quinta-feira, 6 de maio de 2010

O estouro da boiada - Editorial

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A esta altura só resta tomar ao pé da letra a declaração atribuída ao presidente Lula de que "não há eleição que me faça aprovar esses absurdos". Ele estava em Buenos Aires, na terça-feira à noite, quando soube que a Câmara dos Deputados havia acabado de aprovar não só um reajuste de 7,71% para os aposentados que recebem mais de um salário mínimo, como ainda a extinção do fator previdenciário para o cálculo das aposentadorias, criado no governo Fernando Henrique. Por uma perversa coincidência, a dupla façanha foi cometida no 10.º aniversário da Lei de Responsabilidade Fiscal, o que levou o deputado Arnaldo Madeira, do PSDB paulista, a comentar que a Câmara havia promovido "a noite da irresponsabilidade".

A chance de mostrar serviço para a combativa categoria dos aposentados e, no caso da grande maioria dos parlamentares oposicionistas, de criar um problemaço para o presidente ? já às voltas com uma candidata que não empolga - revelou-se irresistível. Desde quando começou a tramitar a medida provisória que reajustou aqueles benefícios em 6,14% em janeiro deste ano eleitoral, ficou evidente que, passando ao largo das divisões partidárias, os políticos estavam a fim de usar o dinheiro do conjunto dos contribuintes para fazer bela figura junto a uma parcela deles - a quem um punhado de parlamentares, por sinal, deve seus sucessivos mandatos. Os aposentados são eleitores especialmente atentos aos seus interesses.

Câmara e Senado estabeleceram um acordo pelo qual o reajuste deveria corresponder à inflação do ano passado mais 80% do crescimento do PIB, ou seja, 7,71%. (O DEM propôs alegremente 9,6%.) Enquanto os ministros do Planejamento e da Fazenda diziam que recomendariam ao presidente o veto a qualquer aumento acima do valor original, por seu impacto sobre as contas públicas, ele optou pelo menor dos males, autorizando o petista Cândido Vaccarezza, relator da MP na Câmara, a chegar a 7%, ou R$ 1,1 bi a mais do que custariam os 6,14%, no bojo de uma negociação suprapartidária, que nos últimos dias até parecia caminhar bem.

Qual o que! Na hora da decisão, docemente constrangidos pelas manifestações dos aposentados que lotavam as galerias, os deputados trataram de agradar à ruidosa clientela. Foi o estouro da boiada: o PT liberou a bancada e os líderes de todos os demais partidos falaram a favor dos 7,71%. Mas, não fossem os políticos que são, os deputados tiveram o cuidado de aprovar em votação simbólica o bônus que extrairá do Tesouro adicionais R$ 700 milhões. De outro modo, os nomes dos parlamentares contrários à esbórnia ficariam expostos no painel eletrônico. Já a votação da emenda ainda mais danosa que acaba com o fator previdenciário, apresentada pelo líder do PPS, o catarinense Fernando Coruja, se deu a céu aberto.

Nada menos de 323 deputados de todos os matizes, incluindo tucanos e demistas, uniram-se para destruir o mecanismo que até 2008 proporcionou ao País uma economia de R$ 10,1 bilhões, ao desestimular aposentadorias precoces. (A fórmula faz incidir a idade, a expectativa de vida após a aposentadoria e o tempo de contribuição sobre a média dos maiores salários recebidos pelos candidatos à jubilação.) Apenas 80 parlamentares tiveram cabeça e coragem de se opor à sangria estimada em R$ 3,8 bilhões em 2011, quando ? e se ? o fator deixar de existir. No caso do reajuste, a pressão pelos 7,71% era escancarada. Mas o Planalto não dava sinal de temer o risco do retrocesso no sistema previdenciário. De resto, embora não venha sendo propriamente um modelo de retidão fiscal, o governo se reserva a prerrogativa de escolher para quem destrancar os cofres.

Em face da acachapante derrota, o presidente pretenderia atrasar a votação da matéria no Senado. Conseguindo, deixaria para a enésima hora o veto integral à MP desfigurada e a concomitante edição de nova medida fixando o reajuste em 7%. Assim, a questão só tornaria a ser examinada pelo Congresso depois do pleito para a sua renovação, com o primeiro turno das disputas para presidente e governadores. Mas, como diria Garrincha, há muito que combinar com os russos ? e o jogo deles é outro.

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