DEU EM O GLOBO
A tragédia no Estado do Rio - que até ontem à noite registrava 148 mortes - foi agravada com novo desabamento de pelo menos 50 casas em Niterói. Três corpos foram resgatados, elevando para 82 o número de vítimas naquele município. No Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, os bombeiros lamentaram não ter conseguido salvar um menino de 8 anos, que sobreviveu por uma noite, soterrado. Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que o Rio, apesar dos temporais, ficou com apenas 0,9% das verbas do governo federal. A análise dos repasses confirmou que a Bahia foi, sem histórico ou análise de risco justificáveis, o estado mais favorecido pelo Programa de prevenção e Preparação para Desastres (64,6% do total das verbas) na gestão do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), que vai concorrer justamente ao governo baiano. Mesmo que as chuvas deem trégua nos próximos dias, continuarão interditadas vias importantes como a Avenida Borges de Medeiros, a Estrada da Grota Funda, a Grajaú-Jacarepaguá, a Linha Amarela, a Avenida Niemeyer e o Alto da Boa Vista. Moradores de condomínios e comunidades de Vargem Grande e Vargem Pequena, na Zona Oeste, ainda ontem estavam ilhados por causa do temporal de segunda-feira e da chuva que continuava caindo na região.
Número de óbitos sobe para 148, mas novo deslizamento em Niterói pode agravar muito mais a tragédia
Antônio Werneck, Claudio Motta e Waleska Borges
Quando viu o filho Marcos Vinícius Vieira França da Mata, de 8 anos, sendo retirado morto ontem de manhã dos escombros no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, o pai, Valmir França da Mata, não se conteve. Depois de quase 40 horas do deslizamento, chorando muito, ele tirou o corpo das mãos dos bombeiros e o abraçou.
- Meu filho, minha vida, eu te amo - gritou Valmir.
Outros parentes que acompanhavam o drama de perto também se emocionaram com o resgate, que não pôs fim à espera da família. Uma tia do menino, Geucilanda da Silva, de 42 anos, ainda estava sob a lama e, até o fim da tarde de ontem, não tinha sido encontrada.
A morte de Marcos Vinícius engrossa a estatística das vítimas dos temporais que castigam o estado desde a segunda-feira. Até a noite de ontem, o total chegava a 148 mortes, pelo menos 135 feridos e mais de 15 mil desabrigados. Niterói é a cidade que mais sofreu, registrando até então 82 mortes confirmadas. Os números podem aumentar devido ao soterramento de cerca de 50 casas na noite de ontem, no bairro Viçoso Jardim. O Rio já tem 46 mortos, enquanto em São Gonçalo há 16 mortes e pelo menos cinco mil desabrigados. Nilópolis, Petrópolis, Magé e Paulo de Frontin registraram um morto cada um.
Só no Morro dos Prazeres já são 22 mortes, sendo que quatro corpos resgatados ontem. O sargento bombeiro Luiz Carlos dos Anjos Lira ficou inconsolável por não conseguir retirar o menino com vida. Cheio de lama, ele abraçou Valmir.
- Era a razão da minha vida tirar este garoto hoje (ontem). Não consegui. Era uma criança, isso toca a gente - disse o bombeiro.
Vinícius morava a cerca de 200 metros da casa onde foi soterrado. Como lá também houve queda de barreira, a família achou mais seguro levá-lo até a casa das tias. Meia hora depois de chegar, aconteceu o desastre. Além de Geucilanda, que era professora em Niterói, a irmã dela, Ana Lúcia dos Santos, de 30, também foi atingida. Seu corpo fora resgatado pouco antes do menino.
De acordo com bombeiros, Ana Lúcia estava sentada numa cadeira e, na hora do deslizamento, o menino teria corrido em sua direção para obter proteção. Eles foram achados abraçados. Ela era recepcionista do Hospital dos Evangélicos, na Tijuca.
- Ele jogava futebol, brincava com meu filho de 4 anos que era louco por ele. Era um bom menino. A vida continua, mas vai ser muito difícil viver sem eles - disse a tia Raquel Brito Leite Silva, que mora no segundo andar do prédio em cujo térreo o menino morava.
Durante os trabalhos de resgate anteontem, os bombeiros chegaram a localizar e conversar com Vinícius, dando esperança de que ele seria retirado com vida. Mas, no início da noite de anteontem, um deslizamento e as chuvas interromperam os trabalhos. Bombeiros relatam, ainda, que foi detectado um vazamento de gás, o que também atrapalhou as buscas.
