domingo, 6 de junho de 2010

Entre o diálogo e a bomba :: Ferreira Gullar

DEU NA FOLHA DE S. PAULO/ILUSTRADA

Como pode Lula afirmar que está aberto ao diálogo um regime que não tolera divergência, como o do Irã?

O atual regime do Irã é um atraso. Trata-se de uma ditadura teocrática intolerante e cruel que não permite aos cidadãos iranianos manifestar-se contra qualquer decisão do governo.

As últimas eleições, que mantiveram no poder Ahmadinejad, foram descaradamente fraudadas e todas as manifestações populares de protesto, brutalmente reprimidas por tropas militares, sendo seus líderes, presos e condenados à morte.

Às vésperas da visita de Lula a Teerã, cinco deles haviam sido executados. O fanatismo religioso e o ódio aos discordantes é de tal ordem que os cega, a ponto de negarem, perante o mundo, fatos históricos incontestáveis como o massacre de judeus nos campos de concentração nazistas e a destruição das Torres Gêmeas.

Tamanha insensatez e intolerância, que beiram o ridículo, resultaram no isolamento do Irã, mesmo no Oriente Médio. Não obstante tudo isso, o presidente Lula tomou a iniciativa de romper esse isolamento e oferecer seu apoio fraternal ao governo de Ahmadinejad.

É impossível não perguntar: mas por quê? É, sem dúvida, uma atitude surpreendente, difícil de entender. Vejam bem: o Brasil não tem nem nunca teve vinculações estreitas, de qualquer tipo, com o Irã. Não há nenhum objetivo, seja político, seja comercial, que justifique arrostarmos com tamanho desgaste ao apadrinhar um regime repressor e movido pelo fanatismo.

Pior ainda: o apadrinhamento de Lula a Ahmadinejad implica a tentativa de justificar o projeto iraniano de fabricar armas atômicas, contrariando assim o Tratado de Não Proliferação, de que, como o Brasil, é signatário.

Lula faz que não vê, mas não pode ignorar as artimanhas do regime iraniano para escapar à fiscalização da Comissão de Energia Atômica, fingindo disposição de dialogar quando, de fato, tudo o que pretende é ganhar tempo e dar prosseguimento a seu projeto nuclear militar.

Assim foi que, diante de uma nação brasileira perplexa, Lula promoveu um encontro em Teerã com o presidente iraniano e o premiê da Turquia para produzir um suposto acordo que mostrasse a boa vontade do Irã em resolver o impasse.

Mal o assinaram (nele, o Irã prometia entregar 1.200 kg de urânio para serem enriquecidos na Turquia), um porta-voz iraniano declarava que o país continuaria a enriquecer urânio em suas centrífugas. Que sentido tinha então aquele acordo, se o objetivo era o Irã desistir de enriquecer urânio e assim inviabilizar a construção da bomba?

Sabe-se que o próprio Lula se surpreendeu com essa declaração do governo iraniano, mas, de novo, fechou os olhos e insistiu em avalizar as boas intenções do Irã, enquanto criticava os membros do Conselho de Segurança da ONU, que se dispunham a impor-lhe sanções.

Mas isso é coisa sabida e debatida. Difícil é entender por que Lula tomou essa posição, arvorando-se em defensor de um regime antidemocrático e ideologicamente primário, comprometendo desse modo o prestígio de nossa diplomacia, por todos respeitada, graças ao equilíbrio e isenção com que sempre atuou.

Como pode Lula afirmar que está aberto ao diálogo um regime fundamentalista que não tolera divergências? Todas as tentativas de entendimento com o Irã, promovidas pela ONU, fracassaram. Mas, Lula, sempre tão esperto, quando se trata de Ahmadinejad, faz-se de tolo, confia em tudo o que ele diz. Custa crer.

Chego a pensar que a explicação esteja em certas declarações suas, como aquela em que negou aos Estados Unidos e à Rússia autoridade para impedir que o Irã fabrique armas atônicas, uma vez que ambos possuem arsenais nucleares.

Com isso, desautorizou o Tratado de Não Proliferação e admitiu implicitamente que qualquer país -inclusive o Brasil- tem o direito de fazer a bomba. Seria essa sua verdadeira intenção, embora nossa Constituição o proíba? Talvez não.

Mas, no Fórum Mundial de Aliança das Civilizações, ao afirmar que o Brasil deseja um mundo sem armas nucleares, voltou a defender a tese, como se não fazer a bomba fosse uma concessão do Irã. E insistiu na necessidade de se preservar a paz no Oriente Médio. Mas não é o Irã que promete pôr fim ao Estado de Israel? Pretende fazê-lo pelo diálogo?

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