quarta-feira, 5 de maio de 2010

"Ó o auê aí, ó" :: Vinicius Torres Freire

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Crise greco-europeia afeta Bolsas, que "desabam", e chama a atenção "pop". Mas o que entendemos disso tudo?

O TUMULTO europeu ficou mais "pop" ontem. Meios de comunicação "pop" puderam tratar da crise de modo "gráfico", para usar o anglicismo e até porque TVs e on-lines puderam publicar aquelas ilustrações com bandeirinhas nacionais e setas para baixo, a indicar a queda de cada mercado, sob o título "Bolsas desabam".

Mas crises do gênero sempre serão incompreensíveis para a maioria dos cidadãos, que mal entendem o que sejam Bolsas, muito menos porque elas "desabaram pelo mundo" devido à pindaíba da obscura Grécia.

Talvez alguns noticiários fossem mais prestantes se dissessem apenas, como o surfista carioca da piada, "ó o auê aí, ó" ("olha o auê aí, olha": "deu confusão"). Ou, como meteorologistas, "frente fria deve provocar chuvas e trovoadas", embora tampouco saibamos bem o que sejam frentes frias. Ou se vai chover.

Foi mais ou menos assim também na crise financeira iniciada em 2008, que passou a causar alguma sensação quando "Bolsas desabaram pelo mundo", crise que no entanto nada tinha a ver, a princípio, com o valor das ações em Bolsas.

E daí? O que isso teria a ver com economia? Não tem a ver. Tem a ver com política. Como habitantes de cidades remotas das Províncias de antigos impérios, apenas sentimos bestificados o efeito de decisões inaudíveis ou incompreensíveis tomadas em Roma, Persépolis, Constantinopla ou Alexandria. A consciência vem tarde, apenas quando as hordas inimigas nos atropelam.

Os governos das Províncias que habitamos -Beócia, Capadócia ou Brasil- reagem como podem, quando podem, e mistificam a patuleia, nós, tentando faturar como obra sua o vento da sorte ou se absolvendo do tsunami de más novas, ambos vindos do exterior. Quando em campanha eleitoral, tratam de tampar a última réstia de luz, furtando o público da discussão das medidas que ainda podem ser tomadas autonomamente pelas Províncias. Sobrou pouco a fazer, e nem isso discutimos.

Mudanças geopolíticas, como a entrada na China na Organização Mundial do Comércio e o "segundo grande salto capitalista adiante" decidido pelo Politburo chinês, acabaram por inflacionar o preço dos nossos recursos naturais e nos permitir alguns anos de largueza de consumo e aumentos de salários.

Aqui, isso aparece como "governo de sicrano criou 10 milhões de empregos", como se nada tivesse dependido das decisões do Império do Oriente, o chinês. E como se, de resto, governos "criassem" empregos.

No Império do Ocidente, os EUA, as elites americanas debatem as liberdades da grande banca de criar intricados produtos financeiros que levaram o mundo à breca em 2008, além da liberdade de manipular mercados com esses monstrengos.

Trata-se do famoso caso dos CDOs do Goldman Sachs, produtos financeiros montados a partir de seguros de crédito cujo valor dependia de pacotes de dívidas imobiliárias securitizadas. Não, não é para entender. Mas é isso que faz o mundo rodar, nos dois sentidos de "rodar".

Podemos saber em "tempo real" de detalhes da crise dos derivativos, da dívida grega ou da política monetária chinesa, que definem mais nossa vida que as "rebolations" de Serra ou de Dilma. Mas não adianta nada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário