domingo, 2 de maio de 2010

Mundo, vasto mundo:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

Classificar o Brasil como “a grande esperança do Ocidente” pode soar como uma peça publicitária do ufanismo que domina hoje o governo brasileiro, mas quem o faz é o sociólogo francês Alain Touraine, que conhece muito bem o país e sabe do que está falando.

Ele fala do Estado brasileiro, não deste ou daquele governo. Não é de hoje que ele vê o Brasil como uma das grandes potencias emergentes.

Quando me disse isso em Córdoba, onde participou do seminário da Academia da Latinidade que, dentro da perspectiva de busca de diálogo entre culturas tratou do papel dos BRICs no contexto do novo mundo multipolar, não havia ainda a reportagem da revista “Time” colocando Lula entre as personalidades mais influentes do mundo, mas o presidente brasileiro já havia sido indicado por diversos órgãos europeus como um dos principais líderes do mundo.

Mas já havia a crise econômica da comunidade européia, que marca, para Touraine, a decadência da região. Como os Estados Unidos estão vivendo problemas econômicos graves que devem persistir pelos próximos anos, dos países emergentes o Brasil é o único que representa os valores ocidentais.

Os c ompanheiros d e BRICs são Rússia, Índia e China, e Touraine acha que, deles, só o Brasil tem condições de exercer o papel de ligação entre os países ricos e os pobres.


A Índia poderia exercê-lo também, mas o Brasil tem presença política mais forte no cenário internacional, analisa Touraine.

Já o diretor do Instituto de Pluralismo Cultural da Universidade Candido Mendes, Enrique Larreta, acha que é preciso cuidado ao analisar o papel do Brasil no mundo “para não se cair no ufanismo”.

Ele lembra que a América Latina não pesa no comércio mundial, ao contrário da China, e que a Europa tem economias tão poderosas quanto a da Alemanha, cujo PIB é maior do que o de toda a América Latina.

Larreta diz que o Brasil n ã o é a i n d a u m p o d e r mundial de peso, e sim “líder de uma região que ainda é pobre”.

Uma atitude ufanista pode criar um problema grave com os vizinhos latino-americanos, ressalta Larreta, que relembra que o Itamaraty vem perdendo quase todas as disputas por cargos internacionais, não tem conseguido o apoio da América Latina devido ao temor de que o Brasil esteja contaminado pelo “chauvinismo da grande potência”.

Ele cita a discussão sobre o programa nuclear do Irã, que vem tendo o apoio do Brasil a ponto de suscitar desconfianças na Argentina sobre a posição brasileira com relação à bomba atômica, justamente o que se procurou evitar ao assinar o acordo recíproco de fiscalização com a Argentina no governo Fernando Henrique Cardoso.

O sinólogo François Julien, um dos mais influentes da atualidade na Europa, acha que, se o Brasil não começar a estudar bem a China, vai ser engolido por ela.

Ele diz que prefere o Brasil, onde tudo é aberto, e que na China você tem que interpretar tudo, é tudo voltado para o interior.

Mas isso não o impede de constatar que a China é um país disposto a explorar “sua situação potencial” de maneira pragmática, no dia a dia, sem grandes projetos de futuro que não sejam aumentar sua capacidade de tirar partido de fatores favoráveis para “aumentar sua força e sua posição no ranking das nações”.

Ao mesmo tempo, Larreta chama a atenção para a atuação internacional dos chineses, que seria tão mais discreta quanto mais efetiva.

A presença deles no Conselho de Segurança da ONU tem um perfil muito baixo, analisa Larreta, em comparação com um país que tem atuação com perfil mais alto como a França, “porque tem pouco peso específico”.

Para Larreta, os chineses têm uma política pragmática, com objetivos específicos ao que consideram os interesses nacionais, “mas até isso está mudando”.

Hoje já não apóiam com tanta força a ditadura de Burma, por exemplo, porque estão constatando que o mundo não gosta.

Outro fenômeno novo destacado por Larreta é que a política exterior tem importância na legitimação interna dos governantes, o que se constata tanto na China quanto no Brasil, onde o prestígio internacional do presidente Lula é explorado pelo governo e deve virar tema da campanha presidencial de sua sucessão.

Larreta diz que na China há uma camada de classe média emergente que está ganhando dinheiro e não se incomoda muito com direitos humanos, mas gosta do prestígio internacional do seu país.

Aqui no Brasil, o episódio da revista “Time” é exemplar de como o governo e seu partido tiram proveito do prestígio internacional de Lula ao ponto de aumentá-lo com objetivos políticos, como ao tentar vender a ideia de que ele fora eleito o político mais influente do mundo, à frente do presidente dos Estados Unidos Barack Obama ou dos primeiros ministros japonês Yukio Hatoyama, ou indiano Manmoha Singh.

Essa atitude provinciana torna-se ridícula quando o chanceler Celso Amorim é apanhado tentando fingir naturalidade diante da escolha — “E isso é novidade para você?” reagiu com desdém à primeira informação de que Lula fora escolhido o líder mais influente do mundo —, ainda mais quando se sabe que o perfil de Lula saiu com mais destaque na edição da revista por causa do texto do cineasta americano Michael Moore, e não por qualquer feito do “nosso guia”.

Da mesma maneira, quando se sabe que o economista Jim O’Neill do banco americano Goldman Sachs criou a figura dos BRICs em 2001, antes portanto de Lula ter chegado ao poder, percebe-se o que o sociólogo francês Alain Touraine quer dizer quando afirma que o processo de amadurecimento do Brasil como nação é de longa data e tem sucesso, inclusive internacional, justamente pela continuidade de políticas econômicas e sociais

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