quarta-feira, 30 de junho de 2010

A ajuda da vítima:: Janio de Freitas

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Ação social com o dinheiro da vítima de catástrofes vira norma; o governo faz só a declaração de bondade

Os números são inseguros. Nem é necessário que não o sejam. Tanto faz se são as 157 mil pessoas contadas pelo governo, ou 130 mil, 160 mil, tanto faz. As fotos e os vídeos dizem o suficiente sobre a monstruosidade da tragédia que arruinou 27 municípios de Pernambuco e Alagoas, onde pessoas incontáveis catam na lama e na água fétida algo que comer, dar aos filhos e aos pais, e vagam atônitas sobre os resíduos do que foram suas casas, suas ruas, suas cidades.

Não há o que culpar ao restante do país absorvido pela Copa, sob a pressão uníssona dos meios de comunicação. Quando a Copa acabar, ou se antes o Brasil for eliminado, por certo veremos como os meios de comunicação são dedicados ao que chamam de sua função social, e até dizem ser a sua finalidade primordial.

Aí, sob essa nova pressão muito interessante para ajudar imagens e conceitos, virá boa ajuda aos desgraçados que a esperam para beber e comer algo sem lama e contaminantes. É só a Copa deixar.

Alguma coisa tem ido, por iniciativa do governo. Além de muito insuficiente para o necessário a alimentação, vestuário e abrigo, a distribuição é difícil e, em certas áreas, ainda impossível.

Vacinas, remédios, recursos para restauração de postos de saúde e dois hospitais já estão encaminhados. E as Forças Armadas foram menos indecisas, para iniciativas de socorro, do que nas catástrofes recentes em Santa Catarina e NO Estado do Rio (duas, em Niterói e Angra). Mas as providências de primeiro momento não são tudo. E depois delas o costumeiro é outra forma de desgraça.

Os governos falam muito e sempre, a cada um desses desastres, nas verbas que estão determinando para isso e aquilo. Mesmo quando mandadas destinar, o que ocorre apenas com uma parte do anunciado, a burocracia as espera com um calendário sem final.

Só para dar ideia: as prefeituras têm que fazer estudos de local e projetos técnicos a serem mandados ao respectivo ministério, que os submeterá a novos estudos para aprová-los, submetê-los a novas exigências ou recusá-los. Os milhares que estão sem água potável, sem teto, sem escola, sem trabalho, sem as antigas pontes -esperam. Com frequência, para nada.

Muitos podem contar com a ajuda individual providenciada pelo governo: "Vamos liberar o FGTS para as pessoas comprarem as coisas que precisam, móveis...", são palavras de Lula. E há o comunicado de que "o INSS vai antecipar as aposentadorias e pensões de julho", que "serão restituídas em 24 meses".

Ajuda muito importante.

Exceto, no entanto, em um pormenor. O FGTS, a aposentadoria e as pensões não são dinheiro governamental, pertencem a quem os acumulou nos cofres públicos como fruto do seu trabalho. Na ação social do governo, tal como está composta, é a vítima da catástrofe que ajuda a si mesma. O governante faz só a declaração de bondade.

No caso do pagamento antecipado da mensalidade de aposentadoria e pensão, o aposentado e o pensionista têm que repor, em 24 meses, dinheiro que é legitimamente seu. E que o governo lhe devolve em parcelas, muito módicas para a quase totalidade. No caso do FGTS, é sacar sobre o que a vítima da catástrofe teria a receber ao iniciar a vida de aposentado.

O inferno burocrático vem de longe. A ação social com o dinheiro da vítima torna-se norma, como se grande parte de cada uma dessas catástrofes não se devesse à falta de prevenção e de outras ações dos governos. Bolsa Família não é tudo. E o restante falta.

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