sexta-feira, 19 de março de 2010

Estado forte do PT incentiva oligopólios e prejudica competição, diz Goldman

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Cristiane Agostine, de São Paulo

Em duas semanas, o engenheiro Alberto Goldman (PSDB) poderá deixar o cargo de vice-governador de São Paulo para assumir o comando do Estado. A mudança, no entanto, ainda depende da decisão do governador José Serra (PSDB) de se desincompatibilizar do cargo para disputar a Presidência. Nesse caso, Goldman será o responsável por dar continuidade às principais obras da gestão e ajudar na campanha nacional do PSDB.

Goldman e Serra são amigos há mais de trinta anos. Conheceram-se quando o governador voltou do exílio no Chile. Após o golpe de 1964, Goldman atuou como militante clandestino do PCB. Filiou-se ao MDB, ajudou na fundação do PMDB e retornou ao "Partidão" em 1985. Dois anos depois, participou do governo Orestes Quércia, que o levou de volta ao PMDB. No governo Itamar Franco, foi ministro dos Transportes.

Dentro do PSDB, Goldman ajudou na reaproximação entre Serra e o ex-governador Geraldo Alckmin, a quem deixou o cargo de secretário de Desenvolvimento.

Entre uma conversa com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), e com o presidente da Sabesp, Gesner Oliveira, Goldman recebeu o Valor , na terça-feira, em seu gabinete no Palácio dos Bandeirantes. Na entrevista que se segue, diz que enquanto o Estado forte petista usa o BNDES para fortalecer monopólios, o do PSDB estimula a concorrência com o fortalecimento dos meios de regulação. A seguir, trechos da entrevista.

Valor: O governador José Serra e a ministra Dilma Rousseff defendem um Estado forte e convergem em muitos itens da agenda econômica. Eles não se assemelham demais para disputar uma eleição?

Alberto Goldman: Os dois só se assemelham em uma coisa: combateram a ditadura. (Eles) Não têm mais nenhuma semelhança.

Valor: Em que se diferenciam?

Goldman: Conheço a postura de Serra porque vem de muitos anos. Foi ministro anteriormente. Sei o que defendia e o que deve defender. Tem coerência. Da Dilma não sei. O PT era um até um determinado dia, mas aí fizeram a Carta aos Brasileiros e mudaram a concepção. Depois veio uma visão menos estatista. Em seguida, recuaram. É o que vemos nesses documentos que foram a base do Congresso do PT. Não sei o que dizer (sobre Dilma), se é uma coisa ou outra. Não vejo uma linha coerente.

Valor: Que visão o senhor tem sobre o papel do Estado?

Goldman: Tem de ser forte para garantir o desenvolvimento, dar sustentação, infraestrutura, incentivo e apoio. Mobilizar todos os seus instrumentos para garantir o desenvolvimento, o melhor funcionamento para não deixar o mercado livre. O mercado livre é o campo onde as piranhas se comem. Os pequenos, os mais fraquinhos aqui é que são comidos. É (preciso) ter uma regulação do mercados. Não prendê-los demais, mas não deixar simplesmente que cada um faça o que deseja. Senão dá no que deu.

Valor: A regulação dos mercados não assusta o mercado financeiro?

Goldman: Quando digo regulação, digo regras gerais. Não é dizer: "Você vai cobrar taxa de tanto"; "vai fazer não sei o que". É regulação em linhas gerais. Se tivéssemos um pouco de regulação, não teríamos aquele episódio que tivemos no governo Fernando Henrique Cardoso do Banco Nacional, do Banco Econômico, do Bamerindus, aqueles bancos que quebraram e levaram um monte de gente junto. Depois disso o que é que se fez? Se fez o Proer. O Proer é a regulação correta, consequente. Não vai interferir na vida dos bancos. A melhor forma de regular é incentivar a competição. Regular significa criar condições para competição. É a minha ótica pessoal, não tem nada a ver com Serra. Quando fui relator da Lei Geral de Telecomunicações, discutimos isso na formação da lei e em todo o projeto. Qual era a linha básica? Criar condições de competição no setor de telecomunicações. Tinha a Anatel, que estabelecia as vias básicas e que regulava para garantir a competição. É a competição que pode influir na melhora da qualidade e dos preços. Isso parou. Esse governo não fez nada nessa direção.