- O local foi coberto por água e lama. Foi necessário cavar tudo de novo. O risco é muito grande porque o solo está encharcado - explicou o coronel Carlos Correia, do Grupamento do Maracanã.
Para tentar identificar melhor a localização das pessoas desaparecidas, bombeiros pediram a moradores e vizinhos que desenhassem o mapa das casas. Em alguns casos, até mesmo a divisão por cômodos era importante. Geucilanda, por exemplo, estava na cozinha na hora do deslizamento, que pode arrastar os corpos por até 50 metros.
As buscas mobilizaram 80 bombeiros de seis quartéis, 15 funcionários da Empresa de Obras Públicas do governo do estado (Emop) e voluntários, além de duas escavadeiras. Houve pequenos deslizamentos, que assustaram os bombeiros.
Jorge Ferreira da Silva também perdeu parentes. Ele buscava cunhado, concunhado e dois sobrinhos, sendo que um conseguiu sobreviver.
A família Maria de Lourdes Barreto, que mora há 18 anos no Morro dos Prazeres, escapou por pouco da tragédia. A casa dela foi totalmente destruída. Mas, por estar em obras, não havia ninguém no local:
- Voltaríamos no domingo. Perdi 15 amigos e vizinhos. No andar de cima da minha casa morava Imaculada. Junto com ela, Alcione veio de Minas com seus quatro filhos para fazer o tratamento do mais novo, de 1 ano. Ele não resistiu, assim como outros dois irmãos. Apenas Alcione e o mais velho sobreviveram.
Casal perde as três filhas em Niterói
Outro lugar onde a tragédia das chuvas se abateu com força foi o bairro de Santa Rosa, em Niterói. Ali, na Travessa Beltrão, 11 casas desabaram, arrastadas por uma queda de barreira. O pintor Igor Brito de Moura, de 30 anos, perdeu três filhas - de 3, 5 e 10 anos - no deslizamento. Igor e a mulher estavam em Friburgo, na Região Serrana, quando souberam do deslizamento. As filhas do casal tinham ficado na comunidade com a avó, retirada viva dos escombros.
Sem esperanças de encontrar vivos o cunhado e o sobrinho soterrados, Arlindo da Silva Filho, de 32 anos, acompanhava desolado o trabalho dos bombeiros ontem à tarde. Cães farejadores e uma retroescavadeira também ajudavam a tentativa de localizar seis pessoas desaparecidas.
- Diferente de um terremoto onde tudo fica seco, o deslizamento da chuva traz uma avalanche de lama e água. É muito difícil sobreviver a uma situação dessas - lamentou Arlindo contando que sua sobrinha, de 17 anos, e cunhada morreram soterradas.
Irmã de Arlindo, Ana França era ex-mulher de José Carlos de Paula, de 39 anos, e tia de Márcio dos Santos Silva, de 24. Até ontem à tarde, ambos continuavam soterrados. Ana conta que, na madrugada de terça-feira, quando soube que a casa dos parentes tinha desabado tentou ir de ônibus de Duque de Caxias, onde mora, para Niterói.
- A ponte estava fechada. Pulei a roleta e fui correndo do vão central até Santa Rosa. Minha filha, de oito anos, ainda não sabe que o pai dela está soterrado - emocionou-se Ana lembrando que o irmão dela, que também morava no local, foi soterrado e socorrido pela vizinhança:- Ele está internado em coma no CTI do Hospital Santa Marta. Minha família morava ali há mais de 20 anos.
Moradores da Travessa Beltrão reclamaram que os Bombeiros e a Defesa Civil demoraram a chegar ao local. Pela manhã, parentes e amigos das vítimas trabalhavam com enxadas sozinhas no resgate. Segundo eles, os bombeiros só chegaram por volta das 12h. Cerca de 40 famílias desabrigadas na comunidade foram encaminhadas para o Colégio Estadual Guilherme Briggs, em Santa Rosa.
- Mesmo se a Defesa Civil parar de buscar os corpos à noite, vamos continuar procurando toda noite e madrugada. Não vamos desistir - garantiu Arlindo.
