domingo, 25 de abril de 2010

A lei da farsa:: Janio De Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

A campanha está aí, à vista de todos, mas não é campanha; só ganha o ar da legalidade com o segundo semestre

Eleições no Brasil começam pela hipocrisia, por tapeação exigida pela lei. Os candidatos óbvios não podem dizer que são candidatos, sob risco de punição significativamente financeira, por este grandioso motivo: ainda não é a hora. A campanha está aí, à vista de todo o país, mas não é campanha. As denominações "campanha" e "candidato" só ganham o carimbo da legalidade com a chegada do segundo semestre.

A lei impinge ao eleitorado o papel de contraparte da falsificação de uma realidade que todos sabem qual é e, menos ou mais, vivem de um lado ou de outro. Como complemento, a lei facilita desigualdades de tratamento aos candidatos: leva a aplicação da própria lei a praticar diferentes maneiras de discriminação e injustiça, tanto de boa como de má-fé. Ou porque os incumbidos de aplicá-la não podem a tudo acompanhar pelo país todo, ou por desvio de conduta.

A representação da Procuradoria-Geral da República contra o sindicato de professores de São Paulo, para o qual pede a punição máxima, ilustra bem como a lei pode distribuir-se mal, mesmo que não por má-fé. O sindicato é acusado de "promover e financiar" manifestações que fizeram "propaganda eleitoral antecipada", ao pregarem a recusa de voto em José Serra. "O não voto em época pré-eleitoral viola (...) a Lei das Eleições tanto quanto o pedido de voto", argumenta a representação.

Quantas vezes, de um ano para cá, aglomerados de eleitores ouviram Lula discursar a ideia de que, para manter o Bolsa Família e outros programas, o povo precisa votar em quem dê continuidade ao seu governo? A seu lado, Dilma Rousseff, a quem, por inúmeras vezes, definiu como sua candidata. Lula pedia o quê, senão voto, para quem, senão Dilma?Em relação só às manifestações (havidas, sim) do sindicato, a representação expõe seus fundamentos: "A propaganda se caracteriza por levar ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, ou a ação política que se pretende desenvolver ou as razões que induzam a concluir que o beneficiário é o mais apto ao exercício da função pública".

Parece texto feito para aplicação a Lula e Dilma a cada dia dos últimos 12 meses, no mínimo. Mas não o foi em dia algum. As duas multinhas há pouco aplicadas a Lula (atenção: com possibilidade de recurso) decorreram de explicitude excessiva dos comícios, não de algum dos recursos que a representação da Procuradoria-Geral descreve já como propaganda eleitoral.

O atraso em relação à campanha antecipada de Dilma Rousseff não diferencia a conduta de José Serra, capaz de ser tão claro quanto em seu discurso para empresários do Rio Grande do Norte:

"O meu governo será o período da produção". É a fala, como deve ser, do que Serra é: candidato.

Como seus concorrentes atuais. Negar essa realidade é exigir a farsa.No caso das manifestações de professores de São Paulo há um brasileirismo a mais: diante do conflito entre a Lei Eleitoral e a realidade eleitoral, a punição não é pedida para candidato ou patrono, mas para meros eleitores. Muito coerente.

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