sábado, 26 de junho de 2010

Doente, ex-governador ainda dirige PSDB do Rio

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mesmo preso à cadeira de rodas, Alencar costurou a aliança com Gabeira

Bernardo Mello Franco de São Paulo

Presidente de honra do PSDB do Rio, o ex-governador Marcello Alencar, 84, não disputa uma eleição há 16 anos. Há oito está preso à cadeira de rodas, sequela de um acidente vascular cerebral que quase o matou.

Apesar da saúde debilitada, ele é o principal responsável pela aliança que livrou o tucano José Serra de ficar sem palanque no terceiro colégio eleitoral do país.

A pedido do presidenciável, Alencar costurou pessoalmente o lançamento de Fernando Gabeira (PV) ao governo fluminense, num delicado palanque duplo com a verde Marina Silva.

A chapa foi definida na sala de estar de seu apartamento, com ampla vista para a praia de São Conrado.

Na semana passada, em meio a uma crise que ameaçava implodir a coalizão, o ex-governador voltou ao circuito para garantir a palavra firmada por quatro partidos.

Como de hábito, sua intervenção quase não foi notada.

Desde que deixou o front eleitoral, ele mantém o mesmo estilo: praticamente não aparece, mas manda como poucos caciques brasileiros.

"Tenho que ter sempre a última palavra. Para ser obedecido ou desobedecido", sentencia o ex-governador.

Alencar assumiu o diretório estadual do PSDB em 1993, quando rompeu com Leonel Brizola (PDT).

Comanda o partido como um Estado absolutista. Os aliados são unânimes: nada é feito sem seu consentimento.

"Na minha idade, acho que não devia me meter em política. Mas não dá", diz ele, lembrando os atropelos da aliança fluminense. "Para não mentir, eu gosto..."

DISSIDENTES

Como no brizolismo, quem ousa desobedecer é convidado a deixar o partido. A lista inclui o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes. Alencar não gosta de falar no assunto. "Meu filho, isso é muito penoso..."

Quem aceita obedecer é brindado por um misto de proteção e rispidez.

No dia em que o ex-governador recebeu a Folha, o deputado Otavio Leite (PSDB-RJ) ouviu uma bronca num ato partidário: "Porra, mas tu sempre chega atrasado!".

Herdeiro do populismo da Baixada Fluminense, o prefeito de Duque de Caixas, José Camilo Zito, chegou a abandonar a legenda.

Foi perdoado. "Ele só me chama de paizão. Na rua, me beija escandalosamente", diverte-se Alencar: "O Rio é um Estado de nariz em pé. Eu gosto do Zito, ele dá uma liga entre o partido e o povão".

Na véspera da entrevista, o ex-governador havia almoçado com Serra, que declarou que o Rio precisava de "um novo Marcello".

"Talvez ele tenha dito isso porque sabe que eu tô na bola sete, na boca da caçapa", debocha o ex-governador: "Quando acabou o discurso, todos os puxa-sacos oficiais vieram atrás de mim".

O escracho volta com um assunto proibido para a maioria dos políticos: o gosto pela bebida, que fez a alegria dos chargistas nos anos 90.

"Eu chegava na zona oeste, e o povo dizia: "Paga uma branquinha pra gente, governador". Aí não tinha jeito, eu tinha que beber", explica-se. "Me chamavam de Velho Barreiro, mas era injustiça, porque nunca fui viciado em nada", diz, sem demonstrar incômodo com o apelido.

O tema também pontua sua avaliação sobre o presidente. "Eu sei que o Lula gosta do que é bom. Trocou a cachaça pelo uísque..."

Na juventude, uísque e cigarro eram "companheiros de guerrilha" do advogado que defendia presos políticos. Fumou até cinco maços por dia, mas parou. O álcool segue em doses moderadas.

Ao comentar a última descoberta, Alencar exibe a empolgação de um estreante na política. Descreve Gabeira, de 69 anos, como "um jovem muito talentoso, com propostas para o futuro".

"O Gabeira está muito mais próximo de nós do que do PV", orgulha-se. "Ele já é um tucano de bico largo!"

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