sábado, 6 de março de 2010

O presidente Tancredo Neves:: Yacy Nunes

DEU NO JORNAL DO BRASIL

Antes de subir a escada do avião que o levaria do Rio de Janeiro para a posse que não houve em Brasília, dois dias antes de 15 de março de 1985, Tancredo Neves despediu-se com carinho de alguns assessores e amigos que viajariam depois.

Entre eles, o jornalista e publicitário Mauro Salles e o sobrinho do ex-governador de Minas, Breno Neves.

O presidente eleito cumprimentou cordialmente os três repórteres que o seguiram do apartamento onde morava com dona Risoleta Neves, na Avenida Atlântica, até o pátio reservado para vôos como esse, no antigo aeroporto Santos Dumont.

Ao despedir-se de nós (que também viajaríamos no dia seguinte), eu, que era a única jornalista mulher, pedi para dar um beijo na estrela que o presidente eleito tinha, literalmente, desenhada nas rugas de sua testa.

“Você também tem uma estrela aqui”, ele disse, tocando o sinal entre minhas sobrancelhas. Os dois homens da imprensa, meus amigos, também beijaram o presidente Tancredo na testa e receberam a benção estrelar.

Suplicamos o nome de, pelo menos, um ministro, entre os vários que ele anunciaria na coletiva do dia 14 de janeiro, em Brasília. Ele informou sorridente que convidaria Renato Archer – o melhor amigo de Ulysses Guimarães – para ser o ministro da Ciência e Tecnologia.

“Depois que a emenda das Diretas Já, de autoria do deputado Dante de Oliveira, não passou na Câmara Federal (298 votos a favor, 65 contrários, 113 ausências, 3 abstenções) , Tancredo e Ulysses decidiram que o PMDB iria ao Colégio Eleitoral.

Constituiu-se um grupo de trabalho integrado por Aécio Neves, José Hugo Castelo Branco, Mauro Salles, Afonso Camargo, entre outros. Mas, o general João Figueiredo editou o Pacote de Abril. Voltavam com força a censura, as prisões e a violência policial. Uma ala do PDS resolveu sair. Primeiro foi o Aureliano Chaves, depois o Marco Maciel, o José Sarney e o Antônio Carlos Magalhães.

ULysses disse a Tancredo, no dia 20 de junho, que ele é que deveria ser o candidato do PMDB à presidência. Sua candidatura foi lançada oficialmente no dia 14 de agosto”, conta o ex-deputado federal Mílton Reis, do PMDB de Minas, que coordenou os comícios nessa campanha e nas Diretas Já.

Perto da histórica disputa com Paulo Maluf no Colégio Eleitoral, Tancredo foi homenageado por Marina (irmã do psicanalista Eduardo Mascarenhas) e Mílton Reis (deputado cassado pelo extinto PTB e secretáriogeral do PMDB), na casa geminada que família tinha, à rua Viveiros de Castro, em Copacabana.

“Artistas, sindicalistas, jornalistas, intelectuais, poetas, cientistas, juristas, advogados , os participantes da festa formavam o arco da sociedade carioca. Aquela alegria toda no Rio de Janeiro significava o fim do regime austero implantado pelos militares em 1964”, lembra Reis.

Para vencer ( 480 votos contra 180 de Paulo Maluf, 17 abstenções e 19 ausências), o candidato Tancredo recebeu diferentes tipos de adesões de políticos descontentes com os rumos do governo ditatorial, recorda Mílton Reis: “Alguns de nós, do comitê de organização, dizíamos : Presidente Tancredo, já tem muita gente. Não é melhor fechar um pouco? E o presidente, brincalhão, respondia: Tudo bem, a gente fecha, mas deixa a porta um pouquinho aberta, ele respondia”.

“Ele era um sábio. Todos o respeitavam. Participei uma vez de uma solenidade, durante a campanha, no final do regime militar. Ele ficou caladoo tempo todo. Na vez dele, não disse nada. Deu a palavra para outra pessoa. Tancredo sabia silenciar e agir na hora certa. Fiquei triste com a morte dele.

Não chorei porque sou difícil de chorar”, diz o ex-presidente do Conselho Federal da OAB, Hermann Baeta.

Advogado, formado pela Faculdade de Direito de Minas Gerais, Tancredo foi um dos melhores oradores do Congresso Nacional, desde que foi eleito deputado federal por Minas, pelo extinto PSD getulista, em 1950.

Gustavo Capanema, líder do governo Vargas no Legislativo contou ao presidente Getúlio que Tancredo dava shows de oratória ao falar bem de sua administração. Vargas o nomeou, então, para o cargo de Ministro da Justiça, em junho de 1953. Nessa pasta, ele defendeu Getúlio até o fim, em 24 de agosto de 1954.

Em 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, foi convidado pelo amigo João Goulart para ser o Primeiro-Ministro do governo parlamentarista implantado para abrandar os setores conservadores que não queriam a posse do Vice Jango na presidência.

“Foi essa ligação com Getúlio e Jango que aproximou Tancredo de Brizola, em 1982 e, depois, nas Diretas Já e na campanha presidencial, em 1984. O Governador ficou muito abalado com a morte dele”, revela o ex-senador petista Saturnino Braga, único integrante vivo da chapa BrizolaDarcy-Saturnino, do PDT, em 1982.

Saturnino conheceu o ex-governador mineiro, o deputado Ulysses Guimarães e o ex-presidente Juscelino Kubitschek por intermédio de seu pai, Roberto Saturnino, que foi fundador do extinto PSD.

“A escola política de Tancredo veio do PSD de Vargas. A sabedoria dele era maior do que se pode imaginar. Nos anos 70, o doutor Ulysses era o presidente nacional do MDB e os três vicepresidentes eram o Tancredo Neves, eu e o Tales Ramalho. O Ulysses sempre fazia uma reunião preliminar com a gente, antes de presidir a executiva do partido.

Eu era o encarregado de redigir os textos. Uma vez, o doutor Ulysses me pediu para escrever alguma coisa sobre a eleição para o Colégio Eleitoral que elegeu o general Figueiredo.

Eu escrevi algo que foi considerado por todos os três como muito duro. Ulysses pediu ao Tancredo que tornasse o texto mais ameno. Tancredo conseguiu.

Dois dias depois, eu o encontrei e elogiei o tom que deu ao documento. Ele agradeceu rapidamente e disse: ‘Tem alguém do SNI infiltrado no seu gabinete. Fui informado de que os militares leram o seu rascunho’.

Fiquei impressionado.

Realmente, descobri, depois, o assessor que passou para o SNI o texto duro que escrevi. É claro, o exonerei. O presidente Tancredo era muito bem informado.

Eu chorei quando ele morreu.

Se tivesse ficado vivo, teria sido um presidente progressista, daria uma guinada no Brasil”.

Yacy Nunes é jornalista

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