Valor: Em que sentido essa defesa do Estado forte é diferente do que o PT defende?

Goldman: Eles defendem agências reguladoras independentes do jogo político-partidário? O maior opositor que tinha no Congresso sobre a flexibilização do setor de petróleo, sobre a quebra do monopólio da estatal, era o deputado Haroldo Lima, que hoje é o presidente da Agência Nacional do Petróleo. Ele era o mais contundente opositor à agência. Hoje é o presidente. Dá para entender? Eu apresentava o relatório e ele gritava, esperneava que nós estávamos acabando com o país. Essa politização destruiu agências, eliminou a capacidade delas de fazer o papel regulador do Estado.

Valor: Esse Estado que o senhor defende não passa pelo fortalecimento do BNDES, que já está acontecendo?

Goldman: Concordo, mas precisa tomar cuidado com a forma pela qual o BNDES está fortalecendo a constituição de monopólios e oligopólios, sob a ótica de construir multinacionais que vão poder disputar não sei o que no mundo, lá fora. Tudo bem que lá fora se tenha empresas grandes, que se consorciam para disputar, mas a contrapartida não pode ser constituir monopólios e oligopólios como está se constituindo no país. É contra o processo de competição.

Valor: Há fortes investimentos do governo paulista em Transportes e em Saneamento. Essas duas áreas são pilares do PAC. A estratégia é comparar esses investimentos com os do governo federal?

Goldman: Não consigo encontrar pilar nenhum nesse PAC. O PAC virou um caleidoscópio enorme. Milhões de pedacinhos e coisas espalhadas para todo lado e você não tem nenhum foco. O PAC tem desde teoricamente o saneamento básico - que não se consegue avançar no Brasil, porque fica tudo preso na burocracia federal -, passa pela habitação , onde os resultados têm sido muito magros, .... Vai daí até algumas coisas um tanto quanto mirabolantes. Está tudo no PAC. Tem alguma coisa que não está no PAC? Tudo deve estar. O PAC nada mais é do que um rótulo. Pegou todo o bolo e pum! Chamou de PAC.

Valor: Mas São Paulo recebe recursos do PAC para obras importantes, como o Rodoanel, não?

Goldman: Recebe recursos federais. Chame PAC ou chame PIC, ou POC, se quiser (risos). Recebe, de fato. O Rodoanel, por exemplo, tem recursos minoritários, mas tem. Já tinha no governo anterior. E tem que ter mesmo: 23% da população do Brasil está no Estado. No caso de trens, não tem recursos do Orçamento, mas tem financiamento. Metrô tem financiamento do BNDES. Não é dado. É emprestado, com juros.

Valor: O PAC é eleitoreiro?

Goldman: Não quero fazer esse tipo de carimbo. Acho que todos os programas que os governos fazem têm um componente eleitoral. Em qualquer governo, em qualquer nível. Estão sempre preocupados com eleição, com o futuro. Isso não é negativo, ter governos preocupados em ser bem avaliados, porque estarão em novos confrontos eleitorais. Não é negativo. É um dado da democracia que vale em qualquer lugar. No governo Fernando Henrique tínhamos os Eixos do Desenvolvimento. O PAC se chamava Eixo do Desenvolvimento. É exatamente a mesma coisa, mas o nome é diferente.

Valor: Que balanço o senhor faz do governo de São Paulo até agora?

