quinta-feira, 22 de abril de 2010

Decisão britânica:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

Trezentas línguas são faladas em Londres; existem 40 comunidades de imigrantes de mais de 10 mil pessoas; quando a Polônia entrou na União Europeia e seus cidadãos receberam o direito de circular entre os países, um milhão e meio de poloneses migraram para a Grã-Bretanha. Por isso, claro, o limite à imigração é um dos temas da campanha eleitoral britânica.

O tamanho do Estado é outro tema, mas não se discute matéria vencida, como reestatização. Esse assunto ficou resolvido nos anos 1980. Agora, o que se discute é quanto poder pode ser dado a mais aos cidadãos, limitandose o poder do Estado.

Os conservadores têm mais propostas nesta área, mas vão da possibilidade de revogar o mandato de um parlamentar, se um percentual de eleitores do distrito quiser, até o aumento do poder dos pais em mudar as diretrizes escolares baixadas pelo governo. Outro tema que esquenta o debate é a acusação de que os trabalhistas aumentaram o número de funcionários públicos e pressionaram o déficit público.

O problema é que, segundo o “Financial Times”, as promessas de campanha de todos os candidatos, se fossem cumpridas, custariam 30 bilhões de libras.

Nas pesquisas de intenção de voto, o Partido Conservador, de David Cameron — nada a ver com o cineasta de “Avatar” e inimigo de Belo Monte —, estava na frente até uma semana atrás. O debate na televisão entre os líderes dos três partidos mudou o quadro. A última pesquisa feita antes do primeiro debate dava 37% para os conservadores, 31% para os trabalhistas.

Já estava configurado, portanto, um cenário que não é comum na bipartidária Inglaterra. Normalmente, um dos dois partidos, Trabalhista ou Conservador, consegue maioria e forma o gabinete.

Agora, nenhum dos dois históricos adversários deve conseguir a maioria.

A possibilidade de um governo de coalizão aumentou muito nos últimos dias. O líder dos democratas liberais, Nick Clegg, foi considerado o vencedor do primeiro debate televisivo. Algumas pesquisas feitas nos últimos dias mostraram o crescimento do terceiro partido, o que aumenta a chance de que eles sejam o pêndulo para formar a maioria do próximo governo. Os lib dems (ou democratas liberais) passaram a ser o principal alvo de crítica dos tories (ou conservadores) porque eles estão mudando o quadro eleitoral.

Quando estive em Londres no ano passado, conversei com integrantes do gabinete do primeiro-ministro Gordon Brown. Um dos assessores de Brown me incluiu na lista de pessoas às quais ele mandava um boletim, escrito na primeira pessoa, com suas avaliações da questão climática. No dia em que as eleições foram convocadas, ele mandou uma mensagem ao grupo avisando: “O primeiro-ministro convocou eleições e, a partir desse momento, eu me desligo do governo e passo a me incorporar à campanha”.

Ele é um dos poucos assessores que Brown nomeou.

A maioria faz parte da máquina e, portanto, servirá a qualquer governo. “Temos apenas que mudar um pouco o que falamos, mas o trabalho é o mesmo”, me disse, na semana passada, um desses funcionários de carreira de Estado.

Pelo sistema inglês, a partir do momento em que as eleições são convocadas, o governo e os parlamentares têm que manter um perfil mais discreto. Fazem campanha, mas tentam ao máximo separar suas funções de representantes das de candidatos.

Normalmente, o primeiro-ministro limita suas atividades públicas como chefe de governo.

Para a reunião sobre desarmamento nuclear, por exemplo, a Inglaterra enviou o ministro das Relações Exteriores, David Miliband. A campanha normalmente é curta, de 40 dias.

Brown teria que convocar eleições até junho porque nenhuma legislatura pode durar mais de cinco anos, mas ele tentou adiar ao máximo, esperando que seu grande inimigo ficasse menor: a crise econômica. É ela, claro, o ponto central do descontentamento dos britânicos com os trabalhistas.

A Inglaterra, que afundou em 2009, cresceu mais que a Europa no primeiro trimestre do ano. Mesmo assim, o desemprego e o descontentamento continuam altos.

Na imigração, a proposta dos tories é limitar os que venham de qualquer país fora da União Europeia com o estabelecimento de cotas.

Pelo tratado da UE, a circulação de cidadãos da região é mais flexível, e por isso houve a onda polonesa logo após a aceitação da Polônia no grupo. Eles foram, se espalharam por toda a Inglaterra, na maioria com intenção de trabalhar, fazer um pé-de-meia e voltar. Ocuparam os postos de trabalho mais difíceis, formaram uma rede de fornecedores de pequenos serviços. Com a crise, metade já voltou à Polônia.

Esse é o argumento de Gordon Brown: já há uma diminuição da imigração.

Os conservadores nunca foram muito favoráveis à aproximação com os outros países. No Parlamento Europeu, por exemplo, os ingleses saíram do bloco dos outros partidos conservadores.

Preferem atuar de forma mais apartada, para irritação dos integrantes do partido de Nicolas Sarkozy.

A Inglaterra é da UE, mas preservando seu sistema monetário, e por isso, agora, pode ver com uma certa distância a preocupação alemã com a crise grega.

Na questão climática, eu ouvi, quando fui lá, que nada muda radicalmente se os tories vencerem. Eles, que inicialmente negavam as mudanças climáticas e não demonstravam nenhuma preocupação com a questão ambiental, tiveram que mudar seu discurso diante da mudança das convicções ambientais do eleitorado britânico.

Eles inclusive votaram a favor da Lei de Energia e Mudanças Climáticas, que prevê teto de emissão para as empresas, controle de emissões dos próprios órgãos do governo, e metas para um país como um todo.

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