sexta-feira, 23 de abril de 2010

O que seria do PT sem a Presidência? :: Renato Janine Ribeiro

DEU NO VALOR ECONÔMICO

O clima político está tenso. Dizem alguns que este ano José Serra terá a última chance de se eleger presidente. Certos simpatizantes tucanos receiam que uma terceira vitória consecutiva do PT nas eleições presidenciais enfraqueça demasiado o PSDB. Mas penso que a verdadeira ansiedade deveria estar no PT: se a candidata Dilma perder, o que é possível, e seu partido continuar longe do governo dos principais Estados, o que é provável, a derrota petista será séria.

A meu ver, esse ponto tem de ser levado em conta nas análises políticas.

Isso tem a ver com o fato de que o PT chegou ao Planalto de forma imprevista. Muitos acreditavam que o Partido dos Trabalhadores, depois de conquistar prefeituras importantes, elegeria governadores em alguns Estados centrais e, na era pós-Lula, em algum momento entre 2010 e 2020, ganharia a Presidência. Mas não foi isso o que aconteceu. Lula se elegeu sem que seu partido fizesse nenhum governador nos principais Estados.

Se usarmos o Produto Interno Bruto (dados de 2007) como critério, o governo estadual mais importante que o PT ganhou em 2002 - na primeira vitória de Lula - foi o 17º no PIB: Mato Grosso do Sul. Na sua reeleição, em 2006, conseguiu a Bahia, que tem o sexto PIB. Já se o critério for a população, Mato Grosso do Sul está em 21º lugar e a Bahia, em 4º. Lembremos que São Paulo é o Estado mais populoso e mais rico, sendo Minas o segundo em população e o Rio o segundo no PIB.

O que vimos nestes oito anos foi um PT poderoso nacionalmente, porque controla as grandes decisões federais, especialmente em políticas econômicas e sociais, mas que não se consolidou nos governos dos Estados. O PT aumentou a bancada, o número de prefeitos, mas não conseguiu emplacar número representativo de governadores próprios, e parece que assim continuarão as coisas este ano.

É verdade que o Rio, forte no PIB e terceiro na população, tem um governador aliado de Lula, bem como Pernambuco, décimo no PIB e sétimo Estado em número de habitantes. Mas eles não são do PT. Talvez o PSB, partido do governador pernambucano, se mantenha próximo do PT mesmo se Dilma for derrotada, mas isso não se pode garantir quanto ao PMDB, que governa vários Estados.

Parece assim que os Estados continuarão tendo uma maioria de governadores do centro para a direita. Se Dilma se eleger, boa parte vai apoiar o seu governo, mas isso não significa serem do PT. Se o eleito for Serra, eles também o apoiarão. No balanço atual, restam ao PT, como principais probabilidades de vitória própria, a Bahia e talvez o Rio Grande do Sul - quarto PIB e quinta população.

O que seria do PT, sem a Presidência da República? Em princípio, voltaria à situação pré-2002: a de um partido importante de oposição, mas sem os principais cargos executivos do País - federal, estaduais e municipais. Só que o PT se converteu, nestes anos, em partido de governo. Perdeu boa parte do seu DNA de oposição.

Isso é bom? O PT se tornou mais responsável. Na educação, a área que acompanho de perto, a oposição dos petistas aos procedimentos de avaliação virou passado. Num plano geral, em que pesem erros sérios - o último dos quais a defesa que o presidente Lula fez da ditadura cubana, o que vários criticamos, mas não basta para condenar sua política externa como um todo -, o PT aprendeu a governar. Tem hoje invejável número de quadros competentes. Mas saberá ainda fazer oposição?

Essa é uma questão difícil. O que Dilma propõe aos eleitores são ações de governo. É lógico que o faça. Mas como agirá o PT, se não estiver no governo? Ele terá em Lula um líder inconteste, prestigiado, mas não terá poder. A força do PT de oposição se baseava na exigência de ética e na radicalidade das propostas econômicas e sociais. No poder, a imagem ética do partido se tisnou, seus projetos se moderaram. O que ele proporia, voltando à oposição?

Parece provável que os dois Estados mais populosos, São Paulo e Minas, continuarão com o PSDB ou perto dele. Os tucanos, se perderem a eleição presidencial, manterão vários Estados e uma presença política significativa, no Parlamento e na mídia. O PT, se perder o Planalto, corre o risco do vazio. Ironicamente, a infeliz frase do senador Jorge Bornhausen - que queria ficar livre "dessa raça", querendo dizer o PT - faria algum sentido. Ironicamente, porque o PFL, hoje DEM, do senador está em queda livre.

Hoje o DEM se reduz a pouco mais que uma extensão do PSDB à sua direita. Perdeu seu único governador, o do Distrito Federal. O prefeito de São Paulo tem o mandato contestado na Justiça Eleitoral. Parece improvável que um vice originário do DEM agregue votos ao candidato José Serra. Para aquele que alguns analistas apresentavam, dez anos atrás, como o possível terceiro grande partido brasileiro, não só em número de votos, mas em formato ideológico - completando com o PT e o PSDB um leque de esquerda, centro e direita -, essa é uma perspectiva péssima.


Mas quem deixar de votar no DEM possivelmente vai vitaminar os tucanos.

Em suma, alguns dão a entender que nesta eleição José Serra vai jogar tudo ou nada. Não concordo muito. Se perder agora sua segunda disputa presidencial (Lula só venceu na quarta tentativa), terá 72 anos no pleito seguinte, o que hoje não representa velhice. E, se Serra perder, seu partido continuará governando Estados importantes. Ou seja, o PSDB não corre tantos riscos na eleição de 2010. É para o DEM que o mar não está nada bom, mas, a essa altura, tudo o que a antiga Frente Liberal recolha é lucro. O PT, sim, tem chances. Mas é ele que, hoje, precisa jogar na base do tudo ou quase-nada. Se mantiver a Presidência, tudo bem. Se a perder, seu futuro será uma incógnita.

Em outras palavras, discutir uma eleição não é apenas debater o Plano A: quem vai ganhar.

É também avaliar o Plano B: o que o perdedor conserva (ou ganha). Posso perguntar o que farei, no poder. Mas também é bom saber o que fazer, na oposição. Em tese, a angústia de quem tem tudo a perder é maior que a de quem tem só um pouco a perder. Ora, o Plano B do PSDB é mais róseo que o do PT.

Concluindo, esta é apenas uma análise, que pode agradar a quem não gosta do PT, mas não é esse meu objetivo. Até porque, penso eu, essa divisão do poder - federal com o PT, estadual com a oposição - equilibrou razoavelmente a política brasileira nos últimos oito anos. Uma das características importantes da democracia anglo-saxônica é, desde o século XVIII, o que se chamam checks-and-balances: um sistema de contrapesos entre Executivo, Legislativo e Judiciário que evita que o poder, que "tende a corromper" (na frase de lorde Acton), se torne absoluto nas mãos de um único e, assim, "corrompa de maneira absoluta".

De uma forma pouco ortodoxa, o fato de nenhuma família partidária ter tido muito poder, neste anos, pode ter sido benéfico para o país: equilibrou as forças em conflito, deu a cada uma um quinhão, evitou excessos. Não acho positivo, pensando mais uma vez nesse grande liberal que foi o barão Acton, o poder voltar a se concentrar num só grupo, que hoje, provavelmente, seria a atual oposição. Mas, enfim, resta tempo e a decisão será do eleitor.

Renato Janine Ribeiro é professor de filosofia da Universidade de São Paulo

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