciso acabar com essa relação nostálgica com Cuba.

Postura de Lula em Havana domina debates na Câmara

O jurista Antonio Márcio da Cunha Guimarães, especialista da PUC-SP em Direito Internacional e Direitos Humanos, criticou a falta de posicionamento:

- O presidente não pode pautar relações internacionais por suas relações pessoais, de amizade. Acho um despropósito essas manifestações de apoio público de Lula a governantes como os de Cuba e Irã.

Em Brasília, o silêncio de Lula à morte do dissidente cubano Orlando Zapata Tamayo provocou a reação do DEM, que até obstruiu e conseguiu suspender a votação de acordos internacionais na Câmara. A viagem a Havana dominou num plenário esvaziado, provocando debates acalorados entre parlamentares.

- Quem poderia imaginar um presidente operário, o nosso presidente metalúrgico, ir a Cuba para comemorar a morte de um dissidente do regime de Fidel. Isso é inaceitável. Tirar foto dando risada, ao lado de assassinos, ao lado de bandidos, em Cuba - disse o vice-líder do DEM, deputado José Carlos Aleluia (BA).

A deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), irritada, pediu que fosse retirada a expressão "assassinos" do discurso, e o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP) disse que iria analisar a questão. O líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (SP), saiu em defesa de Lula. O ministro de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, mandou dizer que estava se preparando para viajar e não poderia falar sobre o caso.

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