terça-feira, 23 de março de 2010

A Presidência e São Paulo:: Cláudio Gonçalves Couto

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Desde que foram retomadas as eleições presidenciais diretas, em 1989, após o longo interregno imposto pela autocracia militar, houve um predomínio dos candidatos paulistas na disputa. Note-se que, ao longo desse período, essa condição de "paulistas" teve mais a ver com o lugar onde os principais candidatos fizeram sua carreira política do que com sua origem propriamente dita. Nesse primeiro pleito, quando 21 postulantes disputaram a Presidência da República, dos oito melhor colocados, que obtiveram pelo menos 1% dos votos válidos, acumulando um total de 95,2% da votação, cinco eram paulistas (Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Paulo Maluf, Guilherme Afif Domingos e Ulysses Guimarães) e, somados, obtiveram 47,1% dos votos.

O eleito naquele ano foi Fernando Collor, um carioca de nascença, mas radicado em Alagoas. Foi muitas vezes apontado como um "outsider" da política nacional, mas o termo é inadequado. Filho de um político que foi deputado federal, senador e governador de Estado, e neto de um ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, ele próprio tendo sido prefeito de capital e governador de Estado, não poderia de forma alguma ser considerado um forasteiro na vida política nacional. O uso do termo, entretanto, talvez se explique por duas razões. A primeira é o fato de Collor ter-se candidato por meio de um partido de ocasião, o Partido da Reconstrução Nacional (PRN), oriundo ele próprio da mudança de nome de uma outra agremiação efêmera, o Partido da Juventude (PJ). A segunda razão é que Collor aparecia na cena nacional provindo de um Estado pequeno e sem ter tido ele próprio uma atuação destacada no plano nacional antes de lançar-se à presidência. Neste sentido, os adjetivos que talvez melhor descrevessem o significado de sua postulação presidencial seriam "marginal" ou "periférica".

De qualquer maneira, essa condição periférica da candidatura Collor devia-se mais a ser ele razoavelmente desimportante na cena política nacional até então, do que à pouca importância de Alagoas nas disputas federativas. Tanto é assim que praticamente não se chamou de "outsider" a uma alagoana de perfil bem mais estranho à política tradicional - Heloísa Helena - por ter ela incorporado um personagem destacado em sua atuação como senadora no período anterior à sua entrada na disputa presidencial. O mesmo valeria se Renan Calheiros porventura concorresse à Presidência - ex-presidente do Congresso, não teria como ser considerado marginal à cena política nacional. Todavia, em todos esses casos, a força de um candidato oriundo de um Estado pequeno dependeria sobremaneira da força de seu partido, de sua própria projeção pessoal ou, ainda, da eventual popularidade de um governo que apoiasse sua candidatura.

A força do partido e da própria figura do candidato foi o que manteve o pernambucano-paulista Lula como postulante em todas as disputas desde então (1989, 1994, 1998, 2002 e 2006) - ainda que vitorioso apenas nas duas últimas. Neste caso, porém, mais relevante do que a origem política paulista tanto de sua candidatura, como de seu partido, foi a importância que a "persona" de Lula adquiriu ao longo do período - sobretudo em sua reeleição. O elemento regional pesou mais na formação do governo, com colegas de Estado do presidente ocupando postos-chave no governo durante o primeiro mandato - Fazenda, Casa Civil, Planejamento, Comunicação de Governo, Justiça, Previdência, Desenvolvimento e Agricultura, foram todos ocupados por lideranças atuantes em São Paulo - em sua maioria petistas. A representação dos demais Estados no ministério ficou bem mais dispersa, com peso um pouco mais significativo para Rio Grande do Sul e Bahia - ainda assim muito distantes da importância paulista.

O outro polo principal da disputa presidencial a partir de 2002, o PSDB, também manteve apenas candidatos paulistas na disputa. E, neste caso, diferentemente do PT, isso não se explica pela existência de um único candidato. Desde o pleito de 1989 apenas lideranças tucanas paulistas disputaram a Presidência (Covas, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Geraldo Alckmin). Isto certamente tem a ver com a origem paulista do partido, que se reflete da força desigual do núcleo paulista dentro da agremiação, tanto em termos organizacionais como na projeção nacional de suas lideranças. Uma oportunidade para que este viés fosse superado abriu-se na disputa entre José Serra e Aécio Neves pela indicação da candidatura presidencial tucana. Mas novamente se fez sentir o peso do grupo paulista dentro do PSDB e, uma vez mais, o partido seguirá para a competição pelo Planalto com um nome proveniente de São Paulo.

A quebra parcial dessa tendência se deu pelo lado do PT, com o lançamento da mineira radicada no Rio Grande do Sul, Dilma Rousseff. É bem verdade que essa mudança apenas parece ter ocorrido porque o escândalo do mensalão e seu sucedâneos ceifaram as principais lideranças petistas que apareciam durante o primeiro mandato como os nomes fortes do partido para pleitear a sucessão de Lula, todas elas paulistas. José Dirceu não resistiu às investidas de Roberto Jefferson; Antonio Palocci enroscou-se com a esbórnia do caseiro; e José Genoino foi tragado pela tragicomédia dos dólares na cueca. Assim, o partido ficou na dependência de seu líder maior para lançar um nome competitivo à sucessão de Lula. Desta forma, o popularíssimo presidente fabricou a candidatura de Dilma Rousseff, deslocando o PT de seu natural viés paulista. Alguns veem aí uma demonstração de que o PT tornou-se frágil diante de Lula, vendo-se obrigado a aceitar subservientemente suas determinações. Esta interpretação é ingênua ou marota. Ora, sem que Lula gestasse ele próprio uma candidatura e a desse de bandeja ao partido, este chegaria ao próximo pleito com poucas chances de manter-se no poder. Não se trata, portanto, de subserviência, mas de conveniência.

Caso a oposição perca esta eleição, torna-se muito provável que daqui a quatro anos tenhamos um cenário em que as candidaturas paulistas não estejam presentes na disputa presidencial. Neste período em que os conflitos federativos parecem ganhar centralidade na política nacional, isto pode se tornar uma importante novidade.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP.

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