Goldman: Não quero fazer balanço. Quem vai fazê-lo é o governador no momento em que ele achar que tem de fazer. Tenho que me limitar na minha função. O que eu vejo são focos. Na área de Transportes, os investimentos estavam muito lentos, até pelas dificuldades financeiras que os Estados sempre tiveram. Uma das características do governo Serra foi transformar um investimento tradicional de US$ 3 bilhões em US$ 10 bilhões. Como é que se conseguiu isso? Com ações de melhoria da gestão interna e de obtenção de financiamento externo, do BNDES, e de venda de ativos. O Estado trabalhou sempre para ter margens para endividamento. Em Saneamento, temos praticamente 100% onde atua, no fornecimento de água potável. É só comparar os índices de São Paulo com os do Brasil. Coleta de esgoto temos quase 80%. Tratamento desses 80% ainda está em 60%. As coisas estão evoluindo muito rapidamente. Nossa expectativa é de chegar a 100% em 2018. É uma meta definida. Outro foco, desde o primeiro dia, foi o Meio Ambiente, com grandes mudanças durante todo esse período.

Valor: O senhor está se preparando para assumir o governo?

Goldman: Desde o dia em que fui escolhido para vice, eleito, estou preparado para qualquer coisa. Assim como nas saídas do governador eu assumi, se ele sair agora vou assumir do mesmo jeito. Tenho uma vida política de 40 anos. Já passei por tudo o que é possível. Deputado estadual, federal, ministro, secretário. Como é que não estou preparado? Mas não há nenhuma definição.

Valor: Nas duas últimas eleições, houve um forte desgaste entre Serra e Alckmin. Como será a convivência entre o grupo ligado a Serra e a ala mais próxima a Alckmin ?

Goldman: Não dá para fazer essa separação. Houve conflito e isso foi ultrapassado. O Geraldo foi sempre muito próximo de Serra. Foi vice-líder dele, foi candidato do Serra para vice do Covas. Em certos momentos há conflitos, diferença de opinião, mas não se pode dizer que há grupos. Tanto é que que qualquer decisão que será tomada agora vai encontrar o partido unido.

Valor: As divergências foram superadas?

Goldman: Já estão superadas. Claro que se tem opiniões do que é melhor. É inevitável. Tem cabeça para pensar, para opinar e ter posição. Mas não tem grupos.

Valor: A eleição de 2008 também desgastou o PSDB, ligado a Alckmin, com o DEM, do prefeito Gilberto Kassab. Como está a relação entre os dois partidos?

Goldman: Está bem azeitada, no geral. Tem pessoas que não se entendem bem. Mas vamos para a eleição unidos.

Valor: O DEM deve ter a vice do PSDB no plano nacional? E em SP?

Goldman: A primeira coisa é saber quem será o titular. Depois vai pensar no vice. Não pode ser de outro jeito. É um processo que só vai se dar quando Serra definir o que vai fazer. Aí se começará a discutir o quadro estadual.

Valor: Como lidar com denúncias contra o DEM, envolvendo José Roberto Arruda e Gilberto Kassab? Não enfraqueceram a oposição?

Goldman: No Distrito Federal, o episódio enfraquece. Tinha um governador que era do DEM, aliado nosso, que nos fortalecia lá. A denúncia contra Kassab é contra ele e contra vereadores de todos os partidos. Não tem o mínimo senso. Se eu fosse buscar nas eleições anteriores coisas desse tipo certamente estaria na mesma condição. Quando uma empresa dá uma contribuição, você não conhece a realidade dessa empresa, que trabalhos ela faz. A responsabilidade é da empresa.

Valor: Como o senhor avalia as pesquisas eleitorais, com Dilma crescendo e Serra estagnado? A estratégia do PSDB está equivocada?

Goldman: A importância que dou às pesquisas é zero. Não tem demora nenhuma. Vai perguntar para o cidadão se ele está preocupado com quem vai ser o próximo presidente! Claro que os políticos profissionais estão atuando, fazendo composição política. Se perguntar para a população, 30% é capaz de chutar um nome, sem compromisso. Somando tudo isso, não dá nada.

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