sexta-feira, 14 de maio de 2010

Carlos e José:: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

No dia em que Maria da Conceição Tavares fez 80 anos, José Serra publicou o artigo "Maria e eu" (O Globo, 24/04), no qual conta a origem de sua intimidade com a geração de economistas que ficaram escanteados nos anos em que seu partido e outros alunos da aniversariante governaram o país.

À noite, Serra e Dilma Rousseff estavam entre os convidados da festa de aniversário. Ficaria claro ali que o candidato do PSDB estava disposto a brigar pelos chamados desenvolvimentistas, alguns dos quais ilustres colaboradores do governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Em viagem ao exterior, Carlos Lessa não foi à festa, mas está citado três vezes no artigo dedicado por Serra à amiga comum.

Assim como Conceição, Lessa foi professor dos dois principais candidatos à Presidência da República - de Serra na Cepal e de Dilma na Unicamp. Durante os dois anos que passou como presidente do BNDES no governo Lula notabilizou-se pelos entreveros com Henrique Meirelles.

No dia seguinte à entrevista em que o tucano apontou a falibilidade do Banco Central, Lessa estava exultante: "Serra andava conciliador demais, já estava preocupado".

Lessa ainda não sabe em quem vai votar, mas acredita que Serra teria mais condições de desenvolver o país - "O governo Lula teve em Henrique Meirelles seu alicerce fundamental e Dilma está comprometida a mantê-lo no comando da política econômica. Ela não pode se opor".

Lessa reconhece a ascensão da baixa renda e a valorização do salário mínimo - "É a única coisa de que gosto no governo Fernando Henrique e que Lula manteve" -, mas diz que os ganhos não foram suficientes para elevar a participação dos salários na renda nacional, que perdem espaço para a renda do capital.

Cita Lula para dizer que não tem certeza se Serra, presidente, se aferraria às suas convicções - "Nunca imaginei que Lula fosse fazer essa política econômica. Foi mais pró-banco que FHC".

Desfia os números de cabeça. No governo tucano os lucros dos bancos cresceram 11% em média; no petista elevaram-se em 14%. "São 16 anos de banco crescendo enquanto o país, nesse período, não cresceu nem 3% ao ano".

A bronca vai definir seu voto para presidente. Escolherá o candidato que refugar o Plano Ômega. O projeto, que está sendo gestado pela burocracia do Banco Central e da Fazenda e representantes de bancos e da Bolsa de Valores, tem por meta fazer da capital paulista um centro financeiro internacional.

O plano que Lessa define como destinado a transformar São Paulo na "Cingapura do Atlântico Sul" exigiria uma revolução no mercado cambial para tornar o Real uma moeda internacionalmente conversível.

"O plano vai ser apresentado a Serra e a Dilma e o candidato que se apresentar mais favorável terá o apoio do sistema financeiro", diz. Entre seus formuladores cita Armínio Fraga e Meirelles, que se sucederam como autoridades monetárias máximas nos governos tucano e petista.

A lista de broncas de Lessa é secundada pelas empresas do setor elétrico. Diz que só distribuidora de energia hoje é negócio melhor que banco - "Na minha casa tem apagão todo dia, mas as distribuidoras estão ganhando 20% sobre o patrimônio".

Não acredita que Serra, eleito, retomaria o programa de privatizações de energia do governo FHC. Toma-o por pragmático e acredita que seu governo favoreceria a presença do Estado onde o mercado for mal: "Ele foi o ministro mais nacionalista daquele governo".

Diz que, no governo, Dilma compartilhou com ele as angústias sobre a necessidade de expandir a capacidade de geração de energia do país - "No setor elétrico meu principal problema era com a Marina, que atrapalhava muito".

As maiores diferenças com a Dilma, conta, eram no setor de petróleo. "Achava que o preço ia subir e ela tinha sido convencida por sua assessoria de que a cotação flutuaria. Hoje ninguém tem mais dúvida de que o petróleo vai a US$ 100. É a melhor reserva que o país pode ter".

Guarda sua cota de elogios a este governo às diretrizes do pré-sal: "Lula acertou nas três premissas, a de que o país não exportará petróleo cru, a de que seus efeitos serão orientados para o desenvolvimento e que os lucros alimentarão um fundo social".

Não se deixa impressionar pelos ataques de Serra ao Mercosul. "Ele conhece tudo isso. E sabe que o Mercosul reflete a inanição do Brasil, a que a Argentina está atrelada". E espera que a política externa do governo Lula seja mantida, noves fora a meta do Conselho de Segurança Nacional, que Lessa classifica de pretensiosa.

Aos 73 anos, Lessa está afastado da política, apesar de filiado, "por inércia", ao PSB. Ficou no PMDB até o segundo turno de 2006. "Não aguentei o Renan Calheiros". Depois de ter percorrido o Brasil colhendo diretivas para um programa de governo do partido, o partido resolveu aderir a Lula. "Não me mandaram nem uma carta de agradecimento".

Padrinho de casamento de Serra no Chile, Lessa vê com naturalidade ter sido abundantemente citado na formação de Serra como economista - "Praticamente lhe ensinei economia". Indagado sobre qual dos dois teria sido o melhor aluno, sai pela tangente: "Tanto Dilma quanto Serra eram muito inteligentes e obstinados".

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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