segunda-feira, 19 de abril de 2010

Temas do momento político:: Fábio Wanderley Reis



DEU NO VALOR ECONÔMICO

O Valor publicou, no espaço de alguns dias, duas ricas entrevistas sobre o momento político-eleitoral: uma, do historiador Luiz Felipe de Alencastro, como matéria de capa do suplemento de fim de semana de 9, 10 e 11 de abril; outra, do cientista político Marcos Coimbra, na edição de 15 de abril (p. A12). Apesar de Alencastro dirigir-se a aspectos mais variados dos problemas da conjuntura e Coimbra, diretor de pesquisas do Vox Populi, concentrar-se sobretudo na avaliação das perspectivas propriamente eleitorais da campanha em andamento, alguns pontos relevantes são tratados por ambos de maneira que envolve convergência e divergência. Seleciono dois deles.

O primeiro diz respeito à " velha " e à " nova " classe média e sua inserção no processo eleitoral. Alencastro vê insatisfeita a " velha " classe média, vinculando a insatisfação à mobilidade social de camadas socioeconomicamente mais baixas produzida pelas políticas econômicas e sociais recentes, donde brotariam insegurança, ressentimento e ativação de antigos preconceitos sociais. Coimbra não vê nas pesquisas reflexos claros de fatores socioeconômicos (o desenvolvimento teria beneficiado a sociedade como um todo), e aparta desses fatores o impacto (real) nas disposições eleitorais que viria de fatores ideológicos afins aos salientados por Alencastro. Outros analistas têm dirigido a atenção à " nova " classe média, alguns vendo nela grandes beneficiários das políticas do governo Lula a engrossar o apoio a ele e alguns mais apontando dificuldades em que parte importante da categoria se veria envolvida, como consequência da crise econômica e da instabilidade acarretada, o que a tornaria suscetível de ser ainda seduzida pela oposição. Restaria dar conta, nesse quadro confuso, dos níveis inéditos de aprovação a Luiz Inácio Lula da Silva, ainda que eles sejam compatíveis com o furor e a agressividade anti-Lula que têm vicejado em setores dinâmicos da " opinião pública " .

O outro ponto, de maior alcance institucional, refere-se às perspectivas de alternância no poder e aos eventuais riscos para a estabilidade democrática. A perspectiva de Alencastro é antes doutrinária ou normativa: " não é sadio para nenhum país a ausência de alternância política " , " é preciso que a oposição também possa ganhar " . E pondera que, na hipótese da vitória de Dilma em 2010 e da volta de Lula em 2014 por mais 8 anos, " vamos ter 20 anos de PT na Presidência " . O experimento mental é claramente algo precário, mesmo se a norma da alternância é, naturalmente, inatacável. Mas Alencastro associa também a vitória de Dilma com o perigo de um " vice-presidencialismo " em que as coisas iriam em direção diferente da mera reiteração do poder petista. Michel Temer, colocado na Vice-Presidência, usaria " a máquina do PMDB " e suas conexões no Congresso para garantir um protagonismo institucionalmente impróprio, o que com certeza resultaria em complicar e agravar os traços negativos do nosso chamado " presidencialismo de coalizão " e sugere matizes que não são tidos em conta quanto ao processo em andamento de constituição e eventual consolidação dos partidos, de desfecho incerto. Seja como for, a questão das perspectivas de estabilidade se pode apreciar melhor por algo mais que Alencastro assinala de maneira peculiar: o fato de termos dois candidatos à Presidência que correram ambos " o risco de ser assassinados pela direita mais radical " , na ditadura nascida de um jogo político em que as opções envolvidas eram bem distintas das atuais - e cuja superação, menos mal, acaba de tornar-se até melancolicamente evidente há poucos dias, com a exibição na TV do que há de triste (ou desfrutável, conforme se queira olhar) em lideranças militares que anos atrás nos assustavam.

De todo modo, o próprio Alencastro, juntando-se ao ponto de vista mais " factual " de Coimbra sobre o assunto, aponta os 20 anos de poder da Concertación no Chile, que surgem, derrotada ela agora sem atropelos, como ocorrência normal de um processo democrático. Coimbra lembra os 16 anos de poder do PSDB em São Paulo, o maior Estado da federação, sem que a clara perspectiva de vê-lo continuar por mais 4 anos seja razão de espanto (além de que os 20 anos de poder pessedebista em plano nacional, cabe acrescentar, eram o projeto que Sérgio Motta explicitava para os tucanos). Naturalmente, seria possível falar de muitos outros exemplos, incluindo a longa hegemonia de partidos socialdemocráticos em diferentes países europeus, e não cabe esperar que partidos (ou líderes) democráticos se empenhem em perder eleições de vez em quando. A ponderação decisiva a respeito consiste na extensão e consistência do substrato de identificação e apoio que partidos e líderes consigam junto aos eleitores, e é claro que podemos ter maior ou menor êxito em assegurar essa identificação de maneira duradoura. Margaret Thatcher é um exemplo de êxito na construção de consenso eleitoral prolongado em direção contrária à da hegemonia socialdemocrática mencionada. E no Brasil atual, ainda que possa haver variações na polarização social das intenções de voto (Lula e Dilma são, afinal, ofertas diferentes para o eleitor), a introdução para valer da questão social e da redistribuição como tema das disputas eleitorais de importância é provavelmente a grande novidade, ocasionando a ocorrência do que alguns autores chamaram de " política do eu também " , em que os que procuram apresentar-se como alternativa aos titulares do poder não podem senão aderir às políticas principais em execução e tratar de acrescentar um diferencial - justamente o " pode mais " de um José Serra empenhado em elogiar Lula e o Bolsa Família.


Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais. Escreve às segundas-feiras

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