terça-feira, 4 de maio de 2010

Riscos cruzados:: Miriam Leitão

DEU EM O GLOBO

O maior perigo da Europa é a exposição cruzada de riscos. O maior carregador da dívida grega são os bancos europeus. Aliás, os bancos das maiores economias, Alemanha e França, são exatamente os que mais emprestaram aos países que hoje estão em risco. E até os que estão em dificuldade também devem uns aos outros. O pacote de resgate não é o fim da crise da zona do euro.

Quando a Alemanha e a França emprestam para a Grécia, estão na verdade ajudando seus próprios bancos.

O mundo está vendo o início de um segundo salvamento de bancos em dois anos. Se a Grécia decreta moratória, os bancos da Europa estariam em grande dificuldade. A situação é tão intrincada que a Espanha, que é um dos paísesalvo dessa crise, está sendo forçada a participar do rateio emprestando C 9,8 bilhões para a Grécia, quando a própria Espanha não sabe como vai pagar seus empréstimos de curto prazo. No país, há uma reação contrária ao empréstimo, até porque os espanhóis vivem os rigores de um avassalador desemprego.

Para piorar: os países em crise têm dívida cruzada: a Espanha é grande credora da dívida de Portugal, que é o segundo país da lista dos encrencados.

Por isso é que a economista Monica Baumgarten de Bolle, da Galanto Consultoria, acha que a notícia mais tranquilizadora do fim de semana não foi nem o pacote em si, mas uma decisão do Banco Central Europeu (BCE): — O BCE decidiu aceitar como colateral para empréstimos bancários os títulos da dívida grega. A regra era não aceitar papéis de países que não têm grau de investimento.

A Grécia acabou de ser rebaixada e portanto os bancos que têm títulos da dívida grega não poderiam, nos empréstimos juntos ao BCE, usar os títulos gregos.

No gráfico abaixo, note a confusão. De um lado, estão os bancos dos grandes países (Alemanha, França, Inglaterra, Estados Unidos, Holanda) e o quanto eles emprestaram para os países em crise. No outro lado, estão os países com maiores dificuldades financeiras no momento (Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda) e o tamanho total da dívida deles só com os bancos dos grandes países. Os empréstimos dos bancos da Alemanha e da França são mais concentrados em Espanha e Irlanda. Há tanta confusão que nem cabe num gráfico.

É só para dar uma pálida ideia dos riscos cruzados. Se a Grécia não for salva, derruba Portugal, que derruba a Espanha, que derruba todos porque apenas com esses países do gráfico ela tem uma dívida de US$ 781 bilhões. E a Itália, que tem uma dívida maior ainda, também tem credores por toda a Europa.

O pacote ajuda a Grécia a continuar honrando seus pagamentos, mas não afasta a sombra de o país ter que fazer uma reestruturação de dívida, chamando os bancos para dar mais prazo e descontos.

Isso levará os bancos europeus a terem perdas.

E essas perdas acabarão sendo cobertas pelos próprios governos.

— Se a Grécia chamar uma reestruturação no futuro, isso pode provocar uma nova onda de insegurança dos credores em relação aos outros países — disse Monica.

O grande problema está nas contas do governo grego, que em 2009 teve déficit de 14% do PIB. Trazer essa taxa para a casa dos 3% em 2014 é uma tarefa praticamente impossível para um país em recessão.

O governo estima que o PIB cairá 4% este ano, mas há previsões piores, como a do Morgan Stanley, que prevê um mergulho de 5%. A pior contração da Grécia aconteceu em 1983, quando o PIB caiu 2,3%. Com isso, a dívida grega, que hoje está em 115% do PIB, chegará a 140%, antes de começar a cair.

“Claramente, não se pode ter uma estabilização da dívida em um ano ou em um curto período. O risco de longo prazo permanece”, afirma o Morgan Stanley.

O economista Sérgio Vale, da MB Associados, acredita que essa crise tem potencial para trazer de volta o pânico no sistema financeiro.

“O problema de um default grego é que imediatamente outros países teriam suas avaliações de risco elevadas.

O contágio pode ser muito maior do que em crises no passado, como a asiática ou a russa, pois trata-se de uma mesma moeda que interliga o sistema financeiro europeu e uma série de países potencialmente em crise”, disse.

É preciso ainda combinar com os gregos, os alemães, os franceses, os espanhóis e todos os outros. A União era aceita quanto tudo estava dando certo. Agora, tudo está dando errado. É o grande teste do euro.

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