segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Uruguai e o contágio da inteligência:: Luiz Carlos Bresser-Pereira

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O Uruguai, há muito tempo estagnado, precisa de uma inteligência que recuse todas as ortodoxias

UMA AMIGA enviou-me um belo discurso do recém-eleito presidente do Uruguai, José "Pepe" Mujica, proferido em 29 de abril de 2009, durante sua campanha eleitoral. Foi um discurso para um auditório de intelectuais, com um título significativo: "Um Uruguai de engenheiros, filósofos e artistas". No começo do discurso, há uma frase deliciosa de Mujica: "Vocês se lembram do Tio Patinhas, o tio milionário do Pato Donald que nadava em uma piscina cheia de moedas? Ele tinha uma sensualidade física pelo dinheiro. Gosto de me ver como alguém que gosta de tomar banho em piscinas cheias de inteligência alheia, de cultura alheia, de sabedoria alheia. Quanto mais alheia, melhor. Quanto menos coincide com meus pequenos saberes, melhor".

O Uruguai precisa realmente de muita inteligência, de toda a inteligência que o novo presidente puder reunir, de uma inteligência que recuse todas as ortodoxias, que seja modesta e pragmática, porque sua tarefa é difícil. O Uruguai está há muito estagnado. Nos últimos 20 anos, apenas o Haiti cresceu menos. Entretanto, enquanto para um país grande como o Brasil suponho saber como aplicar o tripé novo-desenvolvimentista (responsabilidade fiscal, responsabilidade cambial e papel estratégico para o Estado na promoção do desenvolvimento econômico e social), tenho dúvidas sobre o que fazer em um país pequeno como o Uruguai, mas dotado de bom nível cultural e de renda por habitante média.

A estratégia da liberalização financeira visando tornar o país um entreposto financeiro e comercial no Cone Sul falhou. Parecia lógica nos tempos do neoliberalismo triunfante dos anos 1990; parecia lógica para um país pequeno que não dispõe de um mercado interno suficientemente grande para sustentar uma indústria diversificada. Mas falhou. Falhou a inteligência alheia -aquela que os países ricos emprestam a custos elevados. É preciso que agora funcione a própria inteligência uruguaia, aquela à qual apela com tanta força seu novo presidente.

É necessário dar prioridade à educação, mas isso é óbvio -é uma verdade para todos os países. Mais importante, porque implica uma decisão, uma escolha, é definir uma estratégia que assegure ao Uruguai um papel na economia mundial. Provavelmente a solução seja definir um ou dois setores industriais que o país julga viáveis, protegê-los fortemente por algum tempo e, depois, cobrar das empresas capacidade de competição internacional. Essa foi a política dos países pequenos da Europa no século 19. Sua tarifa alfandegária média era pequena, mas uns poucos setores eram altamente protegidos.

Em seu discurso, o presidente Mujica afirma em certo momento: "Está demonstrado que, uma vez que a inteligência adquira certo grau de concentração em uma sociedade, ela se torna contagiosa". Maravilhosa metáfora! Mas a inteligência de uma nação só é contagiosa se for realmente nacional. É inútil buscar conselhos em brasileiros, argentinos ou americanos.

São concorrentes que pouco sabem do Uruguai. O desafio é para os próprios uruguaios. Eles é que terão que saber como tornar sua inteligência contagiante, como obrigá-la a pensar, em vez de se limitar a repetir o mesmo, o já sabido. Os uruguaios deverão determinar a forma do seu desenvolvimentismo na era da globalização. Esta abriu grandes oportunidades para os países de renda média, mas o tempo da globalização é implacável. A regra que a preside é simples: quem não pensar por conta própria, quem não tiver uma estratégia nacional de desenvolvimento não sobreviverá.

Luiz Carlos Bresser-Pereira, 75, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC), é autor de "Globalização e Competição"

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