quinta-feira, 3 de junho de 2010

Bancos, amor e ódio :: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O último relatório do Banco Central Europeu avisa que, só na área do euro, os bancos terão de enfrentar até 2011 a inadimplência de quase US$ 240 bilhões em títulos que não serão honrados.

Esses ativos são obrigações privadas, que vêm da crise anterior, que começou com o afundamento do mercado de hipotecas (segmento subprime) nos Estados Unidos. Mas a esses poderá somar-se outra porção de títulos emitidos pelos países da área do euro que quase certamente os terão de submeter à renegociação, com perdas para os credores.

Há quase mil anos, as elites da Europa mantêm uma relação de amor e ódio com os bancos e, nessa dubiedade, vão se afundando em perplexidades e contradições.

Na Idade Média, a cobrança, ainda que disfarçada, de um jurinho qualquer devido por um empréstimo de dinheiro era severamente punida com prisão e banimento. O desenvolvimento do comércio e das atividades produtivas e a necessidade de sustentação financeira das guerras dos príncipes fortaleceram o papel dos banqueiros e pediram um mercado financeiro vigoroso com todas as suas implicações. Hoje até mesmo a Santa Sé tem lá seus bancos e suas finanças regadas a juros e rendimentos e autoridade religiosa nenhuma impõe a excomunhão dessa gente endinheirada. Mas ficou latente o vezo antigo.

Os políticos adoram gastar porque sabem que o seu sucesso depende diretamente das realizações, e realizações custam dinheiro. A maioria dos países-membros da área do euro submeteu-se a fortes contrações orçamentárias para ganhar o direito de entrar no clube, mas, uma vez dentro dele, entregou-se à gastança e, para financiá-la, aos banqueiros.

O resultado desse jogo são enormes e insustentáveis rombos nas finanças públicas que, em parte, aparecem na tabela acima. Mais do que insustentáveis, alguns desses rombos são impagáveis.

Cada vez mais, os analistas se convencem de que os casos mais graves exigirão reestruturação de dívidas soberanas, eufemismo que implica a imposição de algum calote. Ora, se haverá calote, ainda que negociado, haverá título podre na carteira dos bancos.

Uma das reações à deterioração dos balanços das instituições financeiras é esfregar as mãos e dizer: "Bem feito para esses banqueiros sem coração e sem espírito público." Mas, em seguida, vem o efeito já conhecido, o colapso no crédito, pois, nessa situação, os próprios banqueiros deixam de acreditar em banqueiros e se fecham para as operações de empréstimo.

As finanças públicas tendem a ficar ainda mais prejudicadas, de duas maneiras. Primeiramente, porque terão de reforçar sua assistência aos bancos e, depois, porque não poderão mais rolar as dívidas, já que os guichês dos bancos estarão fechados. Quando isso acontecer, os políticos voltarão a atacar os bancos e os especuladores, porque os juros das dívidas soberanas subirão e, com eles, a dívida.

Se esse cenário se confirmar, ficará difícil evitar a recessão de duplo mergulho (double dip) na Europa, com redução do comércio e aumento do desemprego, que hoje já é recorde. O aprofundamento da recessão, por sua vez, tende a reduzir a arrecadação e, com isso, enfraquecer ainda mais as finanças públicas. Mas, então, os Estados nacionais estarão mais empenhados em salvar os bancos de cuja saúde depende sua própria salvação.

CONFIRA

Chegou lá

O volume de reservas passou dia 1º dos US$ 250 bilhões. As autoridades do Banco Central jamais admitiram que compram dólares para evitar a excessiva valorização do real. Sempre sustentaram que fazem isso ou para evitar a volatilidade (flutuações indesejadas) ou para blindar a economia contra crises.

Mais para quê?

Se o Brasil passou pelo pior com menos reservas fica difícil justificar a necessidade de mais reservas apenas para melhorar a resistência da economia à crise.

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