A tragédia no Estado do Rio - que até ontem à noite registrava 148 mortes - foi agravada com novo desabamento de pelo menos 50 casas em Niterói. Três corpos foram resgatados, elevando para 82 o número de vítimas naquele município. No Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, os bombeiros lamentaram não ter conseguido salvar um menino de 8 anos, que sobreviveu por uma noite, soterrado. Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que o Rio, apesar dos temporais, ficou com apenas 0,9% das verbas do governo federal. A análise dos repasses confirmou que a Bahia foi, sem histórico ou análise de risco justificáveis, o estado mais favorecido pelo Programa de prevenção e Preparação para Desastres (64,6% do total das verbas) na gestão do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), que vai concorrer justamente ao governo baiano. Mesmo que as chuvas deem trégua nos próximos dias, continuarão interditadas vias importantes como a Avenida Borges de Medeiros, a Estrada da Grota Funda, a Grajaú-Jacarepaguá, a Linha Amarela, a Avenida Niemeyer e o Alto da Boa Vista. Moradores de condomínios e comunidades de Vargem Grande e Vargem Pequena, na Zona Oeste, ainda ontem estavam ilhados por causa do temporal de segunda-feira e da chuva que continuava caindo na região.
Número de óbitos sobe para 148, mas novo deslizamento em Niterói pode agravar muito mais a tragédia
Antônio Werneck, Claudio Motta e Waleska Borges
Quando viu o filho Marcos Vinícius Vieira França da Mata, de 8 anos, sendo retirado morto ontem de manhã dos escombros no Morro dos Prazeres, em Santa Teresa, o pai, Valmir França da Mata, não se conteve. Depois de quase 40 horas do deslizamento, chorando muito, ele tirou o corpo das mãos dos bombeiros e o abraçou.
- Meu filho, minha vida, eu te amo - gritou Valmir.
Outros parentes que acompanhavam o drama de perto também se emocionaram com o resgate, que não pôs fim à espera da família. Uma tia do menino, Geucilanda da Silva, de 42 anos, ainda estava sob a lama e, até o fim da tarde de ontem, não tinha sido encontrada.
A morte de Marcos Vinícius engrossa a estatística das vítimas dos temporais que castigam o estado desde a segunda-feira. Até a noite de ontem, o total chegava a 148 mortes, pelo menos 135 feridos e mais de 15 mil desabrigados. Niterói é a cidade que mais sofreu, registrando até então 82 mortes confirmadas. Os números podem aumentar devido ao soterramento de cerca de 50 casas na noite de ontem, no bairro Viçoso Jardim. O Rio já tem 46 mortos, enquanto em São Gonçalo há 16 mortes e pelo menos cinco mil desabrigados. Nilópolis, Petrópolis, Magé e Paulo de Frontin registraram um morto cada um.
Só no Morro dos Prazeres já são 22 mortes, sendo que quatro corpos resgatados ontem. O sargento bombeiro Luiz Carlos dos Anjos Lira ficou inconsolável por não conseguir retirar o menino com vida. Cheio de lama, ele abraçou Valmir.
- Era a razão da minha vida tirar este garoto hoje (ontem). Não consegui. Era uma criança, isso toca a gente - disse o bombeiro.
Vinícius morava a cerca de 200 metros da casa onde foi soterrado. Como lá também houve queda de barreira, a família achou mais seguro levá-lo até a casa das tias. Meia hora depois de chegar, aconteceu o desastre. Além de Geucilanda, que era professora em Niterói, a irmã dela, Ana Lúcia dos Santos, de 30, também foi atingida. Seu corpo fora resgatado pouco antes do menino.
De acordo com bombeiros, Ana Lúcia estava sentada numa cadeira e, na hora do deslizamento, o menino teria corrido em sua direção para obter proteção. Eles foram achados abraçados. Ela era recepcionista do Hospital dos Evangélicos, na Tijuca.
- Ele jogava futebol, brincava com meu filho de 4 anos que era louco por ele. Era um bom menino. A vida continua, mas vai ser muito difícil viver sem eles - disse a tia Raquel Brito Leite Silva, que mora no segundo andar do prédio em cujo térreo o menino morava.
Durante os trabalhos de resgate anteontem, os bombeiros chegaram a localizar e conversar com Vinícius, dando esperança de que ele seria retirado com vida. Mas, no início da noite de anteontem, um deslizamento e as chuvas interromperam os trabalhos. Bombeiros relatam, ainda, que foi detectado um vazamento de gás, o que também atrapalhou as buscas.
