domingo, 16 de maio de 2010

Cuidado ao pisar:: Dora Kramer

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Ou o líder do governo no Senado, Romero Jucá, não entendeu o espírito da coisa ou não ouviu direito quando o presidente Luiz Inácio da Silva disse que a prioridade do governo é eleger Dilma Rousseff.

Sim, porque quando um líder de governo, porta-voz do Palácio do Planalto no Senado, se refere ao projeto Ficha Limpa de maneira desdenhosa porque "não é um projeto do governo, é da sociedade", é de se perguntar de onde Romero Jucá acha que sairão os votos com os quais Lula conta para eleger Dilma presidente da República.

Das profundezas das camadas do pré-sal, a cujos projetos ele confere total prioridade?

Pode até ser uma surpresa para Jucá e companhia, mas sairão da sociedade. Não aquela parcela ainda refém de favores que elege parlamentares sem olhar se dispõem de biografias ou de folhas corridas.

Mas uma outra que tem a felicidade e a vantagem do acesso a informação e conseguiu ser alcançada pelo movimento de mobilização que reuniu 4 milhões de assinaturas (até a última contagem), fez despertar na Câmara dos Deputados uma inexistente vontade - na maioria -, pressionou os políticos a exercitarem na negociação a arte do possível e os empurrou a aprovar o que parecia impossível.

É o ideal? Não é. Mas se não fosse um ganho significativo, sua excelência não estaria a reclamar, a dizer que é necessário zelar pelo futuro de todos os que eventualmente podem se ver enquadrados nas situações previstas no projeto de lei complementar que proíbe o registro que candidaturas de políticos condenados por crimes dolosos em colegiados judiciais com recursos julgados em tribunais superiores.

Muito provavelmente Romero Jucá não fala sem respaldo. Tanto que o governo não fez reparos à sua paquidérmica declaração de menosprezo a um projeto caro à sociedade.

A título de antes tarde, caberia conferida a trecho de poema do irlandês William Yeats: "Pisa com cuidado, é nos meus sonhos que estás a pisar".

Erro a calhar. Essa história do erro na votação da Câmara no índice do reajuste das aposentadorias acima de um salário mínimo tem cheiro, cor e jeito de artimanha para livrar o presidente Lula do ônus do veto ao aumento de 7,7%.

De fato, depois da votação, viu-se que havia um erro de redação. No texto aprovado constava o índice de 7%. O equívoco, no entanto, foi corrigido pela Mesa com base no resultado da votação em plenário.

Equivocado, demagógico, seja o que for, é soberano.

Só que ao chegar ao Senado, o líder do governo, Romero Jucá, argumentou que a correção feita na Câmara não vale. Ao juízo dele cabe ao Senado alterar a redação. Significa que volta à Câmara.

Ao mesmo tempo, o presidente do Senado, José Sarney, se recusa a inverter a pauta de votações para que o reajuste seja votado rapidamente.

Resumo da ópera da protelação: como a medida provisória vence em primeiro de junho, basta o reajuste não ser aprovado até lá para o presidente não precisar vetar.

Fica tudo resolvido na base da manobra e aquele discurso bonito sobre responsabilidade doa em quem doer devidamente arquivado até uma próxima oportunidade.

Horizonte. Assim como o PT teve seu programa partidário na última quinta-feira, partidos que apoiam a candidatura presidencial de oposição também terão direitos aos seus 10 minutos em rede de rádio e televisão neste semestre.

O PT se arriscou ao confrontar de maneira tão explícita a legislação e apresentar um programa de caráter obviamente eleitoral. Ainda que venha a ser condenado e penalizado financeiramente, com multa ou sem multa conseguiu o que queria de imediato: 10 minutos de propaganda para Dilma Rousseff.

E aí se põe a seguinte questão: os partidos de oposição farão o mesmo? Transformarão seus programas partidários em programas eleitorais? Se não fizeram ficarão em desvantagem em relação ao adversário. Se fizerem perderão a moral para reclamar do PT na Justiça, a lei eleitoral cai de imediato em desuso e a eleição de 2010 vai virar o mais completo vale-tudo.

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