segunda-feira, 21 de junho de 2010

O eterno retorno:: Luiz Werneck Vianna

DEU NO VALOR ECONÔMICO

Parece que o relógio da história atual do Brasil desandou: quanto mais ele avança no tempo mais volta ao seu passado em busca de velhas soluções. Fora de controvérsias a natureza bem-sucedida do nosso capitalismo, indicada de modo evidente na força do seu sistema financeiro, estatal e privado, no seu diversificado parque industrial, no agronegócio, na sua presença afirmativa na cena do mundo. Essa força da economia capitalista brasileira é registrada, dia a dia, em todos os veículos da mídia que abrem amplos espaços aos seus temas - quando não inteiramente dedicados a eles -, mobilizando um sem número de especialistas em suas questões e na tradução de suas demandas para o governo e para a opinião pública, quando dissemina sua linguagem e seus valores em várias camadas sociais.

Essa presença poderosa da economia capitalista na nossa vida social se expressa com igual vitalidade na vida associativa que reúne os seus dirigentes em influentes corporações, como a Fiesp e a Febraban, para não mencionar a rede com que o chamado sistema S recobre, capilarmente, a sociedade civil, inclusive nas artes e na cultura, bem o caso do Sesc, que se substitui ao Estado na proteção de manifestações vulneráveis do ponto de vista do mercado, exemplarmente as da atividade teatral.

Tais êxitos, contudo, não podem ser inteiramente debitados à livre iniciativa, não sendo o resultado "natural", ao longo do tempo, das ações, cálculos e deliberações dos agentes econômicos, mas sim, em grande parte, ao Estado e à sua política que, desde os anos 1930, impuseram os objetivos e as linhas mestras do processo de modernização que recriou o país. A nossa modernização, como se sabe, nos veio verticalmente, de cima para baixo, caracteristicamente autoritária, ora duramente repressiva como nos ciclos 1937-45 e 1964-85, ora sob formas mais brandas como no governo JK, e da sua obra, como traços principais, ficaram não só a articulação solidária entre suas elites urbano-industriais com as agrárias como também formas de organização corporativa dos interesses de empresários e trabalhadores.

Com a democratização do país, o peso dessa herança logo se fez sentir. Salvo o caso do PT que se constituiu como um partido classista e de agregação de interesses dos trabalhadores - de início, fundamentalmente do setor industrial -, os grandes interesses dos setores urbanos industriais, assim como o dos agrários, tiveram um papel secundário na reorganização da vida partidária. Essa distância quanto aos partidos conta com mais um exemplo no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), cuja opção foi a de preservar sua identidade de movimento social, deixando sem representação partidária direta o que nos restava de campesinato e a pequena propriedade rural.


Sob essa estratégia, as velhas formas de representação recuperaram viço, fortalecendo seus vínculos com o Estado e adotando uma perspectiva instrumental em relação aos partidos - no interior do Legislativo, segmentos de interesses atuam por meio de bancadas de parlamentares pertencentes a vários partidos. Tal prática se tem reforçado pelo fato de os últimos governos, especialmente o do PT, terem atribuído posições-chave na administração pública a lideranças de corporações. Nessa direção, o governo do PT foi além ao criar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, de formatação inequivocamente corporativa, a fim de exercer funções de mediação direta entre ele e a sociedade.

Com essa orientação, o atual governo, oriundo do antigo partido classista dos anos 1980, restaura o estilo e instituições típicas do Estado Novo, redescobrindo, em condições de plena democracia política, a fórmula de um capitalismo politicamente orientado que não impõe seus fins a seus agentes econômicos porque os estabelece em negociação com eles. Assim, temos o processo de modernização mais bem-sucedido do antigo 3º Mundo, temos uma Constituição que consagra a democracia política e cria instrumentos eficazes para sua defesa e aperfeiçoamento, mas não contamos com partidos fortes, nem com uma sociedade robusta em termos de organização política.

O liberalismo dos empresários é vocalizado nos editoriais e nas páginas de opinião dos grandes jornais; o socialismo, nas revistas dos intelectuais. Mas, como ninguém ignora, nem um nem outro são figuras em extinção, eles estão aí, inclusive como ideologia silenciosa de próceres da atual administração. Mas se não há, na sociedade, espaço para sua expressão é porque esse Estado que está aí não admite espaço vazio que não tenha a marca da sua ocupação.

Fora do mundo dos interesses organizados e das instituições dedicadas a eles, há o povo, objeto passivo das políticas públicas, mas presença determinante na hora das urnas, quando a linguagem sistêmica conta pouco, salvo para o grupo seleto dos diretamente envolvidos em sua lógica. Para ele, se reserva a linguagem dos sentimentos, como a da compaixão, porque será da sua inclinação que se vai ter a decisão do lado vencedor.

A ressurgência do tema do populismo, lido agora em luz favorável, mesmo por parte dos seus ferozes críticos no passado, vem dessa atrofia da política, da imobilização da sociedade diante de um Estado que traz tudo para si como se fosse um agente da Providência. Não há porque discutir os rumos possíveis para a nossa sociedade: sistemicamente, eles já estão previstos, o que cumpre fazer é ganhar a alma popular, quando a política se confunde, então, com as artes demiúrgicas de quem, por destino, aprendeu a decifrá-la.


Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador do Iuperj e ex-presidente da Anpocs. Escreve às segundas-feiras

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