domingo, 18 de abril de 2010

O Brasil no espelho:: Dora Kramer



DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Brasília faz aniversário na quarta-feira, dia 21 de abril, data de homenagear também Tiradentes e Tancredo Neves, simbolismos positivos, guardados benquistos.

Mas quis um ardil do destino que a capital do Brasil completasse seus 50 anos - justamente o tempo que Juscelino Kubitschek imaginou condensar o desenvolvimento do País no plano de metas "50 anos em 5" do qual a mudança da capital era sua síntese - imersa no dissabor.

Na amargura de ver em tão pouco tempo de vida a cidade se modernizar e a política se deteriorar a ponto de um governador ser preso, o Legislativo quase todo se comprometer, um ex-governador renunciar ao Senado por improbidade, isso depois de um senador ter sido o primeiro a ter o mandato cassado por quebra de decoro parlamentar.

O Supremo Tribunal Federal está para julgar pedido de intervenção federal feito pelo Ministério Público nos Poderes Legislativo e Executivo e as pesquisas mostram que, para a população, seria a solução mais adequada.

Célio Borja, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, estudioso de Constituições, está inteiramente de acordo. "A intervenção se tornou indispensável para assegurar o princípio da moralidade previsto no artigo 37 da Constituição."

Para ele, a eleição indireta do sucessor de José Roberto Arruda não resguarda o preceito constitucional pelo fato de boa parte da Câmara Legislativa de Brasília ter sido envolvida no escândalo que levou Arruda à cadeia e, depois, ao afastamento do cargo pela Justiça.

Duas questões propostas ao olhar experiente de Célio Borja: a autonomia política do Distrito Federal e a influência da transferência da capital sobre os meios e modos da política brasileira.

A primeira, no entendimento dele, é inevitável. Quando o Rio de Janeiro era capital, lembra, foram feitos alguns movimentos em prol da autonomia. Todos fracassados.

"Os tempos mudaram e não há como argumentar contra o direito das comunidades ao autogoverno. O problema não está na concepção da autonomia de Brasília, mas na maneira como ela é exercida, na péssima qualidade dos políticos, na falta de responsabilidade dos partidos e também em boa medida na ausência de opinião pública em Brasília."

Como exemplo de que a autonomia de um distrito federal por si não é necessariamente uma distorção, Célio Borja lembra que Washington, a capital dos Estados Unidos, tem independência.

O problema de Brasília são os vícios de origem bastante conhecidos desde as origens do Brasil. "Tudo em Brasília resultou de favores de administração federal. É uma cidade administrada por favores. Quando isso se dava só no âmbito federal ainda se mantinham as aparências, mas, agora, no plano local, nem as aparências mais se salvam."

Passemos à segunda questão. Costuma-se atribuir a deterioração da política e dos políticos à mudança da capital para uma região geograficamente "longe do povo". Isso confere?

Na opinião de Célio Borja, em parte é verdade.

"Juscelino argumentava que o poder central não poderia ficar submetido à pressão das demandas do povo de uma unidade da Federação. O governo federal não podia se preocupar com a falta de água ou de luz em Copacabana. Não levou em conta que o poder precisa sempre ser pressionado."

Célio Borja acha que houve sim um vácuo de informação entre a mudança da capital e a formação de uma geração de jornalistas independentes, porque os principais nomes do jornalismo - à exceção de Carlos Castello Branco - não se transferiram para Brasília.

A crônica política ficou distante e a opinião pública, à época ainda não referida na televisão, permaneceu alheia ao que se passava na capital.

Pois bem, mas como se explica a baixa qualidade da representação nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, que continuam perto do povo e nem por isso sofrem pressões ou são importunadas com denúncias sobre suas mazelas?

"A moralidade geral de fato é muito baixa e não pode se explicar apenas pela transferência da capital 50 anos depois."

Serve de espelho. Ao brasiliense, os cumprimentos.

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