quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Um pouco de sangue na crise: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Crise grega vai à rua; colchão social mantém Europa calma; mas há risco de recaída na recessão e calote soberano

Como previsto, gregos irados vão às ruas protestar contra o arrocho brutal que seu governo socialista prometeu à Alemanha, o caixa da União Europeia, e aos mercados. Não se trata de revolta geral. Pesquisas indicam que a maioria da população apoia o governo. Pelo menos enquanto não forem sentidos os efeitos do corte de gastos públicos e das mudanças na saúde, em aposentadorias e leis trabalhistas, se é que elas serão aprovadas.

A Grécia, como se sabe, está na beira do cadafalso porque seu governo tem deficit demais e dívida enorme. Porque o país vive acima dos seus meios, importa mais do que exporta. Sua economia não é produtiva o bastante, e os gregos não podem nem desvalorizar sua moeda a fim de venderem mais barato e mais ao exterior (a Grécia adotou o euro, não controla sua moeda nem juros).

O tumulto grego, muito modesto, é a primeira comoção social em país do mundo rico, ainda que a Grécia esteja na extrema periferia desse planeta. Mesmo na França, onde "manifs" são tão tradicionais ou frequentes como greves na Air France, o grito da rua foi muito tímido, quase inaudível. Até agora, pois, houve apenas protestos muito pontuais e de muito mau gosto. No ano passado, por exemplo, trabalhadores britânicos revoltaram-se com a contratação de italianos e portugueses para trabalhar na obra de uma refinaria na Inglaterra; o racismo ficou mais atirado na Itália. Coisas assim.

O nível de bem-estar material, os benefícios sociais, o individualismo crescente ao infinito e a ausência de alternativa política crível evitaram que uma crise medonha pusesse fogo na caldeira social. Houve recessões de 5% pela eurozona. Mas o ambiente político-social está calmo.

Mesmo onde há desemprego de 20%, na Espanha. Portugal, próximo da fila numa crise "à grega", jamais teve filósofos ou revoluções.

Ou melhor, teve a crise social que deu na Revolução de Avis. Mas isso foi no século 14.

Na mídia, diplomacia ou governos europeus, ninguém parece dar a mínima para o risco de tumulto de rua, provavelmente com razão. A insatisfação é só um problema eleitoral. O temor maior mesmo é o de a Grécia não conseguir aprovar seu pacote e levar um piparote do mercado antes que a União Europeia (Alemanha) possa cobrir a conta helena. Então haveria altas gerais de juros na praça, problemas bancários, crise política na eurozona e coisa pior.

Preocupante ainda é que a recuperação econômica, que parecia rápida, não o será, como o reafirmou ontem o banco central dos EUA. Houve uma ilusão otimista, provocada pelo efeito do despejo de dinheiro barato na finança. Cresce o risco de o mundo rico recair em recessão.

O cenário não é de sangria desatada, decerto. Mas ficou de vez claro que não se sai de uma crise como a de 2008-09 sem dor. A conta que a finança deixou para os governos pagarem foi grande. Cobrir essa dívida vai custar anos de crescimento baixo. No pior dos casos, pode custar até alguma quebra de governo.

Na Europa, até na Grécia, as "redes de proteção social" amorteceram os choques causados pelo mercadismo louco (o mesmo mercadismo que queria destroçar o Estado de Bem-Estar Social e por ele foi salvo politicamente). Mas até quando duram as molas desse colchão?

Um comentário:

  1. Podemos ver que a crise deixou marcas.
    E que Keynes está realmente certo.

    Parabéns, Vinicius pela matéria essa matéria foi tema de trabalho para minha sala na faculdade.

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