terça-feira, 18 de maio de 2010

Apostas no futuro:: Wilson Figueiredo

DEU NO JORNAL DO BRASIL

O dia da inauguração de Brasília foi também o do lançamento da candidatura do presidente JK à eleição seguinte, cinco anos depois, quando nada indicava que em 1965 já não haveria eleição direta. A indireta a substituiria por tempo imprevisível. Brasília pouco teve a ver com o retrocesso embutido no deslocamento da capital para o interior do território brasileiro. De um jeito ou de outro, ocorreria.

Dia 21 de abril de 1960, a nova capital amanheceu coberta de cartazes que, por toda parte onde os olhos batessem, avisava: JK 65. Não era propagando fora de hora, nem precisava. Àquela altura, a democracia já não dava preocupação, o desenvolvimento econômico apressava a era do consumo que modelava as expectativas da cidadania. O brasileiro se sentia americano do Sul. O futebol brasileiro ostentava o primeiro título de campeão mundial. A aposta na eleição futura autorizava o presidente Kubitschek a fazer aquele lance. Desde que tudo continuasse como vinha.

Meio século depois, a comemoração da data redonda em Brasília repetiu, mas com sentido oculto, a mesma aposta feita pelo presidente Lula no futuro, mediante empréstimo de sua fortuna em votos a Dilma Rousseff, e o pressuposto de que a beneficiária abra mão da reeleição. Dilma, apenas 2010. Não se fala no risco implícito. Um mandato é suficiente na mão ou dois voando? Ainda que mal comparando, JK também deixou o poder no ponto presumivelmente mais alto (não havia ainda pesquisas) dos cinco anos em que modernizou o estilo brasileiro de governar.

O presidente Lula mede em pesquisas a oscilação pouco animadora dos cidadãos em relação a Dilma, e se orienta entre riscos calculados. A eleição de 2014 subentende para quem é do ramo que a candidatura dele se segura apenas na renúncia da candidata ao segundo mandato. Mutatis mudandis, está longe mas pode ficar mais perto do que ocorreu a JK, considerando a precariedade do período constitucional entre o Estado Novo e o ciclo ditatorial de 64 a 85. Nas duas vezes, fez-se de conta que os perigos institucionais estavam afastados. Com a política praticada como se fosse apenas a arte do possível, todo cuidado acaba insuficiente para garantir mais de um vencedor. Surpresas não perdem oportunidade de mostrar que fazem parte do grande jogo.

A candidatura Dilma Rousseff rompeu a inferioridade que as pesquisas lhe reservaram. Para mais ou para menos, a disputa se apresenta sem favoritos, mas não afasta senão riscos por conta de surpresas. Dilma conta com a orientação do escultor da sua candidatura em 2010. O resto não passa de suposição. Mas Lula pensa num plano C (de cautela): a política tem razões que mudam com as circunstâncias, ou até sem elas. E reeleição é tentação com ética exclusiva.

A sucessão presidencial vai ter oportunidade de esclarecer o motivo real da associação entre as candidaturas Dilma Rousseff e general Lott. Com JK-65, o próprio lavou as mãos na sucessão em que Jânio Quadros tinha a preferência ostensiva. Lula fez o oposto e, com espírito esportivo de Nero, espicaçou o contendor com provocações no nível de meio-fio.

No fundo, a aproximação entre Dilma e Lott, no ideário popular, é exercício de sobrenaturalismo que impregna a política brasileira. No começo foi apenas a ideia de eleger um poste e, com o tempo, a esperança de ser uma luz para todos. A resistência ao nome da candidata no PT e adjacências pode se dissipar ou fechar para a decolagem de hipóteses que parecem sem sentido, mas no final se materializam. Afinal, Dilma e Lott têm o mesmo vício de origem: carreiras feitas fora da política e premiadas com mandatos ocasionais. Não deixa de ser preconceito que a democracia se permite. A semelhança com Lott não é de bom augúrio para Dilma: ele era inflexível, ela tem fama de autoritária. Imagem não se compra: é o que é. Não há muita diferença entre eles.

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