terça-feira, 6 de abril de 2010

Duas ou três palavras:: Janio de Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nenhum presidente, ou outra personalidade, diminuiu-se jamais por descer no Brasil ou nos EUA de um avião fretado

Promovido a imbecil pela sempre refinada conceituação crítica de Lula, reconheço sem modéstia que os seus anos de governo não foram capazes de me mudar em nada. Não só porque refratário a todo tipo de propaganda que em vez de informar quer tapear e seduzir. Mas sobretudo por ter concluído, já nos primeiros dos sete anos, que Lula só pode ser entendido a partir do olhar que, a seu ver, caracteriza dos imbecis.

"Eu lembro a imbecilidade daqueles que criticaram quando eu comprei um avião", dizia ele pela Bandeirantes no domingo. "Era uma vergonha para este país andar de avião alugado", repugnava-se, conta agora, a sua opinião de aristocrata.

Pois bem, tive a impressão de que Lula agiu naquele momento como um deslumbrado lamentável, e de lá para cá só pude constatar que não se tratou de uma fraqueza de momento, mas de deslumbramento tão imbuído quanto os seus ressentimentos raivosos e indisfarçáveis.

A atitude de um presidente responsável e homem digno, naquelas circunstâncias, seria comprar um avião de porte adequado às pistas interioranas, supondo-se que a compra fosse mesmo necessária. E dar ao país a alegria de ouvi-lo dizer que a diferença de preço e gastos permanentes, em dezenas de milhões de dólares, teria melhor aplicação na obra de novos hospitais, escolas e casas. E fazer a compra na Embraer, em reconhecimento e em promoção da indústria brasileira mais reconhecida no exterior do que aqui. Para as viagens internacionais, ficaria muito apropriada a solução de tantos países mais ricos e importantes, de aviões fretados.

Nenhum presidente, ou outra personalidade, diminuiu-se jamais por descer no Brasil ou nos Estados Unidos de um avião fretado. Nem mesmo de um avião comercial, como há poucos dias fizeram o rei e a rainha da fabulosa Suécia. Só a incapacidade de perceber o que é a verdadeira importância pode imaginar humilhação e vergonha no uso de um avião fretado por um presidente. E com essa elevação intelectual obrigar o país e sua pobreza a custearem um avião de voos internacionais, com manutenção caríssima, para voar quase sempre de Brasília a São Paulo ou Recife, a Natal ou ao Rio, viagens de duração entre curta e curtíssima.

A imbecilidade continua a considerar que Lula agiu com irresponsabilidade, em desconsideração ao seu dever cívico e com a dignidade pessoal substituída pelo deslumbramento, como todos, primariamente ilusório. Falo pela imbecilidade que me cabe, mas com a suspeita de que tem companhias também desinteressadas de motivações políticas. Não há dúvida, porém, de que o avião do deslumbramento foi a escolha ideal para quem é capaz de chegar ao Oriente Médio dizendo-se portador do espírito da paz.

No extremo oposto à propriedade verbal com que Lula qualificou os críticos de seu deslumbramento aéreo, e aéreo em muitos sentidos, o Vaticano elegeu uma palavra abominável como qualificativo das denúncias de abusos sexuais por prelados. Mesmo na missa papal de Páscoa, o decano do Colégio de Cardeais, Angelo Sodano, repetiu que são apenas "pequenos fuxicos". Ou, como traduzido no noticiário, "fofoquinhas". É o insulto em cima do crime. E a impiedade disfarçada de insulto.

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