- O local foi coberto por água e lama. Foi necessário cavar tudo de novo. O risco é muito grande porque o solo está encharcado - explicou o coronel Carlos Correia, do Grupamento do Maracanã.
Para tentar identificar melhor a localização das pessoas desaparecidas, bombeiros pediram a moradores e vizinhos que desenhassem o mapa das casas. Em alguns casos, até mesmo a divisão por cômodos era importante. Geucilanda, por exemplo, estava na cozinha na hora do deslizamento, que pode arrastar os corpos por até 50 metros.
As buscas mobilizaram 80 bombeiros de seis quartéis, 15 funcionários da Empresa de Obras Públicas do governo do estado (Emop) e voluntários, além de duas escavadeiras. Houve pequenos deslizamentos, que assustaram os bombeiros.
Jorge Ferreira da Silva também perdeu parentes. Ele buscava cunhado, concunhado e dois sobrinhos, sendo que um conseguiu sobreviver.
A família Maria de Lourdes Barreto, que mora há 18 anos no Morro dos Prazeres, escapou por pouco da tragédia. A casa dela foi totalmente destruída. Mas, por estar em obras, não havia ninguém no local:
- Voltaríamos no domingo. Perdi 15 amigos e vizinhos. No andar de cima da minha casa morava Imaculada. Junto com ela, Alcione veio de Minas com seus quatro filhos para fazer o tratamento do mais novo, de 1 ano. Ele não resistiu, assim como outros dois irmãos. Apenas Alcione e o mais velho sobreviveram.
Casal perde as três filhas em Niterói
Outro lugar onde a tragédia das chuvas se abateu com força foi o bairro de Santa Rosa, em Niterói. Ali, na Travessa Beltrão, 11 casas desabaram, arrastadas por uma queda de barreira. O pintor Igor Brito de Moura, de 30 anos, perdeu três filhas - de 3, 5 e 10 anos - no deslizamento. Igor e a mulher estavam em Friburgo, na Região Serrana, quando souberam do deslizamento. As filhas do casal tinham ficado na comunidade com a avó, retirada viva dos escombros.
Sem esperanças de encontrar vivos o cunhado e o sobrinho soterrados, Arlindo da Silva Filho, de 32 anos, acompanhava desolado o trabalho dos bombeiros ontem à tarde. Cães farejadores e uma retroescavadeira também ajudavam a tentativa de localizar seis pessoas desaparecidas.
- Diferente de um terremoto onde tudo fica seco, o deslizamento da chuva traz uma avalanche de lama e água. É muito difícil sobreviver a uma situação dessas - lamentou Arlindo contando que sua sobrinha, de 17 anos, e cunhada morreram soterradas.
Irmã de Arlindo, Ana França era ex-mulher de José Carlos de Paula, de 39 anos, e tia de Márcio dos Santos Silva, de 24. Até ontem à tarde, ambos continuavam soterrados. Ana conta que, na madrugada de terça-feira, quando soube que a casa dos parentes tinha desabado tentou ir de ônibus de Duque de Caxias, onde mora, para Niterói.
- A ponte estava fechada. Pulei a roleta e fui correndo do vão central até Santa Rosa. Minha filha, de oito anos, ainda não sabe que o pai dela está soterrado - emocionou-se Ana lembrando que o irmão dela, que também morava no local, foi soterrado e socorrido pela vizinhança:- Ele está internado em coma no CTI do Hospital Santa Marta. Minha família morava ali há mais de 20 anos.
Moradores da Travessa Beltrão reclamaram que os Bombeiros e a Defesa Civil demoraram a chegar ao local. Pela manhã, parentes e amigos das vítimas trabalhavam com enxadas sozinhas no resgate. Segundo eles, os bombeiros só chegaram por volta das 12h. Cerca de 40 famílias desabrigadas na comunidade foram encaminhadas para o Colégio Estadual Guilherme Briggs, em Santa Rosa.
- Mesmo se a Defesa Civil parar de buscar os corpos à noite, vamos continuar procurando toda noite e madrugada. Não vamos desistir - garantiu Arlindo.
É difícil não se solidarizar, não se comover com tudo isso. Estou acompanhando pela talevisão e torço para que o número de mortos pare de crescer.
ResponderExcluir