sexta-feira, 7 de maio de 2010

Mais que o vento batendo às suas costas :: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Se havia alguma dúvida sobre o papel que Luiz Inácio Lula da Silva virá a desempenhar depois que deixar o cargo, o próprio presidente da República tratou de esclarecê-las. Escolheu o 1º de maio para fazê-lo - textual e simbolicamente.

Depois de um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV dedicado ao tema na semana anterior, fez quatro discursos seguidos, em eventos distintos promovidos no mesmo dia por todas as seis centrais sindicais do país. Mandou o recado em todos, mas no da CUT, foi mais claro: "No ano que vem - no 1º de Maio já não sou mais presidente - pelo amor de Deus me convidem para vir, porque se for alguém ruim, a gente vem aqui meter o pau; se for alguém bom, a gente vem aqui ajudar e aplaudir".

A inarredável companhia da pré-candidata petista em todos os eventos não deixava dúvida sobre que cenário prefere, mas o simbolismo é claro sobre seu plano B. Lula vai jogar todas as fichas na eleição de Dilma Rousseff, mas o sindicalismo, em quaisquer cenários, será um dos pilares de sua coabitação com o futuro presidente.

O pós-Lula do presidente passa pelo reforço à retaguarda do PT no Senado, Casa mais independente do governo e fonte primeira de suas dores de cabeça com o Legislativo. Mas, no exercício do cargo, Lula viu o que o Executivo é capaz de fazer com os partidos de oposição. E, se já elegeu-se sem caber mais no figurino do PT, não poderia se limitar à sua escora depois de deixar a Presidência.

A aliança de Lula com o sindicalismo foi fomentada pelas crises políticas de seu governo. Nos dias mais tensos do mensalão, o presidente da República fez chegar a alguns capitães do PIB nacional que a Frente Única dos Petroleiros, ao alcance de um telefonema, não teria dificuldade de paralisar as refinarias do país em seu apoio.

A estratégia de Lula de um domínio sem concorrentes sobre o sindicato passou pelo reconhecimento das centrais em 2008, que, desde então, levou para seus cofres R$ 146 milhões em imposto sindical. A partir daí levou para seu lado a Força Sindical. A central que, até 2006, alternara-se entre PSDB e Ciro Gomes, deve, pela primeira vez, apoiar majoritariamente candidato do PT.

Nos discursos do 1º de Maio, Lula acenou com apoio ao principal ponto da plataforma das centrais no debate eleitoral: a redução da jornada de trabalho. É um faz de conta que interessa a ambas as partes. Tivesse mobilizado sua base no Congresso, o projeto que reduz a jornada já teria passado. As centrais não acusam o golpe porque o cenário sem Lula está longe de ser promissor.

A acomodação a um sindicalismo que não depende de mobilização social para garantir seu sustento também é um jogo de mútuo interesse. Como seu principal patrocinador, o presidente da República mais popular da história do país empresta aos sindicatos o enraizamento popular do qual a cooptação governista lhe permitiu que fossem poupados.

Basta ver o público dos eventos do 1º de Maio. Tirando o da Força Sindical, que enche com os shows, os demais tiveram uma plateia inferior ao que o próprio presidente costuma mobilizar em seus comícios.

No resto do mundo o 1º de Maio acabou em pancadaria. De Atenas a Cuba, a maré é de corte de empregos públicos e precarização dos vínculos trabalhistas. O Estado, cujo fortalecimento foi saudado como a saída para a crise econômica, mais uma vez fica na mira das políticas de ajuste. Basta ver o que o FMI impôs como condição para o pacote de ajuda à Grécia que tem a participação, entre outros países, do Brasil: corte nos gastos públicos, salários e aposentadorias congeladas, reforma do regime previdenciário e redução dos custos de demissão.

Autor de exaustivo estudo sobre os efeitos da flexibilização do emprego na Europa ("Flexibilização do Trabalho - sintomas da crise", Fapesp, 2010), o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) Fernando Mattos vê repetirem-se as mesmas políticas do receituário econômico liberal que precedeu a crise financeira. Depois do minucioso levantamento do fracasso dessas políticas na geração de emprego, Mattos acredita que o Brasil está momentaneamente a salvo da onda pelo crescimento econômico.

O Brasil, pela primeira vez, tem mais da metade dos postos de trabalho formalizados e alcançou a meta de geração de empregos prometida na eleição de 2002. Além de dar alento à propaganda governista, os números explicam a prova de revezamento de Lula no 1º de Maio. Mas não são garantia se a maré virar na economia nacional.

Os candidatos à sucessão ainda não vieram a público para se comprometer claramente com uma plataforma de imunização do Brasil ao contágio da onda de quebradeira que atinge o euro.

Os partidos que sustentam um e outro, aliados às centrais, acreditaram estar dando sua contribuição ao debate com a aprovação do fim do fator previdenciário e o aumento aos aposentados acima do deferido pelo Executivo.

Enquanto durar o espetáculo do crescimento, a economia brasileira aguenta desaforo, mas Lula já deu sinais de que recorrerá ao veto se a votação for mantida no Senado.

Previdência sempre é um tema delicado em eleições, mas Lula tem uma longa campanha para passar em revista seu governo e circunscrever um eventual veto a uma nota de rodapé. Governantes bem avaliados costumam inflar seus índices de popularidade durante o horário eleitoral gratuito. Lula pode se dar ao luxo de usá-lo para projetar a imagem com a qual pretende ser lembrado. Pela história ou pelos próximos quatro anos.

O que o episódio coloca em relevo é que a equação montada pelo presidente para arbitrar perdas na sociedade não é passível de herança porque centrado na excepcionalidade de sua liderança. Ele costuma dizer que em costas de ex-presidente nem o vento bate, mas sabe que nas dele só não vai ter espaço para sopro. O presidente tem muitos motivos para se orgulhar de seu governo. Esse não é um deles.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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