terça-feira, 4 de maio de 2010

Querer é poder?:: Merval Pereira

DEU EM O GLOBO

A grande incógnita dessa eleição é o alcance do poder de influência do presidente Lula sobre os eleitores. A se levar em conta suas atitudes públicas e notícias que saem em pílulas sobre seu estado de espírito, ele parece convencido de que tem força suficiente para fazer o que quiser, mesmo chegando ao fim do mandato, o que aliás não está lhe fazendo muito bem. O presidente Lula, que prometera voltar para São Bernardo do Campo quando saísse da Presidência da República, já está anunciando que continuará na política, e parece disposto a tudo para fazer sua sucessora.

Agora mesmo, na comemoração sindical do 1° de maio, onde mais uma vez afrontou a Justiça Eleitoral, Lula fez questão de ressaltar que os trabalhadores sabiam quem ele quer para suceder-lhe.

Ora, ao contrário do dito popular, querer não é poder.

Lula no máximo pode achar que Dilma é mais talhada para o cargo, e indicá-la como a melhor opção, mas não pode dar uma ordem ao eleitorado; no máximo, pode tentar convencê-lo de que ela é a candidata ideal para continuar seu projeto.

Mas impô-la como sua escolha, basta o que já fez com o PT, que teve que engolir sua decisão imperial. Levar para o palanque essa mesma determinação pode não dar resultado, porque do outro lado há eleitores que têm que ter o direito de escolher recebendo as informações corretas, e não ordens de um guia político que tudo sabe.

Além do mais, as pesquisas indicam que os membros das classes emergentes são conservadores e pragmáticos, e votarão no candidato que considerarem mais capaz de continuar as políticas que os levaram a melhorar de vida, e não por mero agradecimento.

Partiram, por mera coincidência, de dois músicos as explicações mais plausíveis para a eleição estar como está, equilibrada, mas com a oposição consistentemente na frente nas pesquisas eleitorais.

O compositor Guarabira comentou que não há nenhum incoerência no fato de Lula ter 80% de aprovação e o candidato oposicionista Serra continuar na frente.

Segundo ele, muitos desses 80% que consideram o governo Lula ótimo ou bom são eleitores tucanos, que gostam de ver que Lula prosseguiu as políticas econômica e social do governo de Fernando Henrique Cardoso.

Por sua vez, Chico Buarque declarou que votará em Dilma porque gosta de Lula.

Mas fez uma ressalva: Dilma ou Serra, dá no mesmo.

É esse sentimento de que qualquer dos dois candidatos pode prosseguir no projeto de Lula, que é uma continuação do projeto de FH, que permite um ambiente tranquilo, quase modorrento na eleição, e dá margem a que o candidato oposicionista consiga fazer a comparação entre ele e Dilma, e não entre Lula e FH, como querem os petistas.

Ao atuar como um candidato que não confronta sua adversária, e muito menos o popularíssimo presidente Lula, o candidato tucano José Serra desmobilizou, pelo menos no momento, a expectativa governista de radicalizar as posições para colocá-lo no córner, caracterizando-o como o representante do retrocesso.

Ao contrário, ele se coloca como o mais capacitado para dar continuidade ao projeto, e somente os militantes petistas e tucanos são capazes de levar a campanha para comparações desqualificantes, ou agressões radicais.

Atribui-se a Lula a decisão de assumir a tarefa de “desconstruir” Serra e mostrar aos seus seguidores que o candidato oposicionista não pode ser sua continuidade.

Vai ser difícil Lula atacar Serra gratuitamente, ainda mais que o tucano não perde ocasião para elogiá-lo. Dilma tentou o confronto com aquela história de “lobo em pele de cordeiro”, mas não deu muito certo.

A face radical dessa eleição está na internet, enquanto os dois candidatos comem feijoada juntos na mesma mesa em Uberaba.

O sociólogo Rudá Ricci considera que analisar as diferenças e proximidades entre gestões FHC e Lula pode ser útil para ter-se “uma visão mais clara da trajetória e tendência que o país vem adotando”.

A análise tem que ser feita, porém, “não pelo foco dos resultados, como pretendem os petistas”, ressalva Ricci, mas pelos conteúdos.

Nessa perspectiva, a política econômica foi similar, diz ele. Já a política social, na sua visão, foi apenas uma vertente da política econômica de Lula.

A questão central, para o sociólogo Rudá Ricci, foi apenas a ampliação do mercado interno — salário mínimo, o Bolsa Família e o crédito consignado — enquanto as políticas de educação e saúde “foram muito marginais e quase insignificantes, erráticas para ser mais preciso, nas gestões Lula”.

Os quatro pilares das gestões Lula, principalmente a segunda, foram, segundo o sociólogo: política econômica (com base monetária monitorada pelo BC); orientação para o desenvolvimento não sustentável (PAC e BNDES); ampliação do mercado interno (também não sustentável, ou seja, a ausência da ação de Estado não garante minimamente a permanência dos emergentes de classe média ou sua projeção social), e fortalecimento do presidencialismo de coalizão (a política, dentre todas, diretamente administrada por Lula).

Rudá Ricci lembra que Fernando Henrique Cardoso também se concentrou na política econômica e, talvez, um pouco mais em saúde e educação, com Paulo Renato à frente.

Ele considera o ex-ministro da Educação injustiçado, “já que Serra apareceu mais que ele, embora tenha feito muito mais que o candidato a presidente”.

O sociólogo Rudá Ricci considera que Fernando Henrique “foi muito frágil na construção de um projeto de poder, além de não ter tido tempo para definir uma orientação para o desenvolvimento”.

Pelo que conhece e leu de FHC, se recusa a aceitar a tese de que que ele “teria se jogado nos braços do liberalismo clássico”.

Nos temas mais sensíveis, como reforma agrária, “os dois tergiversaram, justamente porque refutam esta política.

Eles são muito iguais”, finaliza Rudá Ricci, que considera que nos próximos dez anos haverá uma união de forças de PT e PSDB.

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