sexta-feira, 11 de junho de 2010

Lula deve aprender com Tancredo :: Miguel Reale Júnior

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O mais grave é o mau exemplo que dá ao povo o popular presidente Lula, que só obedece a si mesmo, com solene desprezo à lei

O presidente Lula foi cinco vezes multado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Os fatos punidos não caracterizam apenas propaganda antecipada, que é vedada pelo artigo 36 da lei nº 9.504/97, mas grave violação, configurando abuso de poder político.

Tal abuso consiste no uso de serviços e bens da administração pública com o objetivo de promover um candidato, com afronta aos artigos 73 da lei acima mencionada e 1º, inciso I, alínea "h" da lei complementar nº 64, que sanciona o infrator com a inelegibilidade.

As multas impostas ao presidente decorreram de ter promovido sua candidata em duas cerimônias oficiais com uso de bens e serviço públicos. Três outras punições defluíram de propaganda eleitoral em eventos sindicais custeados pelo poder público ou pelos trabalhadores, sendo os sindicatos proibidos de envolvimento eleitoral.

Ao tomar posse, o presidente da República, conforme o art. 78 da Constituição, presta compromisso de respeitá-la, bem como às leis.

Não se trata de mera fórmula protocolar da cerimônia, pois o art. 85 da Constituição tipifica como crime de responsabilidade os atos do presidente que atentem contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais. A reiterada infração à lei torna o presidente passível de processo de afastamento do cargo.

De outra parte, a lei nº 8.429/92, no artigo 11, inciso I, configura como improbidade administrativa praticar o agente público ato visando fim proibido em lei, cominando pena de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos.

Além da violação da Constituição e da lei, o mais grave é o mau exemplo que dá ao povo brasileiro o popular presidente, que apenas obedece a si mesmo, com solene desprezo ao império da lei, que se comprometeu a respeitar.

Como destoa esse comportamento desviante e confiante de Lula da dignidade demonstrada por Tancredo Neves, profundo respeitador da lei, que atribuía grande valor à observância da ordem jurídica. Tancredo, presidente eleito, em discurso seguido à sua eleição, destacava a importância da construção de uma ordem institucional a ser moldada pela nova Constituição.

Ao retornar de viagem à Europa, Tancredo, presidente eleito, reforçou a importância da construção de um Estado de Direito.

Tinha Tancredo a consciência da primazia da lei, sendo vital o seu respeito pelo presidente, como doador universal de exemplo a toda a população. Agora, o menoscabo à lei, por parte de Lula, gerará na sua candidata, se eleita, a convicção de que é legítimo governar acima do ordenamento jurídico, pois desse modo obteve êxito.

Nesse quadro de abuso de poder, cresce a responsabilidade do candidato de oposição, pois será essencial todo o esforço na reconstrução da fidelidade à ordem jurídica.Diante do desrespeito continuado à lei, deve-se tomar como contraponto a figura de Tancredo.

Seu neto, Aécio Neves, passa a ter o dever de total compromisso na campanha do seu partido, como candidato a vice-presidente ou não, com o fim de desfazer os males da permissividade instalada e consagrar o objetivo do avô, de cumprimento da ordem jurídica, que mais vale se valer, inicialmente, para o primeiro mandatário da nação.

Estamos diante de campanha de salvação nacional contra o populismo autoritário que anestesia consciências. É sob essa ótica que a sociedade civil e, mormente, os cultores do direito devem encarar o embate eleitoral, quando estará em jogo a própria democracia.

Esta só sobreviverá se rejeitada pelo voto a afronta à lei e a chacota aos órgãos de controle, como o Ministério Público e o Tribunal de Contas, por parte do presidente.


Miguel Reale Jr., advogado, é professor titular da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) e membro da Academia Brasileira de Letras. Foi secretário da Segurança Pública (governo Montoro) e da Administração (governo Covas) do Estado de São Paulo e ministro da Justiça (governo Fernando Henrique).

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