sexta-feira, 4 de junho de 2010

Consumo move pêndulo na Igreja:: Maria Cristina Fernandes

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Há uma década havia mais de dez mil famílias de sem-terras acampadas no país. No ano passado esse contingente havia se reduzido para menos da metade. No mesmo período, pelas projeções da LCA, o estoque de postos com carteira assinada no campo cresceu 35%.

Somem-se esses dois números e já se está a meio caminho de se compreender as mudanças por que passa a Igreja Católica no Brasil. A mesma fatia do clero que abrigou o PT em sua origem é desbancada pelo surgimento dessa nova classe média pragmaticamente devota do consumo.

Em livro a ser lançado em breve sobre o lulismo, o sociólogo Rudá Ricci, explica por que as mudanças no catolicismo brasileiro são parte do que chama de modernização conservadora dos anos petistas.

Tomem-se os dois sustentáculos da esquerda católica - a Comissão Pastoral da Terra e a Cáritas. Com a maior fartura de emprego no campo, ambas perdem audiência e, com ela, terreno na disputa de rumos da CNBB. A entidade surgida do protagonismo de d. Hélder Câmara sempre foi dividida entre uma esquerda egressa da Teologia da Libertação, uma direita que vê na opção preferencial pelos pobres a exclusão dos mais ricos e um grande centro contrário à partidarização da Igreja.

A escolha do arcebispo de Porto Alegre, dom Dadeus Grings, para comandar a principal comissão da assembleia da CNBB foi reveladora da nova correlação de forças da entidade. Há outros bispos no país capazes de assinar embaixo a declaração de que foram os direitos dos homossexuais que banalizaram a pedofilia. O que sinaliza a mudança é o arcebispo de Porto Alegre ter sido escolhido pelo comando da entidade para dar a primeira entrevista do evento.

Ricci atribui a dominância da centro-direita à fragmentação da esquerda. Uma parte está com a candidata do PV e afiliada da Assembleia de Deus, Marina Silva. Outra, com o candidato do P-SOL à Presidência da República, Plínio de Arruda Sampaio, cujo trânsito na batina vem desde seus tempos de deputado federal pelo PDC, nos anos 1960. Também está no P-SOL grande parte dos leigos que agitaram a greve de fome de Frei Cappio contra a transposição do rio S. Francisco.

A esquerda católica conserva ascendência sobre ribeirinhos, atingidos por barragens, quilombolas e populações indígenas - contingente de pouco peso político. É por meio deles que parte do clero brada contra as obras do PAC.

A audiência já foi muito maior. A Pastoral Operária, por exemplo, não é uma sombra do papel que teve nos anos 1980, quando surgiram CUT e PT. Naquela época foi o coordenador da pastoral, o ex-metalúrgico Waldemar Rossi, quem saudou o papa João Paulo II em sua visita ao Brasil e denunciou, numa fala emocionada, crimes da ditadura.

De lá pra cá, os sindicatos que a pastoral ajudou a proteger empanturraram-se do imposto compulsório e acomodaram-se sob asas do Estado comandado pelo metalúrgico que fazia suas assembleias na Matriz de São Bernardo do Campo.

Outras pastorais como a da Criança, ganharam sobrevida graças a convênios com o poder público. Fundos europeus que tradicionalmente sustentaram o trabalho de muitas dessas pastorais católicas minguaram nos últimos anos. Levantamento de Ricci junto a 41 organizações estrangeiras indica que o corte de alguns programas de apoio financeiro chega a 50%. Se a necessidade de investimentos no Leste Europeu e o deslocamento de ações de assistência para a África pontuaram a redução de recursos nos anos 1990, a crise financeira global acabou por sepultar as esperanças de que a solidariedade católica internacional pudesse voltar a irrigar as pastorais brasileiras.

Setores egressos das Comunidades Eclesiais de Base que viram secar suas fontes de financiamento relutam a se tornar ONGs para disputar recursos governamentais. Perdem terreno para congregações mais pragmáticas que, em São Paulo, por exemplo, já respondem por uma fatia importante da gestão da saúde pública no Estado.

Das pastorais católicas, conta Ricci, a que mais cresce é a carcerária. E a concorrência com as igrejas pentecostais não é a única explicação. Os encarcerados são uma audiência distanciada do consumo, cuja aceleração tem desnorteado os católicos à direita e à esquerda a ponto de a Campanha da Fraternidade este ano ter sido dedicada ao tema.

A esquerda católica petista murchou desde o mensalão e não conseguiu recuperar terreno frente ao centrão majoritário. Na dianteira está a tese de que o enfrentamento do pentecostalismo exige dos católicos uma vocação mais espiritualista. A agenda dos candidatos, coalhada de eventos dos chamados carismáticos, é a tradução mais terrena desse novo equilíbrio de poder entre os católicos.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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