Confesso minha perplexidade ante a insistência com que o presidente Luiz Inácio vem dando ênfase ao aspecto externo de seu governo, permitindo-se estanciar lá e cá, ao seu arbítrio.
Não faz muito, lembrei que ele fora recebido com simpatia por outros chefes de Estado e mantenho a observação, decorresse ela de suas qualidades pessoais ou da circunstância de tratar-se de um líder sindical que, pelo voto, chegou à chefia do governo e do Estado, ou de ambas. Faz algum tempo, porém, ele vem carregando no que se poderia chamar de vertente chavista-bolivariana de sua política internacional, sem vantagens para o nosso país, para dizer o menos, pois essa orientação vem resultando em desaires sucessivos. Começou com a pantomima de Honduras, ostensivamente patrocinada pelo hermano venezuelano, que chegou a não esconder sua ciência e ingerência na esquisita operação de esbulho da embaixada brasileira em Tegucigalpa; depois foi a mancebia diplomática com o Irã, subitamente ornamentada com as galas da primazia, como se fosse histórica a fraternidade entre o Irã e o Brasil, assim como as imaginárias similitudes entre eles, quando, em verdade, nenhum traço existia a justificar a amigação repentina e insólita; digo insólita porque nem a história, nem a língua nem a economia, nem a religião, nem os conceitos sociais e seus hábitos conviveriam de modo a abonar a surpreendente invenção; o resultado hoje está estampado aos olhos do mundo; o voto contrário do Brasil no Conselho de Segurança da ONU contou apenas com a solidariedade da Turquia... Não seria de esquecer ou de menosprezar o périplo diplomático encetado pelo presidente a oferecer préstimos não solicitados, ainda que, nas versões da publicidade interna, fossem êxitos tais, que estariam a recomendar seu afortunado agente a cargos e funções na ONU.
O certo é que, ou por iniciativa própria, ou por indução de assessores credenciados, o presidente da República tem ingressado a desoras no mundo da diplomacia com desembaraço e até mediante processos pouco ou nada canônicos; a notícia da decisão do Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, levou o honrado presidente a assentar que ela se deveria a “birra dos donos do Conselho”.
O presidente não é um oficial da carrière e, por isso, não se lhe poderá exigir familiaridade com o abc de seus estilos, mas sendo, como é, o titular abstrato da política externa da nação, se lhe não permitem fazer declarações pouco compatíveis com as regras diplomáticas; outrossim, a política externa se integra no patrimônio impessoal da nacionalidade, que transcende a individualidades mesmo eminentes. A demonstrar esse fato que se insere nos alicerces nacionais, lembro que quando a Inglaterra se apossou das Ilhas Malvinas, ao tempo da Regência, durante a minoridade de Pedro II, a despeito das precariedades e deficiências de toda ordem, no tocante aos serviços de estrangeiros, como então se dizia, não hesitou o Brasil em significar ao governo de sua majestade britânica sua repulsa ao ato do império, então em plena ascensão, em defesa do direito da Argentina. Quando isso aconteceu, o Itamaraty estava longe de vir a ser o que seria e até hoje o precedente tem sido mantido religiosamente pelo nosso país. Lembro o fato, antigo e mais que centenário, para mostrar que nem tudo o presidente pode fazer, a seu arbítrio, envolvendo o patrimônio indisponível da nação.
Enfim, sem pretender devassar os arcanos do pensamento presidencial, ou de quem se arvore em enunciar o que seria a política externa da nação, quando se cuida da glorificação pessoal do chefe do governo, pelos mais variados processos publicitários, corre-se o risco de tornar o elogio pessoal ao chefe com a impessoal política externa da nação. E as faladas pretensões presidenciais, e faladas oficiosamente, são disso sinal inequívoco de que o risco não é hipotético.
*Jurista, ministro aposentado do STF
Política e cultura, segundo uma opção democrática, constitucionalista, reformista, plural.
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