sábado, 6 de março de 2010

Muito holofote, pouca obra

DEU EM O GLOBO

Lula faz "vistoria" em canteiro do Comperj. Projeto, atrasado em 2 anos, está na mira do TCU

Bruno Villas Boas

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca no Rio na próxima segunda-feira para vistoriar as obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), empreendimento de US$ 8,4 bilhões da Petrobras questionado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em julho do ano passado por indícios de irregularidades, que ainda não foram esclarecidos. O presidente, que participa de um evento no Comperj pela terceira vez em quatro anos, vai encontrar obras atrasadas em mais de dois anos. Inicialmente previsto para meados de 2011, o Comperj teve mais uma vez sua data de inauguração adiada ontem pela Petrobras: agora, para setembro de 2013.

Mais de três mil operários de Itaboraí foram convidados para servir de plateia no evento, segundo o Sindicato dos Trabalhadores de São Gonçalo (SinticomSG), dando ares de campanha eleitoral à agenda presidencial. Um palanque foi montado para a assinatura de três contratos, no valor de R$ 2,6 bilhões, entre a Petrobras e consórcios que venceram licitação para construir duas das unidades de refino do complexo. Será um dos últimos palanques oficiais no Rio da ministrachefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, précandidata do PT à Presidência, que em 2 de abril precisará deixar o cargo para a desincompatibilização.

Dúvidas sobre verba por dias parados

Mas esta não será a primeira vez que o Comperj é usado de palanque. A primeira visita de Lula ao projeto, em junho de 2006, ocorreu a 15 dias do início da última campanha presidencial, com direito a distribuição de bonés e camisas. Em março de 2008, o presidente subiu em um trator ao lado do governador Sérgio Cabral (PMDB), em cerimônia que marcou o início das obras de terraplenagem. Cabral se referiu a Dilma, na época, como presidente: “Este Comperj aqui tem a rubrica da presidente Dilma”.

Ontem, a Petrobras acertava os últimos detalhes para receber a comitiva de Lula. O palanque era montado e a rodovia de acesso, melhorada.

Segundo o presidente do SinticomSG, Manoel Vaz, os três mil operários que devem participar do evento receberam recentemente aumento salarial de 8% a 15%, mais participação nos lucros e vale-alimentação de R$ 150 mensais, embora almocem dentro do Comperj.

— Os operários acabaram de acertar o reajuste salarial com o consórcio que faz a terraplanagem e estão muito animados para a vinda de Lula.

Perguntado sobre o aumento salarial e de benefícios aos operários, o Consórcio Terraplanagem Comperj (CTC) — formado pelas empreiteiras Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e Odebrecht, e responsável pela obra — respondeu que caberia à Petrobras comentar questões contratuais. A estatal, por sua vez, informou que as relações trabalhistas diziam respeito ao CTC.

As obras do Comperj estão na mira do TCU. Em agosto de 2009, técnicos do tribunal identificaram superfaturamento na verba indenizatória paga pela Petrobras ao consórcio no caso de paralisação das obras por chuvas. Segundo a auditoria, foram pagos R$ 23,2 milhões a mais do que era devido entre 15 de maio e 25 de outubro de 2008. Um superfaturamento de 1.490%.

Segundo o TCU, os indícios de irregularidades ainda não foram esclarecidos.

No Orçamento da União de 2010, o Comperj foi colocado na lista negra de obras pelo Congresso. Isso impediria o repasse de recursos. Mas, ao sancionar o Orçamento, Lula liberou as obras, mesmo com os indícios apontados pelo Tribunal.

O diretor de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, disse ontem que o novo atraso no prazo do Comperj ocorreu devido a uma negociação exaustiva dos contratos a serem assinados na segunda-feira.

Entre a oferta inicial e o valor aceito, incluindo o contrato de mais uma unidade a ser fechado na próxima semana, de R$ 1,89 bilhão, a economia seria de R$ 2,6 bilhões.

— A Petrobras não vai fazer (as obras) a qualquer preço se entender que a proposta não é compatível com o mercado internacional e seu orçamento.

Preferimos que o prazo do Comperj escorregue — garantiu.

Segundo Costa, o Comperj terá sua capacidade ampliada. Por isso, o custo do projeto está sendo revisto. A capacidade de processamento diário passará de 150 mil para 165 mil barris, e está prevista uma duplicação para três ou quatro anos após a inauguração.

— O conceito inicial do Comperj era de 2006. Estamos em 2010. O mundo mudou, o mercado mudou.

Em nota, a Petrobras disse que “não há superfaturamento ou qualquer outra irregularidade” nas obras do Comperj.

E acrescentou que discute com o TCU e a Controladoria Geral da União (CGU) que critérios devem ser usados na “apropriação dos custos relativos a dias parados, por causa de chuvas, que deverão ser ressarcidos”.

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